Cláudia Abreu estreia no Festival de Curitiba com um espetáculo que aborda a decadência da humanidade
“Neste momento, a coisa mais importante que a gente pode fazer é assistir ou ler qualquer tipo de arte que nos faça parar um pouco para refletir antes de julgar”, propõe Cláudia Abreu em entrevista exclusiva à TOPVIEW por telefone. Pela primeira vez no Festival de Curitiba, que chega à 28ª edição, a atriz carioca é uma das idealizadoras, além de Luiz Henrique Nogueira, de PI – Panorâmica Insana, espetáculo que ela estrela ao lado de Leandra Leal, Luiz Henrique Nogueira e Rodrigo Pandolfo – a direção é de Bia Lessa. Com abertura oficial na terça-feira, 26 de março, o Festival de Curitiba terá mais de 400 atrações. As apresentações de PI acontecem nos dias 30 e 31/03 e já estão todas esgotadas. Depois, a peça volta ao Rio de Janeiro, onde fica em cartaz até junho.
O espetáculo transita entre artes plásticas, teatro e dança, e faz um recorte irônico do cenário contemporâneo ao abordar temas como o indivíduo, civilização, sexualidade, política, violência, miséria, gênero e desejo. Foi considerada a melhor de 2018 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Conforme explica Cláudia, era um desejo antigo. “Fazia muito tempo que eu queria fazer uma peça que pudesse dizer de alguma maneira o que eu gostaria de dizer, não simplesmente um trabalho e acabou.” Todo o processo de concepção durou entre três e quatro anos.
Para saber mais: as peças que você não pode perder no Festival de Curitiba 2019!
Com mais de 30 anos de carreira – e bastante reconhecida por seus trabalhos em telenovelas -, Cláudia Abreu é casada há 22 anos com o diretor e cineasta José Henrique Fonseca, com quem tem quatro filhos: Maria (18), Felipa (12), José Joaquim (8) e Pedro Henrique (7). No papo a seguir, ela reflete sobre o papel social do teatro – especialmente de PI no contexto atual –, esclarece como concilia a maternidade com a profissão, revela qual mulher real gostaria de representar na ficção e confessa que, aos 48, a idade é uma preocupação. Confira os principais trechos da conversa!
TOPVIEW: Qual a relevância de PI – Panorâmica Insana no contexto atual?
Cláudia Abreu: Total. No sentido de que a gente está precisando parar. Estamos em um momento em que há tanto ódio e as pessoas não têm nenhum tipo de reflexão, é tudo imediato. Você está com o celular na mão e, antes de pensar, já atacou alguém, já respondeu. A gente está muito imediatista, então, neste momento, a coisa mais importante que a gente pode fazer é assistir ou ler qualquer tipo de arte que nos faça parar um pouco para refletir antes de julgar. Em PI, a gente tem um grande painel, um mosaico de situações da decadência da humanidade, do que a humanidade está fazendo consigo mesma e com o mundo. [Espero] que a gente possa se enxergar um pouco por meio dessas cenas e, dali, levar alguma reflexão para a vida. A função mais importante que a gente pode ter enquanto artista é instigar isso, ser de alguma forma espelho, nem que seja com provocação ou algo que faça com que se saia da zona de conforto, das suas ideias absolutas. A gente tem sempre que olhar vários lados da questão para tentar ter uma opinião. Hoje em dia ninguém faz isso, ninguém olha. E as redes sociais potencializam esse poder das pessoas, um poder sem nenhuma reflexão.
Qual tipo de crítica social vocês pretendem fazer com este trabalho?
Fiquei muito tempo querendo fazer uma peça em que eu pudesse dizer, de alguma maneira, o que eu gostaria de dizer – não simplesmente por fazer, “um trabalho e acabou”. Ainda mais neste momento da minha vida, da minha carreira, do mundo, do Brasil. Eu quero ir ao teatro e ter alguma coisa para falar, relevante, que me coloque em um lugar de satisfação, de poder dialogar com o público sobre questões que eu acho relevantes, importantes. Quero mais do que simplesmente entretenimento.
