SELF

Redescobrir o ritmo da vida em um super spa

Pioneira na medicina integrativa, a Lapinha Spa oferece experiências de transformação dos hábitos ruins para o desenvolvimento de uma rotina mais saudável

Quando a jornalista Eliane Brum passou dez dias em um retiro de silêncio, meditando por horas a fio, percebeu como, em nossa época, o corpo é reduzido a objeto de intervenção, um estranho para nós. Em uma semana na Lapinha Spa, precursora da medicina integrativa no Brasil, chego a conclusões parecidas. Para redescobrir o funcionamento do corpo é preciso voltar atrás e prestar atenção naquilo que temos de mais básico.

Na Lapinha, os hóspedes passam por uma desintoxicação dos hábitos negativos para que novos, mais saudáveis, ocupem o espaço. É uma pausa na velocidade acelerada da rotina para retomar seus princípios fundamentais, esquecidos pela vida moderna.

“Nós entramos nesse ciclo vicioso, em que a pessoa está ansiosa, dormindo mal, acorda cansada, não tem disposição para o exercício – e vira uma bola de neve. Aqui, nós fazemos uma pausa e começamos um ciclo virtuoso, fazendo uma espiral para cima: você descansa, regula o sono e tem mais disposição para exercício, come bem”, explica Regina Chamon, médica do spa, certificada em manejo do estresse pela Harvard Medical School.

A inspiração vem da teoria do ciclo circadiano – o conhecido relógio biológico. “Esse é o ritmo normal de funcionamento do nosso corpo e está relacionado a dois fatores fundamentais: a exposição à luz e ao escuro. Na luz, principalmente a natural, nosso cérebro entende que está de dia e desperta. No escuro, o cérebro entende que é hora de descansar”, exemplifica a profissional, que complementa: “Nós conseguimos reverter o estilo de vida, criamos hábitos que nos levam para mais perto do bem-estar e mais longe da doença”.

A história começou com Margarida Bornschein Langer, que após um mau gástrico, procurou na medicina europeia naturista o tratamento da sua doença. Por gratidão pela cura, decidiu trazer para o Brasil um espaço que pudesse repassar os conhecimentos. A Lapinha é o primeiro spa médico do país. “É uma junção da medicina naturista com a chinesa e a ayurvédica. O objetivo é buscar um estilo de vida saudável, com bem-estar e prevenção de doenças que podem ser evitadas. É uma visão integral do ser humano: corpo, alma e espírito. Somos um todo“, conta Dieter Brepohl, CEO do espaço.

“É impossível descrever essa experiência” foi o que mais ouvi dos hóspedes ao longo dos seis dias em que fiquei hospedada na Lapinha. A vivência é sempre diferente, é claro, mas aqui, neste diário de bordo, você pode acompanhar como é uma semana no spa eleito como um dos seis melhores do mundo pela World Spa & Wellness Awards, em 2016.

O jardim encanta pela variedade de flores, que mudam a cada estação. No verão, os girassóis tomam conta do espaço. (Foto: divulgação)

Dia 1

A Lapinha fica a menos de duas horas de carro de Curitiba. No trecho final do caminho, já dá para sentir os ares mudando: muitas árvores e os bois pastando tranquilos. Depois de uma curva à direita, para uma estrada de chão, visualizamos a placa do spa. Na entrada, a vista para os campos de milho já colhidos. O portão abre lento, como seria o ritmo dos próximos dias. Nada além do som dos pássaros – e silêncio.

A principal mudança ao chegar no espaço é esta: o ritmo. Com a pressa comum da cidade e a ansiedade de tempos difíceis, é impactante chegar em um local em que há tempo para conversa, para descanso e para o nada. Penso em como as pessoas estão comprometidas consigo mesmas para topar um momento de desconexão, horários definidos e nova alimentação. É impressionante, mas a resistência à mudança de hábitos nos afastam até das coisas que são boas para nossa vida. 

