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A emoção do sabor: Marcelo Amaral no caminho do bem

Marcelo Amaral promove pequenas e grandes revoluções no Lagundri à procura de uma verdade para si e para o mundo ao redor

Os ashrams são tradicionais eremitérios hindus, espaços sagrados geralmente situados em meio à natureza e destinados à evolução espiritual e à meditação. Não é por acaso que a alimentação em um ashram é um dos pilares centrais, seguindo a filosofia yogi. A procura por alimentos significativos, a partir de princípios que incluem o vegetarianismo, a satisfação física – e também mental – e um grande senso de comunidade no preparo das refeições, pode mexer profundamente com uma pessoa, e ensinamentos como esses têm o poder de transformar a nossa forma de estar no mundo.

Quem já conhecia o Lagundri e chega atualmente para almoçar pode se surpreender com algumas mudanças radicais no funcionamento e nas propostas do estabelecimento, que explicam-se em grande parte por uma experiência do chef e proprietário Marcelo Amaral em um ashram indiano no ano passado. Há cerca de seis meses, seguindo conselhos e percepções adquiridas em sua passagem pela Índia, Marcelo e sua equipe deram início a um plano de gradualmente retirar do cardápio do Lagundri todas as proteínas e derivados de origem animal.

Foto: Theo Marques.

Mas essa virada não está somente no menu e, sim, em um novo conceito de refeição que o chef e os sous-chefs testam (com sucesso) dia após dia. Como em um monastério hindu, a composição dos pratos é inspirada no thali, a versão indiana do nosso “prato feito”, que apresenta elementos como o arroz, o chapati, a samosa e o curry. O grande trunfo é que, a cada dia, a base tradicional das refeições casa-se com uma receita criada no restaurante a partir de ingredientes locais. É o caso da moqueca de banana-da-terra e da quirerinha, que dão um toque regional e autoral aos pratos.

Marcelo Lagundri
Foto: Theo Marques.

Esqueça também o serviço à la carte. A proposta é muito mais próxima de um refeitório, em que cada um busca seu alimento diretamente com quem o faz, na boca da cozinha. A salada de entrada é temperada pelos próprios chefs, que, costumeiramente, perguntam como está sendo o seu dia, e o mesmo prato da salada é usado para servir as opções principais do dia. Ao final, você mesmo busca a sua sobremesa. Daniel Campese e Bruno Netzel, sous-chefs responsáveis pelo almoço, dizem que o conceito causou estranhamento e adesão ao mesmo tempo. Para eles, o ponto máximo das mudanças no formato e cardápio de almoço foi a proximidade com o cliente por meio de uma relação direta, pessoal, entre quem produz e quem consome.

Marcelo Lagundri
Foto: Theo Marques.

Em constante mudança, o Lagundri transforma-se ao passo dos sonhos e das utopias de Marcelo Amaral. Paralelamente ao projeto de deixar de servir carnes e aproximar-se do status de um cardápio 100% vegano, ele se questiona sobre qual é a função de um restaurante atualmente.

“É uma responsabilidade imensa fazer algo relevante aqui.” – Marcelo Amaral

Na prática, Marcelo já arregaçou as mangas. Até o próximo verão, promete assumir um híbrido de jardim e horta agroecológica de 2 mil m² nos fundos do restaurante, operando na fronteira entre produzir insumos orgânicos para a própria cozinha e funcionar como laboratório de resistência urbana, já que é um espaço nobre no centro da cidade que não virou nem prédio, nem estacionamento.

Marcelo Lagundri
Foto: Theo Marques.

“É uma responsabilidade imensa fazer algo relevante aqui”, afirma. “Estou em busca de uma verdade, algo que vá muito além de fazer uma promoção de double de caipirinha em uma quinta e colocar jazz em uma sexta, porque acho que isso não mexe mais com ninguém. O que eu procuro fazer aqui é algo que me faça contribuir para a minha cena, para o meu lugar no mundo.”

Além de Marcelo Amaral: conheça todos os personagens da matéria “A emoção do sabor”

Matéria escrita por Fernanda Maldonado e publicada originalmente na edição 226 especial Gastronomia.

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