Semana de Moda de Paris: “edição de 2021 reflete a sociedade pós-pandemia em seus desfiles”, diz especialista
A pandemia não acabou e continua afetando o acontecimento de grandes eventos, mesmo em 2021. A super tradicional Semana de Moda de Paris, que acontece na capital francesa, neste ano, conta com a transmissão de desfiles pela internet entre os dias 25 e 28. Na Alta Costura, isso causa mais impacto do que parece. É o que conta Mariana de Moraes, fashion specialist e designer de moda.
“O impacto da pandemia na moda é evidente, e em Paris, isso é ainda mais forte. A Alta Costura ou Haute Couture, é um termo específico para falar de peças femininas únicas, feitas somente em Paris, à mão e sob medida, por costureiros e estilistas das grandes maisons, como se denominam as principais marcas, como Chanel e Louis Vuitton”, explica.
“Na cidade, existe inclusive o Chambre Syndicale de La Haute Couture, órgão que regula e define quem são os estilistas que realmente fazem alta costura.”
Os desfiles presenciais, eventos importantíssimos no calendário de quem atua e acompanha o mercado da moda, foram substituídos pelas transmissões online desde quando a pandemia começou, em 2020. Com a segunda onda de transmissão da covid-19 se alastrando, as autoridades da capital francesa consideraram que um evento sem público presencial seria a opção mais segura para todos os profissionais envolvidos.
Sendo assim, não só as celebridades, mídia especializada e convidados ilustres puderam acompanhar as novidades que os grandes nomes da Alta Costura fizeram, mas também o público comum, principalmente por meio das redes sociais.
“A Alta Costura sempre habitou o imaginário das pessoas por não ser muito acessível, já que trabalha para um público muito seleto e de alto poder aquisitivo de cerca de 4.000 clientes. As peças são exclusivas, ganham um status de peça artística mesmo. Então democratizar esse acesso por meio do digital foi uma ação importante”, reflete.
“E a Semana de Moda de Paris dita referências para o mercado da moda como um todo, principalmente quando a gente fala de modelagem, de paleta de cores, em especial porque trabalha muito com a ideia de concretizar sonhos, explorar possibilidades e exaltar a criatividade.”
Para Mariana, acompanhar o desfile de forma remota não é a mesma experiência de ver as peças ao vivo, independentemente do tipo de público. Nesse contexto de experiência sensorial reduzida, as marcas precisam apostar na sua essência e identidade, segundo ela.
“A visualização das peças não é a mesma, no que diz respeito ao movimento, à precisão dos tons e do tipo de tecido, por exemplo. Até a trilha sonora do desfile, quando a gente assiste pessoalmente, nos passa outras sensações. É aí que a gente vê como essas marcas, que são centenárias, podem se reinventar e nos surpreender.”
É o caso da Dior, uma das casas de moda mais tradicionais de Paris e do mundo. “Essas marcas captam os anseios das pessoas e usam isso de forma muito efetiva. No ano passado, a Dior apresentou no desfile de julho um mundo encantado de ninfas e sereias”, relembra. “Já em 2021, a gente vê a direção criativa da Maria Grazia Chiuri evocando o cenário de incertezas, provocadas pela pandemia, através do tarot.”
Os elementos esotéricos, representados no baralho do tarot, são inspirações diretas na coleção. As cartas do baralho foram representadas em peças, como Imperatriz, Justiça, Diabo, Sacerdotisa e Louco.
“Elas vieram em tecidos nobres e aplicados em tapeçarias, como o jacquard. Tem a renda, o tule também. Christian Dior era uma pessoa com muitas referências místicas e eles conseguiram trazer esses elementos esotéricos para a Alta Costura, sem deixar de lado a questão do luxo.”
É possível traduzir na escolha da temática a tendência do “escapismo”. O desfile traduz a vontade de voltar a um passado distante, quando os problemas de um mundo globalizado não existiam. “Nesse anseio, eles investiram em tons de dourado, verde musgo, azul claro, acinzentado e uma cartela de cores focada nesse clima medieval”, aponta a especialista.
“Desfiles como este me lembram que a alta costura é o que aproxima ao máximo a moda da arte”, aponta. “Foi um desfile emocionante e que faz você ser transportada para outro universo. É esse poder de fazer com que as pessoas sonhem que torna a moda uma área tão linda.”
Já a marca Valentino decidiu seguir pelo caminho oposto e se inspirar no mundo real. A proposta foi transformar itens casuais, como bermudas e casacos, em itens luxuosos e típicos da Alta Costura. “As bermudas são apresentadas com leituras maximalistas, aspectos que lembram a estrutura de saia em um estilo genderless – sem gênero, por exemplo”, comenta.
As peças, no geral, são excessivamente volumosas para acompanhar as novas tendências comportamentais da pós-pandemia. Hoje, a roupa é mais do que simples estética; ela também serve como proteção.
“Por isso, o tricô ganhou força nesse desfile. O oversized está com tudo! As peças volumosas, que já são grande destaque da Valentino, desta vez estão muito maiores e espaçosas. Essa marca também é referência de feminilidade, então as saias vêm super plissadas e amplas, os vestidos estão muito estruturados.”
Mariana de Moraes também destaca outros pontos altos do desfile da Valentino, como o uso de paetês, aplicações de acessórios e uma maior diversidade de cores e formas. “Eu acredito que o ser humano é esse contraponto. Ao mesmo tempo que ele quer se proteger, ele vive buscando diferenciação em relação ao próximo”, diz.
“No fim, o desfile causa uma ruptura porque traz uma pegada mais casual para um ambiente muito sofisticado. É muito recente a Alta Costura levar em consideração o conforto, por exemplo, para a confecção das peças. Mesmo assim, oferecer um trabalho impecável e esses itens de diferenciação fizeram com que esse desfile se tornasse um dos meus favoritos, junto com o da Dior.”
Os dois desfiles, em sua opinião, apesar de trazerem propostas praticamente opostas, pensaram em suas coleções a partir da mesma premissa: o comportamento da sociedade. Mariana aposta que a tendência para as próximas coleções é que elas se desprendam do glamour das festas de gala e se aproximem de um público mais diverso. Com a Alta Costura no digital, todos podem acompanhar o processo criativo das marcas, o que faz com que elas precisem se reinventar em seus produtos.
“Antes, a Alta Costura era muito mais voltada para salões de baile e festas de alto padrão, e hoje a gente percebe um reposicionamento das maisons. A tendência é se distanciar um pouco desse glamour dos ateliês para se tornar algo com uma compreensão de moda mais fácil, e isso também se traduz em peças mais descoladas e underground”, completa.