O instante decisivo de Isabella Lanave
As coisas estão acontecendo rapidamente para a fotógrafa Isabella Lanave. Só em 2017, a curitibana de apenas 23 anos foi citada pela revista americana Time em uma lista de 34 fotógrafas mulheres para seguir, teve imagens publicadas na edição anual de fotografia da revista Vice, foi tema de reportagens e se apresentou em eventos importantes de fotografia. Todos estes acontecimentos têm em comum o projeto “Fátima”, que Isabella vem desenvolvendo há cerca de dois anos. O trabalho consiste em uma série de fotos que ela vem fazendo da mãe, que tem transtorno bipolar. Este ano não começou diferente:ela foi um dos 219 nomes indicados para a Joop Swart Masterclass, organizado pela World Press Photo, e teve o trabalho selecionado para participar do New York Portfolio Review, que acontece nos dias 21 e 22 de abril, em Nova York. A fotógrafa soube em fevereiro que foi uma das 160 escolhidas entre 2,8 mil inscritos, e correu para viabilizar a viagem: colocou algumas de suas fotos à venda e, neste dia 17, será a primeira beneficiada do jantar “Fome de Quê” — uma ação de fomento organizada pela Galeria Ponto de Fuga e o Ginger Bar (veja o serviço abaixo).
Retrato da mãe
Junto com registros de rua, a família era um tema recorrente quando Isabella começou a fotografar, por volta de 2012, no início do curso de jornalismo da PUCPR. A presença de Fátima, no entanto, se impunha. “Uma fotógrafa do Rio de Janeiro, Marizilda Cruppe, foi uma das pessoas que me ajudaram a ter o ‘clique’: talvez essa história seja minha e da minha mãe, e não da família como um todo”, conta Isabella, na sala do apartamento que divide com mais três pessoas nas Mercês. “Isso foi em 2016 e culminou com o momento em que comecei a fazer terapia e a ver como essas questões com a minha mãe me incomodavam e tinham que ser resolvidas. Tinha que mergulhar nisso”, diz.
Peço para Isabella explicar como o trabalho trata da sua relação com a mãe. Ela espalha as fotografias em uma mesa de centro, que divide o espaço da sala com instrumentos musicais dos colegas e livros. Aponta para uma foto em que Fátima está encolhida num sofá, durante uma de suas crises. Era o dia em que seria levada pela filha para uma clínica em Curitiba, por falta de vagas em Itajaí (SC), onde mora. “Eu não sabia lidar direito com coisas deste tipo. Aí fotografei. Quando olhei a foto, foi muito forte. Pensei: ‘o que estou fazendo?’ Isso me deu vontade de conversar com ela sobre quais eram seus medos, angústias, como era na clínica. A gente falava pouco sobre isso. E essa relação foi se transformando, tanto na nossa vida quanto nas imagens”, conta.
Intimidade e exposição
No começo deste ano, Isabella também começou a fazer anotações em um caderno — uma espécie de diário de desabafos sobre os momentos mais difíceis com Fátima. Diz que tem coisas ali que não gosta nem de reler, mas que o plano é integrar os registros ao projeto mesmo assim. Segundo a fotógrafa, expor coisas tão íntimas — com o consentimento e a consciência da mãe sobre o propósito do trabalho — não é exatamente uma atitude corajosa. Para ela, o projeto — além de um processo terapêutico — é uma necessidade.
“Quando comecei o trabalho, me perguntei quem iria se interessar por isso. É uma história muito pessoal. Mas, na primeira vez que o apresentei em público, uma mulher que também é fotógrafa me abraçou e chorou. Falou que sua mãe tinha transtorno bipolar e que era uma relação muito difícil, porque era uma coisa sobre a qual não se falava na família”, conta. “Acho que é muito importante falar sobre isso, por mais que seja uma relação muito íntima. E coloco muita coisa minha para fora. Acho que, se não colocasse, explodiria”, diz. “É quase uma libertação pessoal abrir isso para as pessoas.”
“Acho que é muito importante falar sobre isso, por mais que seja uma relação muito íntima. (…) É quase uma libertação pessoal abrir isso para as pessoas.”
Questões de gênero
A urgência de discutir saúde mental e tratar de temas como a internação têm algo de político para Isabella, e este é um aspecto importante do trabalho da fotógrafa. Um dos temas caros a ela são as questões de gênero. Outro de seus projetos, “Felt on the Skin”, conta a história de Dionne Freitas, uma terapeuta ocupacional e ativista dos Direitos Humanos e Sexuais que conheceu no Miss Curitiba Trans 2017. “Entendo que, por algum tempo, o meu trabalho vai se direcionar para essas histórias. Histórias de mulheres e como elas se colocam na sociedade, histórias que têm a ver com questões de gênero. Parece que são coisas sobre as quais eu preciso falar. São temas que estão pulsando dentro de mim.”A fotógrafa avalia que o momento é de aproveitar a visibilidade que vem conquistando nos últimos dois anos. Sua reação às sucessivas boas notícias que vem recebendo mistura surpresa, felicidade e alguma ansiedade. “Não posso parar de produzir, porque as pessoas estão olhando para o meu trabalho agora”, diz. “É isso que quero fazer. E está acontecendo.”
Serviço
Fome de Quê — com Isabella Lanave
Ginger Bar_R. Saldanha Marinho, 1.220, Centro. Dia 17 de abril, às 19h. Menu completo a R$ 70. Ao menos 50% do valor arrecadado será revertido para a artista.