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Metamorfoses do educar

O ensino-aprendizagem está em constante transformação. Portanto, a necessidade da colaboração entre família e a escola na educação das crianças está ainda mais explícita

De maneira bastante informal, no Egito Antigo, a educação, mesmo sendo valorizada, era responsabilidade dos pais. Dessa forma, os responsáveis pelas crianças as instruíam desde cedo a seguirem a mesma profissão que eles. Portanto, apenas filhos de famílias ricas podiam ir à escola – tudo com o objetivo de que, futuramente, desempenhassem papéis políticos no governo ou se transformassem em escribas, classe de notório destaque na época, responsável pela arte da escrita.

Contudo, ao longo da história, a educação se transformou – e continua até hoje se metamorfoseando. Contrapondo o senso comum de que educar é papel exclusivo da escola, hoje, é cada vez mais disseminada a necessidade da participação da família no processo de aprendizagem de crianças e adolescentes. “No dia a dia de nossas escolas, percebemos as dificuldades dos alunos. Percebemos que são fatores cognitivos, psicológicos, afetivos e, aí, enxergamos a importância dessa parceria. Afinal, é no meio familiar em que podemos investigar e contribuir para que haja aprendizagem”, explica Ivaneide Mourão, especialista em Coordenação Pedagógica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Inclusive, não são apenas os profissionais da educação que destacam a importância – e também o dever – da colaboração da família na formação de indivíduos. Na Constituição Federal de 1988, o artigo 227 afirma que é obrigação da família, da sociedade e do Estado oferecer à criança o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária e, principalmente, à educação.

Contudo, há diferentes vertentes entre a formação nos âmbitos familiar e escolar. Segundo Marileide Mantovani, coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Colégio Amplação, em Curitiba, é preciso que ambos os lados criem um elo efetivo de comunicação. E isso, principalmente, porque a família já possui suas doutrinas e sua própria história.

“Quando chegamos ao ambiente escolar, deparamo-nos com uma diversidade muito grande de famílias. Juntos, temos que nos ajustar para que possamos falar em uma mesma linguagem”, explica Marileide, acrescentando que, dessa forma, a família leva às crianças as suas crenças e, a escola, os saberes quanto a um cidadão coletivo, inserido na sociedade. Para ela, é natural que haja divergências, mas cabe à instituição se alinhar à família, a fim de buscar o que é melhor para a formação do jovem, tanto quanto aprendizagem no socioemocional.

Portanto, como instituição, as escolas têm o dever de levar para a formação da criança questões além do ensino-aprendizagem, como o contexto de uma sociedade, da democracia e, também, da inclusão. No âmbito familiar, de acordo com Marileide, a educação é focada em autoridade, com seus ideais, de forma mais íntima. Ao chegar à escola, portanto, o aluno faz uma transição da vida privada para a coletiva, deparando-se com experiências de desigualdades.

“O ambiente escolar é um espaço de socialização bem diferente do familiar, porque, além de constituirmos conhecimento, também temos que desenvolver os valores sociais no coletivo. Como, por exemplo, conviver com as relações, com a socialização, com a diversidade, com as regras”, explica a coordenadora pedagógica do Colégio Amplação.

Ivaneide, por sua vez, elucida que, quando os responsáveis percebem que sua contribuição é de fundamental importância, mesmo que seja só para conversar com seus filhos quando não é possível instruí-los em suas atividades escolares, começam a perceber um melhor desenvolvimento nas crianças. “Para que ocorra essa consciência, é necessário que haja políticas públicas mais eficazes que possam conscientizar a sociedade, no geral, que o papel da família é fundamental nesse processo”, conclui.

Cena de família de Adolfo Augusto Pinto. Almeida Júnior, 1891.

Do nascer ao pôr do sol

As modalidades que garantem a eficácia do ensino-aprendizagem com a participação família-escola nesse processo também são tópicos de discussão importantes a serem repercutidos. No Brasil, por exemplo, o ensino integral foi uma transformação que mudou o rumo da educação: é possível identificar seu embrião na década de 1920.

Nesse período, coexistiram movimentos, tendências e correntes políticas que defendiam o formato. No entanto, as experiências de escola em tempo integral só aconteceram em 1950, com a implantação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), na Bahia. Já em 2019, 69 anos depois, 5,2 milhões de alunos estavam matriculados nessa categoria na Educação Básica da rede pública, de acordo com dados do Ministério da Educação (MEC).

