Volta às aulas: como está a saúde mental das crianças?
Um novo estudo da FGV Social no Brasil revelou que, em 2020, houve o maior aumento de evasão escolar entre as crianças em fase de alfabetização (5 a 9 anos). Antes da pandemia, o número atingia 1,41%, e subiu para 5,51% em 2020. Após dois anos, mesmo com a reabertura de muitas escolas já em 2021, a evasão se mantém em níveis bem acima da média, em 4,45%.
Para este ano as escolas prepararam a volta às aulas de forma presencialmente. As crianças, que foram as mais afetadas, agora respiram novos ares no retorno. A TOPVIEW conversou com a psicoterapeuta e mestre em educação Áurea Spricigo Siqueira, para descobrir como esse momento afeta a saúde dos pequenos, e o que elas estão sentindo.
O período de pandemia ocasionou diversos conflitos tanto no âmbito social quanto educacional das crianças, e a solidão se tornou um sentimento frequente no dia-a-dia dos estudantes. Dessa forma, o comportamento foi afetado, gerando prejuízos no processo de socialização e divisão de experiências.
“As crianças passaram a demonstrar pouca motivação para assistir e participar das aulas, dificuldade para prestar atenção, bem como para interagir com os colegas e estabelecer relações seguras e saudáveis com seus pares. Somado a isso, as dificuldades de cunho emocional se evidenciaram pela manifestação da ansiedade, por estarem imersas em uma realidade atípica e incerta, em que a dificuldade para dormir e a preocupação frequente com a saúde dos familiares tomou forma, ocasionando uma redução no sentimento de prazer. Afinal, grande parte das atividades que traziam realização pessoal para elas foram interrompidas sem previsão de retorno, restringindo ainda mais as possibilidades de se sentirem bem e externalizarem suas emoções.”, afirma a psicóloga.
O período em casa aproximou muitas famílias, que passaram a observar mais seus membros, suas dores e as dificuldades. “Os pais começaram a assistir as aulas junto com os pequenos para elucidar dúvidas, outros sentiram necessidade de desenvolver atividades lúdicas para se relacionar mais ativamente com os filhos.”, acrescenta Áurea.
A verdade é que cada família fez o possível dentro da realidade para proporcionar momentos de alegria, e, como resultado, pais ficaram mais conectados com seus filhos. Inclusive, nesse momento, muitos perceberam que a terapia poderia ser uma aliada à saúde dos pequenos.
O retorno da presencialidade
Após dois anos, voltar para a escola de maneira presencial envolve muito mais que do a vontade das crianças.
“Há crianças que se queixam do ensino na modalidade online e anseiam para o retorno presencial, pois é um momento de retomar interações, explorar o espaço físico da escola e desenvolver um novo vínculo com a aprendizagem. No entanto, o ensino remoto e a pandemia acabaram impactando a confiança das crianças e, por isso, também existem aquelas que têm receio de voltar para a escola, seja porque estão apresentando um quadro de ansiedade social, por não saberem como agir diante dos colegas, por medo do vírus, ou por medo de não conseguirem acompanhar o conteúdo.”, diz a mestre em educação.
O vai-não-vai das aulas presenciais gerou mais insegurança e ansiedade nos estudantes. “Os pais têm procurado psicólogas para auxiliar nessa transição entre casa e escola, justamente pela dificuldade em saber como incentivar o filho a retornar, ou para avaliar se ele está preparado para ser reinserido a esse contexto.”
O retorno da presencialidade já tem mostrado alterações no comportamento, e o modo de lidar com a pandemia influenciou totalmente essa volta e o desenvolvimento socioemocional dos pequenos.
“Algumas crianças indicaram redução no nível de estresse e ansiedade ao retornarem para as aulas presenciais, porque essa mudança de ambiente possibilitou que tenham colegas para brincar e conversar, espaço adequado para movimentar o corpo, momentos de escuta para expressar o que estão pensando e sentindo, explorar o ambiente da escola, estimular a criatividade e principalmente ressocializar. No entanto, esse retorno também passou por adaptações e limitações, que demandam paciência e colaboração por parte das crianças e dos pais.”, conclui Áurea.
Escolarização durante a pandemia
Existem ainda aquelas crianças que iniciaram a escolarização durante o período de pandemia, e essa tem sido uma discussão em fóruns compostos por psicólogas e pedagogas. “As crianças que iniciaram a escolarização durante a pandemia podem apresentar tendência a brincar de maneira isolada, dificuldade para compartilhar brinquedos ou conviver em grupo,”.
Apesar das escolas e os professores terem se dedicado para proporcionar uma boa aprendizagem remota, o ensino a distância revelou limitações que podem ter impactado no desenvolvimento da alfabetização, da consciência fonológica, da associação de grafema e fonema e de outras habilidades.