PODER POLíTICA & ECONOMIA

Com poucos limões, uma doce limonada

Mesmo com o país em crise sanitária e econômica, a construção civil cresceu no último ano e surpreendeu especialistas

Uma limonada com todos os limões que estavam disponíveis no momento. Foi assim que a construção civil lidou com a crise. O ditado popular já dizia: “se a vida te der limões, faça uma limonada.” Mas o quanto isso é aplicável a um momento de crise, em que há pouca esperança num cenário mundial? Foi exatamente por isso que a sociedade passou com a descoberta do novo coronavírus. Enfrentar um vírus desconhecido, ser obrigado a mudar sua rotina, ficar trancafiado dentro da própria casa para proteger a si e as pessoas queridas.

A pandemia não se limitou apenas a ser um problema de saúde, mas ultrapassou diversas áreas. No momento em que tudo eclodiu, falava-se muito em moradia, já que as pessoas começaram a passar muito tempo dentro das próprias casas. Daí a oportunidade. Apesar do declínio na economia brasileira, o setor da construção civil, com foco no imobiliário, cresceu durante a pandemia.

É… a vida deu limões e a construção civil fez uma limonada, e das boas. Mas, afinal, o que é construção civil?

(Foto: shutterstock)

O nome foi originado na engenharia, que, antigamente, era dividida entre duas áreas: civil e militar. Quando não era uma construção militar, a obra comumente era chamada de “construção civil”. O nome ficou até os dias atuais, representando um setor importante para a sociedade e também para a economia do país. Ele é responsável por todas as atividades de produção de obras. Ou seja, em seu escopo, estão túneis, ferrovias, edifícios e, dentre tantas, a moradia” por “claro, a moradia.

A construção de moradias é um mundo à parte e sofre influência da economia nacional e mundial e de movimentações políticas. Nesse cenário, é possível traçar uma linha do tempo de acontecimentos importantes do Brasil analisando a economia. Assim, os movimentos da construção civil voltado, também, ao setor imobiliário.

E, quando falamos sobre construção civil, é impossível não citar a grande crise imobiliária nos Estados Unidos de 2008. Após passarem pelo traumático atentado de 11 de Setembro, os EUA queriam estimular a economia e o Banco Central Americano reduziu as taxas básicas de juros, a fim de que o dinheiro fluísse para a economia real. Com essa medida, o país começou a crescer, ano após ano.

Um dos setores que se beneficiou do momento foi o imobiliário, fortalecido pelas hipotecas, ou seja, empréstimos de imóveis, que eram colocados como garantia. Caso os moradores não pagassem, os credores podiam tomá-los. No entanto, o sonho da casa própria foi se perdendo quando muitas dessas pessoas não conseguiram arcar com as parcelas e os calotes começaram a sair do controle. Com isso, muitas casas foram postas à venda ao mesmo tempo e o valor dos imóveis caiu, fazendo com que a bolha estourasse.

(Foto: shutterstock)

No Brasil, os efeitos da crise americana demoraram a chegar. Segundo o economista Pio Martins, o sistema financeiro brasileiro era pouco integrado ao mundo e, por isso, não houve um efeito instantâneo. “Isso deu margem ao governo e, em 2010, houve um crescimento do PIB. Em parte, ele tinha razão, a crise não afetou o Brasil diretamente. Mas, depois, o país foi afetado de maneira indireta, com o comércio exterior”, conta.

Em 2011, se comparado a 2010, houve um incremento de 42% no volume de financiamento para construção e compra de imóveis, somando R$ 79,9 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

O empreendimento Vigo fica localizado próximo a Praça da Espanha, em Curitiba.

Com baixo desemprego, crescimento de renda e baixa inadimplência, a economia continuou crescente – e o setor imobiliário também. Em 2012, houve uma alta de 3,6% nos financiamentos imobiliários e, em 2013, os números bateram recorde. Foram financiados 529,8 mil imóveis.

“Com a reeleição, a presidente Dilma Rousseff precisava dar sinais e, nada melhor do que atender o povo para isso. Um exemplo disso foi o FIES e os programas governamentais que financiaram a construção civil”, afirma o economista.

Porém, em 2015, puxado por um enfraquecimento na economia nacional, sucedeu-se um agravamento na situação do mercado imobiliário brasileiro, sem contar as incertezas políticas do momento. Houve uma inversão da situação financeira, os juros estavam mais altos e o crédito mais escasso.

