O movimento que pretende mudar o cotidiano das pessoas
O italiano Carlo Petrini, jornalista especializado em gastronomia, virou notícia no começo dos anos 1980 por sua participação bem-humorada em um protesto contra a chegada do McDonald’s a Roma – Petrini distribuiu pratos de pene em frente da futura loja. Em 1989, porém, ele resolveu mudar de tática: criou um movimento para defender não só refeições mais longas, mas também uma comida saudável, preparada com ingredientes da estação, frescos e produzidos por agricultores familiares locais de forma sustentável.
Estava criado o slow food. Quase 30 anos depois, Petrini comanda uma organização internacional com mais de 100 mil membros oficiais em 158 países. “Temos que nos cercar de fortalezas do slow food, de lugares que promovam esse conceito”, disse Petrini à TOP VIEW, durante a inauguração, no início de maio, do complexo gastronômico Eataly em São Paulo. “A falta de tempo é uma mentira. Tempo se encontra sempre”, rebate ele para os que acham utopia ter uma refeição pausada e equilibrada em meio à correria das grandes cidades.
A verdade é que, hoje, a influência desse pensamento extrapola a mesa. “O Movimento Slow surgiu como uma resposta à aceleração brutal que o mundo vive e está se tornando um conceito relevante em vários setores”, avalia Andrea Greca Krueger, da Berlin, empresa de Curitiba especializada em pesquisa de mercado e análise de tendências. De fato, além da pioneira gastronomia, a moda, o design e até o turismo estão pisando no freio. Veja alguns exemplos a seguir.
Isto que é comida boa
Em Curitiba, os princípios do slow food são a essência do trabalho de chefs como Manu Buffara, do Manu, Ivan Lopes, ex-chef do Mukeka, Vânia Krekniski, do Limoeiro, e Gabriela Carvalho, do Quintana. Gabriela, aliás, pensa tanto no cardápio quanto no destino do lixo produzido em seu restaurante. “O slow food tem a ver com a questão da pressa, mas vai muito além.
Não adianta nada comer mais devagar e não se preocupar com o que está comendo, de onde vem o ingrediente, em que condições ele é produzido e, principalmente, para onde vão os restos de tudo”, diz. A chef orgulha-se de ter reduzido, em três anos, em 70% os resíduos não recicláveis do Quintana, façanha conquistada por práticas como o aproveitamento total de alimentos: em sua cozinha, cascas de laranja viram compotas e caules de espinafre vão parar no vinagrete.
“Aqui no Paraná o movimento está ganhando corpo”, diz Renato Bedore, líder do convivium Coré Etuba, grupo que atua como divulgador dos princípios do slow food no Estado. Promovem, por exemplo, eventos como o Disco Xepa, no qual são preparados e servidos pratos feitos com a xepa, ou seja, alimentos que seriam descartados.
Qualquer pessoa interessada pode participar do grupo. Basta se associar ao movimento no site oficial do Slow Food Brasil e frequentar as reuniões que acontecem de 15 em 15 dias, às sextas-feiras. Em tempo: Coré Etuba significa “terra de muito pinhão” na língua tupi‑guarani e deu origem ao nome de Curitiba.
Em busca de novos ingredientes
Criado em 2013, o Instituto Atá concentra diversos projetos do chef Alex Atala e amigos na luta para organizar a produção de ingredientes com potencial gastronômico. Tudo por meio de parcerias com pequenos produtores de várias regiões do país. “Resolvi criar um instituto para estruturar as cadeias e ir em busca de ingredientes. Para ter uma cozinha que não fosse somente boa de comer, mas que fosse saudável para quem faz, para quem come e para quem produz”, define o chef no site do Atá.
O projeto já deu origem à marca Retratos do Gosto, que tem entre os produtos um miniarroz nativo do Vale do Paraíba — único no mundo —, e o feijão guandu, que foi muito usado no passado, mas perdeu espaço para o carioquinha, espécie mais produtiva. Outro exemplo é a produção da pimenta Baniwa Jiquitaia, uma pimenta com sal produzida por mulheres da tribo Baniwa, da Amazônia. As próximas missões agora são domesticar uma baunilha do cerrado e regulamentar o comércio do mel das abelhas mansas nativas (sem ferrão).
