CULTURA ARTES

Beto Bruel e Regina Bastos: dois ícones do teatro curitibano

O casal de iluminador e atriz, que vive da arte há mais de 45 anos, reflete sobre as transformações, os desafios os prazeres das artes cênicas

Anos de profissão que se intercalaram com a vida pessoal e amorosa. Regina Bastos, gaúcha na certidão mas curitibana desde criança, tem mais de 60 peças no currículo e contribui para a fama do teatro paranaense pelo Brasil todo. Já Beto Bruel criou-se em Guarapuava e veio para Curitiba ao 14 anos. Hoje, é um dos iluminadores mais aclamados do país, tendo conquistado, inclusive, a medalha de ouro no World Stage Design, o Oscar de quem trabalha com recursos cenográficos, em Seul (Coreia do Sul). Neste ano, Beto, em parceria com o iluminador Rodrigo Ziolkowski, foi ainda indicado para o Prêmio Shell na categoria de Melhor Iluminação com a peça Nuon, da trupe curitibana Ave Lola.

O casal se conheceu em 1970, no Colégio Estadual do Paraná (CEP), em meio a aulas de atuação. Três anos depois, se casaram. O primeiro trabalho de Beto foi logo em 1970, quando amigos estavam prestes a se apresentar no Guairinha e perceberam que não tinham escalado um iluminador. No sufoco, se candidatou. Acaba que, das 10 pessoas na equipe, o único que de fato seguiu carreira no teatro, foi ele. Já Regina viveu do teatro a maior parte de sua vida – mesmo quando fora dos palcos, dando aulas de atuação para crianças. Pergunte a quem for: trata-se de um casal emblemático para o teatro curitibano.

A seguir, o casal compartilha as lembranças e as histórias que mais marcaram suas vidas pessoais e a vida do teatro do Paraná.

TOPVIEW: Como é a relação de casal dentro desse universo artístico?
Regina: A gente trabalha junto, mas, ao mesmo tempo, quase não se vê. Como eu sou atriz, costumo trabalhar com o mesmo projeto por mais de cinco meses, às vezes até um ano com a mesma produção. E ele, como iluminador, trabalha com várias peças ao mesmo tempo. Então, não ficamos muito tempo juntos. As pessoas sempre nos perguntam como o casamento dura mais de quarenta anos, e a verdade é que a gente viaja muito e se vê pouco.
Beto: Isso é porque a relação do iluminador com o grupo de teatro é diferente do ator. Eu assisto a poucos ensaios, monto a luz, vou embora e vou indo para as próximas [produções].

TOPVIEW: Como foi construir uma família e viver de teatro ao mesmo tempo?
Beto: Quando casamos, foi um tempo muito bom para o teatro. Na época, eu trabalhava no cartório e logo depois pedi as contas, porque a gente conseguia viver só de teatro. Foi só em 1980 que ficou difícil. Precisei encontrar um emprego, só que queria no mesmo ramo. Então, comprei uns 10 refletores e abri uma firma de luz. Naquele tempo, também só havia dois ou três teatros. Então, era algo restrito. Hoje, Curitiba tem mais de 50. O momento atual é muito interessante para o teatro. Claro que o país está em crise e isso se reflete, mas o teatro curitibano atingiu um nível de reconhecimento nacional muito bom. Nossa profissão tem altos e baixos, mas é muito divertida. Cada dia é diferente do outro.
Regina: E, falando sobre essa crise, todas as profissões têm momentos bons e ruins. Mas a gente, como artista, tem que saber vender o nosso peixe. Por exemplo, se me falta dinheiro, eu posso ficar de estátua viva na [rua] XV e faturar com isso. Um músico consegue faturar tocando no metrô. Outras profissões não são assim, mas o artista consegue se virar. Se lasca, mas dá um jeito.

Beto e Regina tiveram duas filhas e três netos. Na foto, Beto e seus dois netos mais velhos.