(Foto: shutterstock)

Quando o vice-presidente Michel Temer assumiu a presidência do Brasil, após o impeachment de Dilma Rousseff, a situação econômica se estabilizou. “Nos próximos anos, os fundos governamentais aumentaram e os programas também. A economia mundial também melhorou, o que nos favoreceu”, conta Martins.

Durante todo esse período, o economista também destaca um problema que, para ele, é um dos agravantes para a população brasileira. “O Brasil passou por três recessões na última década, o que não é normal. Mas, ao mesmo tempo que isso ocorria, a população não parava de crescer. Então, as recessões ocorreram com a população em crescimento”, destaca o economista.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população no Brasil, entre 2010 e 2020, cresceu mais de 16 milhões. 

E COMO ESTÁ O SETOR AGORA?

Tudo estava caminhando para uma recuperação econômica no Brasil quando, sem ninguém esperar, surge o novo coronavírus, causando uma doença pandêmica, afetando toda a população mundial. “Isso desorganizou tudo”, exclama Martins. No entanto, em plena pandemia, no ano de 2020, houve um crescimento de 57,7% nos créditos imobiliários financiados em comparação com o ano anterior, segundo a Abecip, indicando maior acesso ao crédito. De acordo com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (CREA-PR), as obras também cresceram. Em 2020, 57 mil obras foram executadas no Paraná. E, entre janeiro e outubro de 2021, foram 51 mil.

Empreendimento AGE360, da AG7.

E não foi apenas na construção civil que esse salto foi dado. A procura por edifícios já prontos para moradia também cresceu. Para Jean Michel Galeano, presidente do Inpespar, pertencente ao sistema Secovi-PR, esse salto se deu por conta da queda dos juros. Em 2020, a taxa básica de juros, a Selic, chegou ao menor patamar da história. “Do dia para a noite, as pessoas se empoderaram para fazer a aquisição de um imóvel”, exclama.

Por fim, Martins aponta que, para que esse crescimento perdure em 2022, é preciso que o PIB cresça. “Apesar de ser um ano de eleição, em que é feita muita dívida pública, a única saída é o crescimento econômico. Não há nenhuma outra oportunidade para gerar mais renda”, afirma.

Empreendimento Bioos, destinado a pessoas com mais de 60 anos, da Construtora Laguna.

Outro ponto de vista, exposto pelo diretor de incorporação da Construtora Laguna, André Luís Martinez Marin, para o mercado em 2022, é o desafio dos preços dos imóveis no próximo ano. “Por mais que o mercado esteja aquecido, o preço é um desafio, já que o custo dos materiais está mais alto também. Mas creio que, se houver uma estabilidade política, a tendência é que o mercado continue forte”, relata. 


CASCAVEL

O mercado imobiliário de Cascavel, na região oeste do Paraná, desenvolveu-se muito ao passar dos anos. Dentro dele, um setor que começou a se destacar foi o de alto padrão. Uma construtora que se distingue na região, por exemplo, é a marca. Nascida em 2011, a Bravall procura oferecer residências que priorizem localização estratégica, concepção arquitetônica e urbanística sofisticada e consciência socioambiental, bem como investimentos em tecnologias e rigoroso controle construtivo.


INVESTINDO NO FUTURO

A vida adulta ensinou que é preciso projetar, programar e, claro, investir. A terceira opção é muito comum e lucrativa no ramo imobiliário. No entanto, qualquer investimento precisa de estudo e precisão.

Empreendimento Álamo, da Monarca.

O investimento imobiliário é um dos setores mais tradicionais no ramo das finanças. No entanto, com os avanços tecnológicos, ele foi deixado um pouco de lado por muitos investidores. Por isso, o setor se inovou e, hoje, é possível fazer investimentos inteligentes e lucrativos.

Casa Milano, empreendimento da GT Building.

Segundo o CEO da Invescon, Luis Napoleão, há diversas opções de investimento. O mais tradicional – e também o mais acessível a microinvestidores –, é o destinado à moradia. O especialista, porém, não indica o devido a depreciação do imóvel, que fica por conta do proprietário.

Empreendimento Aman, da Construtora Adriatica.

Mas, antenado ao mercado, Napoleão afirma que esse boom imobiliário do momento abre condições para investimento nas corporações, visando ao ganho de capital. “O dinheiro vai voltar ao investidor depois do repasse das unidades. É uma opção para quem procura ganho de capital”, indica.


LONDRINA

Empreendimento Fifty, da Plaenge.