O home office me trouxe hábitos ruins, como o de almoçar assistindo. No primeiro dia, sem distrações com TV ou celular, alterno entre dois momentos: ansiedade para terminar logo de comer e a percepção de que estou ansiosa e preciso comer devagar. Tento prestar atenção na mastigação — e nem lembrava a última vez que havia feito isso.

“Começamos pela salada crua, que faz com que tenhamos que mastigar bastante, o que traz para nosso cérebro a sensação de saciedade e também diminui a resposta de estresse”, conta a médica Regina. “Muitas questões relacionadas à digestão, como azia, começam porque não mastigamos direito; comemos rápido e não prestamos atenção na comida.”

No jantar é o contrário: nada cru. “Tudo que é cru é mais difícil para a digestão. Essa alimentação bem leve é para o corpo ter o tempo do descanso da digestão”, explica. O ambiente também transmite serenidade, sempre ao som de música clássica durante a refeição. Cada hóspede ganha uma dieta personalizada, de acordo com a consulta médica realizada na chegada. Por sorte, ganhei a opção de receber uma fruta cozida antes de dormir – ou seja, às 21h, no máximo. Às 22h30 o Wi-Fi é desligado para que os hóspedes tenham uma boa qualidade de sono.

Dia 2

Se eu puder te guiar por essa experiência pelo olfato, te digo que tudo tem cheiro de natureza. O gel do spa é de capim limão e o xampu, de óleos essenciais de lavanda, lemongrass e palmarosa. Em todos os aspectos, a ideia é aproximar as pessoas do que é natural.

“Tudo é informação para o nosso corpo, não só a alimentação, mas até os cosméticos. É fácil vermos esses comportamentos no bebê, mas nós funcionamos do mesmo jeito, só a manifestação é diferente”, ressalta Regina.

O princípio do mindfulness, que ganhou milhões de adeptos, parece bem simples: estar com atenção plena no presente. Mas não demora para percebermos o tamanho do desafio, já que tendemos a estar no passado, com nostalgia ou lamentações, ou no futuro, com ansiedade e preocupações ainda inexistentes. Quando fomos meditar na floresta, em meio às imbuias milenares, qualquer som e movimento eram um prato cheio para a mente ir a outros lugares. 

As diversas atividades realizadas ao longo da semana buscam trazer novas ferramentas para encarar a vida de forma mais holística. Há palestras todas as noites sobre saúde e bem-estar. Durante o dia, atividades como produção de mudas de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) e temperos, aula de compostagem e de preparação de chás.

“Queremos dar essas dicas de bem-estar e saúde para que a pessoa leve para casa e integre ao seu estilo de vida produzindo efeitos de longo prazo”, conta o CEO. A espiritualidade também é importante para entender as dimensões de cada indivíduo. “O que dá sentido para a vida? É fundamental entender qual é o propósito de estar aqui, e a espiritualidade traz isso”, acrescenta.

Os chás acompanham o cronograma – há um tipo para cada momento do dia. “Costumam dizer que o chá é uma vassourinha que passa limpando nosso intestino, o estômago e todo o trato digestivo”, pontua Regina. “Também usamos o chá como um método terapêutico. À noite, temos o chá para trazer a sensação de calma, de relaxamento”.

Seja nas caminhadas após o almoço, nas meditações noturnas ou nos momentos em volta da fogueira, o lago é o pano de fundo ideal. (Foto: divulgação)

Dia 3

O restaurante é o espaço revelador onde finalmente é possível ver o rosto completo das pessoas com quem cruzamos nas atividades. Mesmo que de longe, com 2,3m de distância e com a brisa das janelas abertas. É, também, um dos momentos mais esperados da rotina: é ali que você vai descobrir qual será sua comida do dia.