TOPVIEW: O quanto a iluminação pode ajudar no desenvolvimento dos personagens?
Regina: A maioria dos atores tem essa percepção, mas pessoalmente, eu não sei se a luz me ajuda. Eu acredito que ela ajuda quem está assistindo, quando a luz abriu, fechou, se moveu… mas a minha preocupação, por exemplo, é se estou fora da luz quando estou falando o texto. Então, para a gente, a luz é uma coisa técnica. Precisamos fazer com que a luz nos vista.
Beto: A função do iluminador, parecido com o cinema, é dar a ênfase nas cenas. No cinema tem a câmera, no teatro tem a luz. A minha função, além de clarear a peça, é ajudar na dramaturgia. Tentar contar histórias. Em Nuon, por exemplo, as luzes são fundamentais para contar histórias.

“O teatro curitibano atingiu um nível de reconhecimento nacional muito bom.” – Beto Bruel

TOPVIEW: Beto, devido ao seu reconhecimento nacional com a iluminação, os diretores vêm até você pedindo opiniões?
Beto: Eu gosto quando eles pedem, é claro, mas não é sempre. Tem diretor que eu já conheço, como o Felipe Hirsch, que quase exige que a gente diga tudo o que pensa. Dentro da Sutil [Companhia de Teatro, da qual Felipe e Beto fazem parte], temos uma equipe criativa e trabalhamos juntos há muito tempo. Mas quando a parceria é nova e não sabemos como será a relação de trabalho… tem diretor que já vem com uma ideia de iluminação pronta. Então, mesmo que você tenha sugestões que podem melhorar a peça, você entrega o que o diretor está pedindo. Afinal, a peça é dele. Mas é interessante como o teatro está cada dia mais democrático. Antes, o diretor tinha muita autonomia.
Regina: Um grande exemplo é a Ana Rosa [diretora do Nuon], que prefere trabalhar em equipe. Ela gosta de ser provocada, contestada. Ela quer que a gente a faça pensar. Ela também raramente trabalha com textos prontos, então, nos primeiros ensaios, improvisamos muito. Mas o ator, por outro lado, precisa se adaptar ao estilo do diretor. Se você não fizer isso, não tem graça. Imagina todos os ensaios serem do mesmo jeito.

TOPVIEW: Como vocês trabalham com as novidades tecnológicas no teatro? Tanto na hora de atuar quanto na hora de mapear as luzes?
Beto: Estamos no meio de uma revolução, principalmente da luz. De um tempo pra cá, todo dia surge uma novidade. Está vindo uma nova geração de refletores que eu chamo de desemprego (risos), porque você coloca o refletor lá em cima e ele faz tudo sozinho: fecha, abre, recorta a luz e muda de cor. Vai chegar um momento em que teremos 200 refletores e uma pessoa só, com um aplicativo de celular. Mas eu acho interessante que, apesar dessas supertecnologias estarem surgindo, o teatro clássico sobrevive bem a elas.
Regina: É porque seduz igual. Com tecnologia ou não, o importante é ter magia. Se for uma peça feita bem feita, você percebe que teve um esforço e uma proposta por trás, encanta. Teatro tem que ter magia.

Nossa profissão tem altos e baixos, mas é muito divertida. Cada dia é diferente do outro

TOPVIEW: Pode contar um pouco mais sobre a sua personagem na peça?
Regina: Eu faço a Phaly Nuon, que foi uma mulher que sofreu com cinco anos da guerra do Camboja. Ela e sua família foram tiradas de casa, assim como outras famílias, para plantar arroz. Quando ela foi obrigada a ir para os campos, teve fome, perdeu o filho que ainda era muito pequeno, enfim, sofreu muito. Depois de quatro anos nessa vida, ela fugiu para um campo de refugiados e foi lá que descobriu que poderia ajudar as outras mulheres que estavam na mesma situação. Ela cuidava dos cabelos, arrumava e enfeitava essas mulheres. Tudo isso para recuperá-las e humanizá-las. Então, a minha personagem é a Nuon mais velha, narrando a sua história do começo ao fim.

TOPVIEW: E como foi iluminar Nuon?
Beto: É uma peça bem dinâmica, temos muitas situações e muitas cenas, então, era quase uma exigência mudar a luz constantemente. Para ajudar, a trilha sonora é maravilhosa, foi feita pelo Matheus Ferrari. O som se torna um gancho, quando ele entra, mudamos o tom, a cor, a luz.
Regina: E a Ana Rosa é uma diretora muito sensível com o movimento, com a luz, com o som e pulsação. Parece que o corpo do ator é levado pela música e pelo texto.