No norte do Paraná, Londrina se destaca pelo processo de verticalização que tem sofrido, seguindo os passos de grandes cidades, como Curitiba. Duas grandes construtoras que se sobressaem na região são a Plaenge e a A.YOSHII. A Plaenge nasceu em 1970 e, desde então, constrói empreendimentos de alto padrão, sofisticados e atuais. A A.YOSHII, nascida em 1965, tem como um dos principais focos a construção de edifícios de alto padrão, que já viraram cartões-postais das cidades em que a empresa atua.


DESBUROCRATIZAÇÃO

Empreendimento Talent, da A.YOSHII.

As startups tomaram conta de diversos setores da economia. No mercado imobiliário, elas chegaram para facilitar o dia a dia de inquilinos que procuram um novo modelo para morar. A Housi, por exemplo, é uma assinatura de moradia que traz um conceito que está atrelado ao acesso à moradia, não à posse. “Percebemos que, cada vez mais, as pessoas queriam usar o imóvel – e não tê-lo. É uma tendência mundial e o Brasil ainda não tinha experimentado”, afirma o CEO da Housi, Alexandre Frankel.

Novo empreendimento da JN Construtora, A.I.R Cabral.

Presente em mais de 100 cidades brasileiras, a plataforma online flexibiliza o processo de morar. “A pessoa consegue alugar uma casa pronta para ela morar em questão de minutos. Pensamos na liberdade das pessoas. Em vez de ela comprar a casa e sua vida girar em torno disso, pensamos que a casa deve se adaptar à sua vida. Antes, o centro da vida era a casa; agora, é”, conclui Frankel.


MARINGÁ

O Solaia, empreendimento inspirado nas coisas boas da vida, foi feito pela Construtora Embraed.

Entre 2020 e 2021, Maringá, município com 487 km de extensão na região noroeste do estado, foi o palco do lançamento de pelo menos sete empreendimentos de alto padrão. Algumas construtoras se destacam no setor, como a Plaenge, a A.YOSHII e a Embraed. Fundada em 1984, a Embraed é referêncianacional e internacional por conta de seu exclusivo padrão de excelência na construção de empreendimentos de luxo.


RESSIGNIFICAÇÃO DO MORAR

Apesar de a pandemia do novo coronavírus estar atrelada a um problema sanitário, seus efeitos afetam diversas áreas sociais. Uma delas é a moradia. Com a chegada do vírus ao país, o primeiro movimento foi recolher-se dentro da própria casa. A residência virou local de trabalho e de lazer.

Apartamento decorado do Queen Victoria, da Construtora San Remo.

“Nosso cérebro tem plasticidade e é por isso que conseguimos nos adaptar a mudanças. Nesse sentido, veio o sentimento de mudança – e o cenário imobiliário ganhou destaque. As pessoas queriam cozinhas e escritórios maiores e espaços de lazer dentro de casa. A qualidade de vida foi priorizada”, conta a professora do curso de Psicologia da Universidade Positivo (UP) e doutoranda pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Janete Knapik.

A Construtora MDGP vai lançar o empreendimento Átman.

Houve, portanto, uma ressignificação do conceito que a sociedade tinha de morar. Inclusive, segundo a psicóloga, trata-se de uma tendência, já que muitos escritórios passaram a adotar o formato de home office e muitos trabalhadores agora vão trabalhar definitivamente em suas casas.

IDEE Incorporadora lançou empreendimento Jardim.

Esse foi o caso do influenciador Marcos Slaviero Filho. Ele precisava fazer adaptações em seu antigo imóvel, já que este tinha o conceito montado para a vida do antigo proprietário. “Para mim, é essencial que a moradia seja confortável, porque é o lugar em que vou passar boa parte do meu tempo. Então, eu busco um lugar que tenha minha identidade e que atenda às minhas necessidades, porque sou uma pessoa que gosta de receber amigos e familiares. Tem que ser funcional para meu estilo de vida”, revela.

O Serra Juvevê é o novo empreendimento da Víncere Construtora.

E, apesar da pandemia não ter sido primordial para que ele comprasse um novo imóvel, durante ela, Slavieiro se sentiu mais incentivado. “Durante a pandemia, a gente ficou mais dentro de casa e viu quais eram os defeitos que ela tinha e no que ela não atendia às nossas necessidades. Acredito que muita gente vai fazer essa mudança para atender às exigências que foram percebidas ao longo da pandemia”, conclui.

*Matéria originalmente publicada na edição #254 da revista TOPVIEW. 

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