“Eu não tenho o intuito de militar politicamente, mas, como cidadã, o seu posicionamento em si já é um pouco isso.”
O texto da peça foi construído durante os ensaios, quando os atores criaram uma série de improvisações e algumas foram incorporadas à dramaturgia final do espetáculo, que tem estrutura híbrida. Esses detalhes trazem quais características para a peça?
A gente teve muito tempo para elaborar o que queríamos fazer. Levou uns três, quatro anos conversando com os autores. Depois entrou a Bia [Lessa] e a gente ampliou a ideia de falar simplesmente dos excluídos [sociais] para falar da humanidade como um todo. A gente queria realmente falar de uma multidão. Então temos, na verdade, milhares de personagens, cada ator faz muitos personagens. A gente queria dar essa ideia de multidão, de que todo mundo é diferente e, ao mesmo tempo, somos uma unidade. Cada um é singular, mas também tem a experiência coletiva. A ideia é falar dessa decadência da humanidade, do mundo que ela construiu e não está indo para um bom caminho. E poder provocar essa reflexão sobre nós mesmos, o que estamos fazendo, poder dar uma chacoalhada. A gente trouxe vários textos do André Sant’Anna, Franz Kafka, para poder, dentro desse incansável trabalho de improvisação, achar exatamente qual era o conteúdo e a estrutura cênica do que a gente queria dizer. Fiquei satisfeita justamente por isso: tem tudo lá, muitos assuntos que dizem respeito às nossas vidas que são importantes de a gente mostrar, discutir e refletir.
PI faz uma crítica a algo específico?
Não. A gente também não julga nada, não existe ataque a qualquer tipo de grupo. É uma peça que tem um conteúdo político por si só, não defende e não ataca ninguém, simplesmente provoca reflexão política. Qualquer ato que você faça tem a ver com política, um posicionamento seu de alguma maneira na vida, na sociedade, no mundo. A gente mostra vários tipos de situações, de como as pessoas se comportam, de como são, seja na guerra, na religião ou na vida social.
Você é bastante reservada no que diz respeito à vida pessoal. Nesse contexto, como é a sua relação com as redes sociais?
Eu nunca fui de rede social. Nunca tive Facebook ou Twitter. Tive [o perfil do] Instagram durante muito tempo fechado e com o nome do meu cachorro, ou seja, não era nada profissional. Depois, passei a ter aberto porque tinham muitos falsos, de pessoas que fazem se passar por você. E depois descobri também que, por outro lado, era uma ferramenta muito interessante de divulgação das estreias, dos trabalhos, era um diálogo direto com o público, sem nenhum filtro. Achei que poderia ser interessante, mas na verdade não alimento com algo muito pessoal, a não ser eventualmente alguma opinião minha como cidadã. Eu não tenho o intuito de militar politicamente, mas como cidadã o seu posicionamento em si já é um pouco isso. Não quero deixar de ser quem eu sou para ter mais seguidores, prefiro ter os seguidores que gostem de mim daquele jeito.
Quais mulheres da realidade você gostaria um dia de interpretar na ficção?
Ah, eu tenho muita vontade de interpretar a Virginia Woolf [escritora, ensaísta e editora britânica]. Gostaria de fazer uma peça sobre ela. É um projeto futuro.
“A minha maior questão, na verdade, é longevidade com saúde. Isso é o que eu mais prezo.”
Você é vaidosa? Como se cuida?
Depende, isso é atípico. Tem dias em que eu gosto de ser natural, quero simplesmente estar confortável e não botar maquiagem. Depende muito do meu estado de espírito. Mas tenho feito pilates regularmente e, às vezes, natação.
É a favor de procedimentos estéticos?
Eu acho que vale a pena tudo o que te faz bem. Não sou preconceituosa com nada nem com ninguém que queira fazer o que quiser. Gosto mais de ter uma aparência natural. Não gosto de ficar intervindo muito no tempo, gosto de me cuidar, obviamente. Se tiver um laser para tirar mancha ou para aumentar colágeno eu vou achar ótimo (risos). Mas não gosto de ser refém disso, porque acho que quando você tem muita intervenção, parece mais velha até do que é.