O espetáculo Nuon. (Foto: Kelly Knevels)

TOPVIEW: Qual é a importância da indicação ao Shell para o teatro paranaense?
Beto: Não importa a indicação, se é individual ou de grupo, isso é importante para o teatro curitibano, porque abre portas. As pessoas olham: “Quem está sendo indicado?”. “Ah, é o Beto Bruel.” “E de onde ele é?” “De Curitiba.” Toda indicação é muito boa para nós e para o futuro.
Regina: No caso do Nuon, é bom para o profissional e é bom para a Ave Lola, para que possa mandar para festivais também. Há alguns anos, em 1999 mais ou menos, a gente ganhava data em São Paulo na época da enchente (risos). Agora, temos mais respeito.
Beto: O Festival de Curitiba ajudou muito o teatro paranaense também. Antes, as estreias nacionais eram aqui, o que trazia muitos críticos para a cidade para ver as peças do Rio e de São Paulo. Agora, os críticos já viram as mostras oficiais em outras cidades e vêm aqui para ver especificamente o teatro curitibano e paranaense. Acho isso maravilhoso para a gente.

“Com tecnologia ou não, o importante é ter magia. Se for uma peça feita bem feita, você percebe que teve um esforço e uma proposta por trás, encanta. Teatro tem que ter magia.” – Regina Bastos

TOPVIEW: Quais são as expectativas para o futuro do teatro paranaense?
Beto: Bem, estamos em ano de eleições, então não sabemos o que vai mudar. O João Luiz Fiani, atual secretário de estado da cultura do Paraná, fez um trabalho muito bom com o Profice [Programa de Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná]. Se você analisar, deu chance de empregos para muita gente, porque contempla financeiramente muitos grupos de teatro, música, dança… infelizmente, o teatro depende de verbas [públicas]. Tem gente que diz que não precisa, mas eu acho que a arte é muito importante.

TOPVIEW: Quais são os trabalhos de que sentem mais orgulho?
Regina: Acho que eu nem preciso dizer nomes, porque na verdade diz respeito aos trabalhos com que nós, como artistas, atingimos as pessoas. São os trabalhos com que fomos bem recebidos, acolhidos e entendidos. Quando percebemos que modificamos, de alguma forma. Essas são as peças mais importantes, porque não são todas as que atingem as pessoas. Nuon, por exemplo, foi uma peça que impactou. 

Regina Bastos. (Foto: Gilson Camargo/Divulgação)

Beto: Eu acho que muda onde você apresenta essa peça também. Fomos para o nordeste, em 1999, apresentar a peça As Kamikazes, e foi impressionante. Apresentávamos em shopping, em cima das mesas mesmo, e o povo amava.
Regina: Já aqui, em Curitiba, o pessoal não deu muita importância, mas no nordeste a plateia levava até cachorro para o teatro. A gente via a atenção, os olhos vidrados, entendendo a mensagem que estávamos passando. No fim da peça, eles vinham conversar com a gente. O povo lá é muito artístico, isso vem da alma.

“Tem gente que diz que não precisa, mas eu acho que a arte é muito importante.” – Beto Bruel

As Kamikazes. (Foto: Roberto Reitenbach)

TOPVIEW: E quais foram as peças mais desafiadoras?
Regina: Engraçado, porque eu não sou uma atriz que fui contemplada com o dom da dança e do canto. Em 1989, fiz Noite na Taverna, com o diretor Ademar Guerra. Era uma peça musical e eu tive que dançar muito. Foi bem difícil, porque eram todos os ritmos de dança e éramos em mais de 10 artistas. Quando um de nós errava nos ensaios, tínhamos que voltar a ensaiar desde o início, até acertar.
Beto: Eu sempre digo que quanto mais difícil, mais divertido. Para mim, a peça Não Sobre o Amor, que me rendeu o prêmio na World Stage Design, foi a mais desafiadora. Precisei trabalhar a luz, ela saía de várias frestas no cenário, de trás de mesas e quadros… foi impressionante.

*Por Nicole Smicelato e Thaiany Osório.

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