“Nessa modalidade, temos mais tempo para trabalhar conceitos, critérios e outras situações dentro da própria educação. Muito do que gostaríamos de trabalhar e não conseguimos no período regular fazemos no integral, com essa ampliação de jornada”, explica Monalisa Serpe, coordenadora da educação integral da Secretaria da Educação e do Esporte (Seed) do Paraná.

Na rede estadual de escolas, a Seed é responsável pela implementação do programa Paraná Integral, que, de 2020 para 2021, foi ampliado de 17 instituições de ensino para 34, localizadas em 27 municípios paranaenses. “O ponto central de todo o trabalho é o projeto de vida. Temos os clubes de protagonismo, em que os próprios estudantes realizam atividades entre eles. Eles mesmos lideram, organizam e executam”, explica Monalisa, que reitera: “É muito além da expansão de tempo. O aluno vai literalmente para uma educação integral enquanto ser humano.”

Monica Jonsson, gestora do Colégio Bom Jesus Água Verde, acredita que, ao pensarmos em uma criança matriculada nessa categoria, a palavra mais importante, no fim das contas, é, literalmente, “integral”. “Ela fica conosco dez horas por dia. Fica mais conosco do que com a própria família, então, nossa relação com essas crianças é de uma intimidade maior. Observamos-las no café da manhã, durante o almoço, temos muitas informações importantes sobre esses alunos”, conta Monica.

Com os filhos Caio e Igor Ferreira, de oito e seis anos de idade respectivamente, matriculados na modalidade desde o início da vida escolar, Keli Ferreira e Marcelo Forquevitz acreditam que um dos principais benefícios para os estudantes é justamente o amparo que eles recebem na escola. “Isso em relação ao reforço escolar, as tarefas e, também, as atividades complementares como judô e natação. Sem falar, claro, da interação com os amigos: o rendimento e o aprendizado nitidamente ficam mais fortes”, argumenta Keli.

Marcelo complementa que, quando pais de alunos que cursam meio período os matriculam em atividades esportivas no contra turno, não é tão interessante quanto o que acontece no integral. “Nessa modalidade, todas as crianças participam. Não apenas as que os pais querem. Isso se torna algo que é feito por todos os que estão lá. Atividades físicas, culturais, artísticas, teatro. Tudo o que já é feito muito comumente em diversos países”, argumenta.

Com a pandemia de Covid-19, portanto, ficou evidente para a sociedade a verdadeira dificuldade de se trabalhar questões escolares em casa. “Antes, todo mundo achava que dava conta de ensinar. Hoje, contudo, percebem que o papel da escola não é substituído tão facilmente assim”, reitera Monalisa Serpe. Monica Jonsson acrescenta que o fato das crianças terem ficado um ano inteiro dentro de casa trouxe ainda mais necessidade de convivência e socialização.

“Percebemos que as famílias não viam a hora de levar as crianças novamente para a escola. A instituição estava sendo muito pouco valorizada ao longo dos anos e voltamos a ter um determinado valor que há tempos não enxergávamos. Ouvimos ‘Como vocês conseguem que ele preste atenção?’ A partir disso, vejo que muitos pais podem, sim, optar pela troca da modalidade regular para a integral”, revela Monica.

Writing boy with little sister. Albert Anker, 1875.

Ensino a distância

Entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na Educação Básica e Superior no Brasil, 19,5 milhões tiveram as aulas suspensas devido à pandemia de Covid-19. Enquanto isso, 32,4 milhões de alunos passaram a ter aulas remotas, segundo uma pesquisa do Instituto DataSenado sobre a educação durante a crise sanitária mundial. Nesse período, portanto, a educação, assim como diversos outros setores essenciais, precisou se adaptar para continuar formando e qualificando cidadãos.

O Ensino à distância (EAD), de acordo com o decreto nº 9.057, criado em maio de 2017, é aquele que tem a participação interativa entre várias pessoas – alunos e professores – por meio de recursos educacionais que podem, também, ser via internet. Nuria Pons Vilardell Camas, professora da UFPR especialista na modalidade, afirma que, no Brasil, não é descartado o Ensino a Distância também por meio de ondas de rádio e impresso. “Nós precisamos pensar na imensidão do nosso país. O EAD pode ser tudo, menos distante. Isso significa que a única coisa que não pode faltar é a interação e a comunicação perfeita entre os pares da educação, alunos com alunos, professor com alunos”, explica a professora.