Aos sábados, é dia do prato mais aguardado: a feijoada vegetariana. “Temos uma alimentação com pouco sal, sem aditivos artificiais e sem carne. Nossa proposta é oferecer uma alimentação saborosa além de nutritiva. Quebramos o preconceito de que comida de dieta tem que ser sem graça, sem cor e monótona”, conta a nutricionista do spa Marcieli Pereira Bandeira.

Todos os alimentos são cultivados no espaço de 550 hectares, que tem horta, padaria, galinheiros e vacas leiteiras. Na contramão do que tem sido visto no Brasil no último ano, com a aprovação de 493 novos agrotóxicos, todo o cultivo na Lapinha é orgânico e em solo livre de pesticidas e agrotóxicos. 

Na horta, prezam pela diversidade de espécies e deixam espaço para vegetação espontânea.

“É a promoção do equilíbrio e da biodiversidade, isso dá sustentabilidade. Mantemos uma comunidade de plantas interagindo, em que uma ajuda a outra. Temos uma incidência menor de pragas por isso”, reforça Fernando De Nadal, gerente comercial da Fazenda Margarida, marca lançada no último ano para venda dos produtos orgânicos.

As galinhas e vacas são criadas com o ideal de bem-estar animal, soltas para que possam desenvolver suas próprias características.

Dia 4

Não são só os hóspedes que veem suas vidas mudarem aqui dentro – os funcionários também. Os mais “jovens”, que chegaram a menos de 10 anos, convivem com uma geração que já passou décadas cuidando do espaço. Seu Zé, apelido de José Francisco de Paula Silva, passou 46 dos seus 69 anos trabalhando na Lapinha. Foi chamado para construir as cercas da propriedade diretamente por dona Margarida.

De lá para cá, casou e viu suas duas filhas nascerem neste terreno. Observou, também, o crescimento das outras meninas dos seus olhos: as milhares de árvores que plantou e as outras milhares que cuida.

A horta de verduras e legumes orgânicos é a base da alimentação do spa, além de pertencer a uma marca própria, a Fazenda Margarida. (Foto: divulgação)

“No mínimo, acho que plantei mais de duas mil árvores. Só na minha casa plantei cinco mil pés de eucalipto, fora as laranjeiras, tulhas, pés de pêra, abacate, bananeiras”, conta.  

Foi Seu Zé, hoje coordenador de jardinagem e cuidados florestais da Lapinha, que criou a Trilha das Imbuias, um passeio dentro da mata, considerada Reserva Particular do Patrimônio Natural, para conhecer as árvores milenares.

“É uma floresta ombrófila mista, com uma grande variedade de plantas, principalmente a araucária e a imbuia, além do cedro rosa, que faz parte do nosso bioma”, conta, apontando para cada uma delas como se falasse de conhecidos de longa data.

Depois de muitos suspiros encantados com a beleza da natureza intocada, a caminhada termina com a fragrância da folha de sassafrás, que têm seu óleo usado para fins diversos – “até como combustível para propulsão de foguetes”, ressalta.

É difícil imaginar uma pessoa tão apaixonada por seu ofício fazendo outra coisa. Mas José já teve várias outras ideias, pensou até em ser piloto de avião quando viu um deles sobrevoando os céus. “Existe um ditado muito antigo que aprendi: ‘nada é mais difícil do que a tarefa realizada de má vontade’. Eu sou feliz em tudo que faço, faço de boa vontade”, reitera. “Plantar ou trabalhar com o jardim, acho muito bonito. A planta a gente vê crescer, vê ela dar os primeiros frutos e flores. A pessoa pode estar um pouco aborrecida, mas começa a olhar as flores e a ideia dela se transforma.”

Dia 5

Acordar às 6h para caminhar 10 quilômetros – com a subida de um morro incluída no pacote – é algo que não imaginaria na minha vida há uma semana. Não pela falta de vontade, mas pela descrença na minha capacidade de completar esse desafio. Foi o que ouvi, também, da Rosane Bonelli, engenheira de petróleo, e minha companheira de superação naquela manhã. Ambas chegamos ao topo do Morro da Peruca e fizemos todo o caminho de volta – sãs, salvas e, claro, ofegantes. 