Estar com 48 te preocupa?
Me preocupa sim, porque eu gosto de viver, não quero morrer (risos). Quero ficar bem, ter saúde, ser saudável. Tenho quatro filhos, quero ter netos, criá-los, ser longeva com qualidade. A minha maior questão, na verdade, é longevidade com saúde. Isso é o que eu mais prezo. Se eu for longeva com saúde e bonita, então (risos)…
Além de PI, o que você indica do Festival de Curitiba?
O Guilherme Weber [curador da mostra, ao lado de Marcio Abreu] me falou de duas atrações que seriam interessantes de assistir: As Comadres, de Ariane Mnouchkine [diretora do Théâtre du Soleil] e Aquele que Cai (Celui Qui Tombe) [criação do coreógrafo, bailarino e acrobata Yoann Bourgeois]. Infelizmente, só vou poder ir a Curitiba para as apresentações de PI. Mas tem muitas outras atrações bacanas no Festival, a própria Regina Casé [com Recital da Onça]…
“A gente está simplesmente querendo trabalhar e levar diversão, entretenimento, reflexão, construção pessoal. Não é uma coisa pequena o que a cultura faz por um povo.”
Falando em filhos: que tipo de mãe você é?
Gosto de estar com eles o maior tempo possível, até porque passa muito rápido. Quero estar perto e cuidar, saber de cada um. A subjetividade de cada um muda.
Consegue manter uma rotina “normal” com eles?
Consigo ter uma rotina normal. Vou sempre levá-los à escola. Acordo 6h, 6h15, levo eles para a escola e busco sempre que posso, levo para as atividades… À noite, a gente está sempre em casa, dou uma orientada no dever, boto para dormir. Gosto de ter uma cumplicidade, de conversar na hora de dormir sobre o dia deles, de estimular que eles possam sempre ler na hora de dormir e ter sempre um momento tranquilo. E a gente viaja muito. A gente é muito parceiro dos filhos, gosta de ficar junto como casal, mas muito em família. Quando vou filmar levo eles… Agora que estão um pouquinho maiores acho que fica muito cansativo para eles e para mim. Chega uma hora que tem que dosar se é bom ou não estar o tempo inteiro juntos. Aí, eles ficam com o pai, com a vida deles.
Depois de Curitiba, quais os próximos passos? Está envolvida em novos projetos futuros?
Eu vou fazer uma série chamada Desalma, da Ana Paula Maia, com direção do Carlos Manga Júnior. E tem um filme que deve estrear neste ano, que é o Silêncio da Chuva, do escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza, com direção do Daniel Filho, que tem o Lázaro Ramos no elenco, no papel de Espinosa.
Como você avalia este ano para a classe artística?
As pessoas não precisam ter uma reação contra a cultura, mesmo que existam algumas coisas que precisam ser ajustadas em algum lugar, sobre captação de recursos e tudo mais. Você não pode simplesmente demonizar, acusar e colocar todos no mesmo balaio como se fossem aproveitadores e como se a lei fosse desnecessária, muito pelo contrário. Os artistas, em geral, são os que representam a identidade de um país quando ele se mostra para fora. Internamente, ajudam na construção das subjetividades enquanto brasileiro. Atacar a cultura é atacar a formação das pessoas. Ao mesmo tempo, a gente não pode ficar em uma posição de pedintes. A gente está simplesmente querendo trabalhar e levar diversão, entretenimento, reflexão, construção pessoal. Não é uma coisa pequena o que a cultura faz por um povo.
Serviço
28º Festival de Curitiba
Entre os dias 26 de março e 7 de abril, com espetáculos nacionais e internacionais, que levarão teatro, dança, circo, música, oficinas, shows e performances para diferentes públicos, de todas as idades. Confira a programação completa no site.
TOPVIEW Journal: leia a entrevista com Beto Bruel e Regina Bastos, dois ícones do teatro curitibano