No ano passado, no Senac Paraná, houve um aumento de 100% no número de matrículas em cursos a distância em relação a 2019. Sara Cristina Koch Santos, analista da Coordenadoria de EAD da instituição, explica que, na modalidade, há bastante flexibilidade de tempo e, por isso, é possível estudar nos melhores momentos e espaços. Ela orienta: “É importante escolher bem a instituição, procurando aquelas que tenham reconhecimento e solidez no mercado. Dessa forma, você tem mais garantia de que o curso será de qualidade e que terá apoio de tutores e de uma equipe para auxiliar em caso de dúvidas e dificuldades.”

Contudo, Nuria Camas entende que a pandemia alertou quanto às possibilidades de utilizar o que estava à mão e não era explorado. “Com dificuldade, os professores se aventuravam nos meios digitais, mas, até pouco tempo atrás, não podiam dizer ‘Vamos utilizar esse aplicativo’, afinal, a lei, em alguns estados, não permitia o uso de celular dentro de sala de aula. Portanto, a pandemia evidenciou a precariedade daquilo que entendemos como tecnologia e educação”, argumenta. Nesse momento, de acordo com a especialista, todo mundo precisou utilizar algo – o que não significa que tenha sido feito da melhor maneira, com os melhores recursos e com a formação necessária dos professores e famílias.

Bruna Cristine Dias, estudante de Odontologia, pôde enxergar de perto a dificuldade que, em muitos casos, acompanha o EAD, principalmente pela impossibilidade de determinadas disciplinas serem ministradas por meio da modalidade. A universitária iniciou o curso em agosto de 2017 e, em março de 2020, as aulas foram suspensas, sem previsão de retorno. Cinco meses depois, em agosto, algumas aulas com caráter teórico começaram a ser oferecidas de forma remota – porém, nenhuma para o seu período.

“Apenas a partir de janeiro, no segundo ciclo de turmas EAD disponibilizadas, pude cursar algumas disciplinas. Em ocasiões normais, seriam disciplinas com teoria e prática, mas foram transformadas em aulas teóricas. As que precisamos sem exceção fazer a prática, como Cirurgia, não estamos cursando”, explica Bruna. Essas cadeiras, que exigem a presença dos alunos na universidade, só serão ministradas quando houver a volta do ensino presencial. Bruna, que se formaria em dezembro de 2021, só poderá finalizar o curso dois anos após o retorno das aulas.

Nuria Camas, portanto, acredita que o que não pode acontecer, na verdade, é fazer de forma online o que já é normalmente feito no presencial. “Mesmo ali já temos que repensar o espaço. Virtualmente, então, eu não posso apenas reproduzir. Preciso criar um ambiente em que meu aluno tenha um encontro visual comigo, mas também um encontro virtual com as atividades de aprendizagem”, conclui a especialista.

De aniversário do professor (Teacher’s Birthday). Norman Rockwell, 1956.

A educação ao longo da história

Pré-História
Aprendizado concentrado nas necessidades do momento, focadas em atividades de sobrevivência, como a caça e a pesca.

Grécia e Roma antigas
O aprendizado ajudava os estudantes a se prepararem para a vida política, que era o grande mote das sociedades greco-romanas.

Idade Média
A escola deixa de ser focada no ensino de habilidades políticas e passa a ter forte influência da Igreja Católica.

Iluminismo
Pessoas de diversas camadas da sociedade ganham status de cidadãs e passam a ter acesso à escola, democratizando o conhecimento.

Revolução Industrial
A configuração com alunos enfileirados é um resquício dessa época, quando o formato de fábrica passou a ser replicado pelas instituições.

Era da informação
Instituições de ensino passaram gradualmente a adotar laboratórios de informática.

Educação 4.0
Métodos valorizam o plano virtual, a experimentação, a prática, a colaboração e a interdisciplinaridade ganham destaque.

Para saber mais

DOCUMENTÁRIO

Quando sinto já sei
Aborda práticas educacionais inovadoras pelo Brasil

*Matéria originalmente publicada na edição #251 da revista TOPVIEW.

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