Nutrir-se
A moda é salgada e ao mesmo tempo doce. É de se deliciar com os olhos, ver uma seda suspensa sobre o corpo, veludos que parecem barras de chocolate estruturarem blazers e texturas em blusas que lembram confeitos garantirem o brilho de um jeans frio.
A conversa com a mesa, com os alimentos e com a gastronomia sempre foi um motivo para que algumas peças do vestuário existissem. Os lenços brancos, pedaços de seda ou linho, embebidos em água com flor de laranjeira, que limpavam as mãos da corte, eram um adorno que acompanhava homens e mulheres em suas peças de roupa. Os jabots de Luís XIV, o “Rei Sol”, uma espécie de babador, estavam sempre junto à mesa. Conforme o poder e status aumentavam, os banquetes ficavam quilométricos (é só ver o filme francês Vatel), com Gérard Depardieu. O avental, esse “meio vestido possível para as mulheres da aldeia”, era a divisa entre o caldeirão e o corpo.
A história da roupa é também a história da civilização perante a vida e perante a mesa. O vestir é simbólico e também nos conecta pela forma – e, aqui, a imaginação pessoal ganha liberdade para ver aquilo que queremos ver. Observe a gola rufo, uma gola solta, à parte em modelagem circular feita de várias camadas de seda, linho engomados (olha a maisena aí!) ou rendas. Ela circulava pelas cabeças da corte entre o final da Idade Média e o período do Renascimento, Barroco. E não é que parece uma fôrminha de doce? Não seria a fôrminha de doce a coroação máxima de um brigadeiro gourmet?
Entre associações imaginativas, há também a associação da evolução. Lembro que, no século XIX, quando do nascimento da alta-costura, com Charles Frederick Worth, inglês que se muda para Paris por volta de 1860 -1870, já podemos contar com a anilina. Com o uso dela, os tecidos ganham uma cor mais vívida, o que traz mais intensidade para os vestidos do período. E seriam as anilinas que dariam cor também cor aos confeitos.
E, se vamos falar sobre confeitos, que falemos também sobre Maria Antonieta, as questões do prazer, do açúcar, do champanhe. É ali que a pâtisserie invade a coloração das roupas e o diálogo visual se fortifica. É o candy, com cores leves, não saturadas, trabalhadas por marcas como a Louis Vuitton no século XXI, momento em que o espírito do tempo entendeu que somos merecedores de doses de açúcar e de afeto.
+ 3 Filmes sobre o tema
MARIA ANTONIETA
Sofia Coppola
VATEL
Roland Joffé
A FAVORITA
Yorgos Lanthimos
*Coluna originalmente publicada na edição #253 da revista TOPVIEW.