A emoção do sabor: conheça Karla Keiko e Will Massami, do Oidē
O cheiro de vinagre produzindo as tradicionais conservas japonesas sai da cozinha e toma conta do Oidē quando Karla Keiko e Will Massami me recebem, de preto, como é o “uniforme” do café, restaurante e bar japonês – e carinhosamente, como é o modo deles. Enquanto o trânsito segue intenso pela rua Brigadeiro Franco nesse meio de tarde, o clima ali dentro é de paz: um membro da equipe faz seu lanche, outros cuidam dos pré-preparos e Keiko recolhe os brinquedos de Aiko, sua filha.
Foi durante a gravidez de Aiko que o Oidē surgiu e o significado desse nome revela o quanto de afetividade há no projeto: trata-se da expressão íntima “venha”, usada com crianças, amigos e familiares. Se descendentes encantam-se ao encontrar ali a comida que a batchan (avó) fazia e são o público principal, outros frequentadores aderem ao espírito: no Oidē, há somente mesas coletivas e um grande balcão, que estimulam a interação; conta-se de um pedreiro que trocou ideia com a “patricinha” ao seu lado e de uma senhora que, se a princípio se recusou a compartilhar a mesa com desconhecidos e profetizou o insucesso do modelo, hoje é cliente fiel.
Um amigo define Keiko como carismática e comunicativa, fazendo todo mundo se sentir em casa. Já Will, que nasceu no Japão, é mais quieto e seu jeito como bartender parece ser revelador de sua personalidade. Ela cria a programação cultural – além da pequena loja em um corner com produtos de criadores orientais ou sobre o tema, estão previstas palestras, sessão de filmes e a Casa da Batchan (evento em que as avós trarão pratos e ensinarão receitas). Ele faz a pesquisa de cardápio de pratos e de drinques: buscou receitas com a sua avó e criou uma carta de coquetéis autorais com toque japonês, em parceria com Zé Swaiger, do Officina Restô Bar.
“Mais do que um restaurante, a ideia é ser um ponto de cultura.”
Enquanto outros bartenders promovem um espetáculo ao executar os drinques, os preparos de Will são mais minimalistas, caracterizados pelo serviço limpo e pela precisão. Eles apreciam, afinal, os rituais da cultura japonesa, o fato de tudo ter um significado. “O conceito é muito ligado à nossa vontade de descobrir e apresentar a cultura japonesa”, explica Keiko, referindo-se, ainda, à ideia de alimentação ampla: “Mais do que ser um restaurante, a ideia é ser um ponto de cultura – de resgate e de produção”.
O menu
O menu parece enxuto, mas é possível fazer um verdadeiro banquete entre um mochi, espetinhos, conservas, oniguiris e outras iguarias, que ainda surpreendem por fugir do combo sushi e sashimi. “O imaginário é muito limitado. Aí, quando a pessoa vem e descobre esses pratos…”, relata Keiko. Mais que isso, são os sabores que nós, descendentes, provamos em família e, às vezes, perdemos pelo caminho. Os pratos favoritos de Keiko e Will, por sinal, são o espetinho de camarão com aspargo e o okinawa soba, feito com carne de porco que derrete na boca e que é praticamente um abraço. A graça, no Oidē, é pedir um pouquinho de cada.
O espaço, que abriu no último 16 de maio, tem capacidade para 44 pessoas, sendo 14 no balcão, em média. Palco do estabelecimento, onde são preparados cafés e drinques e de onde se vê a cozinha, o balcão também é estrela no momento do kanpai, o brinde coletivo. Ao fim do dia, modernidade e tradição se misturam. É como se Keiko e Will tivessem herdado um bar que ficou parado no tempo por 20 anos, com móveis de antiquário, jogo de casamento da tia-avó… “É importante saber o que, da tradição, manter e o que pode ser modificado”, eles me contam. “E criar novas tradições.”
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Matéria publicada originalmente na edição 226 especial Gastronomia.