A proposta é parecida com o projeto A Arca do Gosto, criada pelo Slow Food Internacional em 1996. Trata-se de um catálogo mundial que lista alimentos ameaçados de extinção: são quase mil no mundo, 28 deles no Brasil, incluindo nosso precioso pinhão. A ideia, inspirada na Arca de Noé, é divulgar sabores tradicionais que ainda estão por aí, são ligados à história de um povo, entram como ingredientes de receitas artesanais e têm potencial comercial.
Viagem além dos cartões-postais
Mais do que conhecer as atrações turísticas de um lugar, o principal desejo de quem viaja sem pressa é sair dos roteiros tradicionais e conhecer melhor a cultura e o povo local. “O conceito de slow travel está muito mais para curtir a viagem do que marcar ‘estive aqui’. É você conhecer mais, se integrar mais, aproveitar mais cada lugar.
Não é uma questão apenas de tempo, mas da forma como se viaja”, diz Alexandre Sybalista, diretor-executivo da Latitudes, operadora paulistana especializada em viagens de conhecimento. Os adeptos desse estilo tranquilo e imersivo de viajar querem experiências mais profundas e escolhem, por exemplo, passar as férias atuando como voluntários em projetos sociais e ambientais ou fazendo longos trekkings em meio à natureza.
Também preferem casas ou apartamentos alugados em vez de hotéis, e são fãs de sites como o EatWith e do BookaLokal , nos quais residentes de uma cidade oferecem jantares em suas casas para os visitantes. É um jeito mais frequente de viajar entre quem já passou da fase do mochilão. “O slow travel vem crescendo no público de faixa etária mais madura, que já viajou bastante e tem possibilidade de fazer viagens mais longas”, diz Renan Tavares, diretor da Kangaroo Tours de Curitiba.
Design feito para durar
Uma poltrona inspirada em um coral e montada em parceria com marisqueiras de Acaú, praia de Pitimbu (PB). Uma cadeira com flores de arame envolvidas pelo crochê das artesãs da Comunidade Alfa, de Cabedelo (PB). Feitas 100% à mão, as duas peças são assinadas pelo designer Sérgio Matos e foram destaques no último Salão do Móvel de Milão, em abril. São exemplos do quão longe chegou o slow design brasileiro, que ainda tem entre seus representantes nomes como Rodrigo Almeida, Domingos Tótora e Nicole Tomazi.
O termo foi usado pela primeira vez pelo inglês Alastair Fuad Luke para definir um design baseado na valorização de processos artesanais e locais, na reciclagem, na extensão da vida útil do produto e no uso de matérias-primas regionais. Tudo isso, no entanto, tem seu preço (a poltrona Acaú custa R$ 16 mil). “Queria muito que esse conceito de design fosse acessível a todos”, diz Matos. “Mas os custos de quem trabalha com artesanal são bem mais altos que o de uma indústria que produz em série. Além disso, tem de ser justo para o artesão”, frisa o designer, que lançou sua esperada loja virtual em agosto.
Moda sem prazo de validade
Em seu ateliê em Curitiba, a estilista Francesca Córdova cria 15 modelos de roupa e dois de sapato por coleção. Isso é quatro vezes menos do que as grandes marcas lançam a cada estação. Ela só trabalha com tecidos naturais, confecciona tudo em fábrica própria e, acima de tudo, não segue tendências. “O atemporal é algo muito forte no meu trabalho. Minha roupa é minimalista e quando estou projetando uma peça, penso que daqui a 50 anos ela ainda poderá ser usada porque não vai estar datada”, diz.
Francesca é representante do slow fashion, termo criado em 2008 pela consultora em design sustentável britânica Kate Fletcher para definir a moda que privilegia a qualidade, a durabilidade e o artesanal. É a antítese da fast fashion, marcada por escândalos envolvendo trabalho escravo e conhecida pelas peças baratas que se desmancham nas primeiras lavadas.
A última moda, o status da marca e o preço são preocupações distantes de quem usa uma grife slow fashion. “Quem compra não está a fim de seguir esse fluxo ensandecido atual, não está nem aí para a imagem que os outros fazem dele, tem personalidade e é autoconfiante”, diz a estilista.