O trajeto é cansativo, mas a vista compensa. O que é uma boa analogia ao que acontece na Lapinha: é difícil deixar hábitos de anos para trás, mas ao perceber o sono melhor, menos cansaço, mais energia e o corpo funcionando em seu melhor potencial, o esforço compensa. Uma semana depois de voltar para o Rio de Janeiro, Rosane ainda estava com a certeza que ia continuar com a nova rotina.

“Estava com medo, mas emagreci 12 quilos, além de ter parado com refrigerantes e açúcar em geral, e ter começado a caminhar diariamente”, compartilha.

A experiência do spa tem muito a ver com essa ideia, a de que podemos mais do que acreditamos. Seu pai, Rosane me contou, havia chegado no spa sem conseguir andar sozinho. Uma semana depois estava dando quatro voltas ao redor da quadra de tênis sem nenhuma ajuda – o “filé mignon” da caminhada, ele me disse em outra conversa, rindo.

(Foto: divulgação)

E não é só sobre o corpo, mas especialmente sobre a mente – uma distinção cartesiana que, aliás, tem sido questionada. A modelo Mariana Becker Bonetti, 25, pegou um avião de São Paulo para cá após se ver, durante a pandemia, com crises de ansiedade e compulsão alimentar. Foi sua segunda estadia. Na primeira veio apenas para emagrecer, “mas percebi que era muito além, era sobre encontrar o equilíbrio biológico, a espiritualidade“, revela.

Em duas semanas, conseguiu retomar a rotina e dar valor às pequenas coisas. “Já me sinto de volta, no controle do meu corpo, da minha mente, das minhas vontades, me sinto completamente mudada”. Foi importante, também, para encarar de forma saudável sua profissão, que envolve forte pressão estética. Ela conta:

“Estou começando a criar essa mentalidade de que sou única – e todo mundo é único. Quando a gente se aceita, o mundo também aceita. Vim pra cá com essa proposta de voltar a me aceitar e voltar a gostar de mim. A beleza não é só externa, para estar bonita precisa estar saudável e bem.”

Dia 6

Aqui, todos sabem seu nome, mesmo antes de você ser apresentada. Sabem também de onde está vindo e para qual atividade vai. Sua mesa é exclusiva para você. É claro que outros hotéis se preocupam com hospitalidade — mas para Heloise Marlangeon, 47, essa experiência é ainda mais especial. “O que encanta é o cuidado, o acolhimento. O cuidado que eles têm com você como ser humano, não só como hóspede. Tem muita gente que vem para cá porque precisa desse carinho”, conta a arquiteta em sua sétima visita à Lapinha.

Compartilho da opinião sobre o carinho, mas pontuo que a experiência precisa ser personificada: Sandra, Abelardo, Raphael, May, Dieter, Fernando, José e todas as pessoas que trabalham para construir um ambiente não só de conexão com a natureza, mas entre seres humanos.

“A gente já encontrou famosos e artistas, já caminhamos com a Débora Bloch, conversamos sobre várias coisas, é uma pessoa normal, igual a você”, reflete Heloise. E certamente estaremos todos de roupão ou roupa de ginástica – como todos os dias.

3 Hotspots do Lapinha Spa

O cardápio de massagens é variado. Em algumas, o hóspede aproveita a vista do jardim em um bangalô de vidro. 

(Foto: divulgação)

A piscina com borda infinita, disputada pelos hóspedes no verão, é a moldura para o pôr do sol atrás das montanhas próximas.

(Foto: divulgação)

A área da clínica oferece de tratamentos médicos a massagens e serviços de salão de beleza.

(Foto: divulgação)

 

*Matéria originalmente publicada na edição #249 da revista TOPVIEW.

Deixe um comentário