CULTURA TECNOLOGIA

ESPECIAL IA: A inteligência é de quem?

Em um texto 100% escrito e respondido por humanos, a IA é desmistificada

Você achou o texto anterior suficiente para explicar todas as camadas da inteligência artificial em 2023? Nesta edição da TOPVIEW, com o tema “Tecnologia e Viagem”, você confere um Bê-a-Bá do que é IA e como ela se comporta em diversas áreas da vida: moda, comportamento, tecnologia e negócios

Provavelmente, a maioria que aqui foi publicado, em pouco tempo se tornará de conhecimento básico e cotidiano. Afinal, essa tecnologia já faz parte do dia a dia das pessoas. Basta, agora, entender como será possível tirar o maior proveito dessa revolução tecnológica. 

A coordenadora do curso de Direito e líder do grupo de pesquisa em Direito e Inovação Tecnológica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Câmpus Londrina, Patricia Eliane da Rosa Sardeto, respondeu algumas questões básicas sobre o funcionamento da IA para que o restante dos conteúdos especiais desta edição possam ser compreendidos da melhor maneira. Leia na íntegra!

O que entendemos por Inteligência Artificial?

Não há uma definição única de IA, pois depende da área de estudos. De forma geral, ela pode ser definida como uma simulação da inteligência humana, um programa de computador que simula comportamentos que, para os humanos, são considerados inteligentes.

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Quando e como a IA começou a ser utilizada?

Os estudos começaram em torno de 1950. Podemos citar o artigo Computing Machinery and Intelligence, de Alan Turing, e também quando John MaCarthy, em 1956, reuniu no Campus de Dartmouth College, em New Hampshire, alguns cientistas interessados na temática. De lá para cá, tivemos altos e baixos, mas agora vivemos um momento particularmente interessante, pois temos hardwares (máquinas) extremamente avançados, uma infinidade de dados (alimento para o desenvolvimento da IA) e softwares (programas de computador) cada vez mais especializados e aplicando técnicas diferenciadas.

Quais ferramentas de IA são as mais utilizadas e conhecidas hoje?

Hoje, temos assistentes virtuais no celular, em casa e no escritório, que já utilizam técnicas de processamento de linguagem natural bem desenvolvidas, comunicam-se conosco de uma forma “natural” e já integram o dia a dia de várias pessoas. Muitos chatbots também já se utilizam de IA e estão aperfeiçoando a conversação nas mídias sociais de tal forma que, muitas vezes, nem percebemos que estamos mantendo uma conversa com um robô. Um outro serviço bastante utilizado é a tradução, que melhorou muito nos últimos anos devido à aprendizagem de máquina. Não poderia deixar de citar também os serviços de recomendação personalizada que experimentamos nas compras online, na navegação na internet e no streaming. A aplicação da IA nesses casos consegue estabelecer um perfil de consumo do usuário e recomendar novos produtos e serviços com alta probabilidade de sucesso. Por fim, a ferramenta do momento: o ChatGPT

Como está o avanço do Brasil nesta área?

O Brasil tem se esforçado, mas o estudo, a pesquisa e o desenvolvimento da IA precisam de mais incentivo. Precisamos deixar de ser consumidores da tecnologia de ponta e passarmos a ser protagonistas. Se não, corremos o risco de aceitar o que nos oferecem e experimentarmos uma espécie de “colonização digital”. Iniciativas pontuais de universidades, empresas e do próprio governo têm se destacado e mostrado que temos potencial, mas precisamos de uma estratégia nacional que realmente fomente a pesquisa e o desenvolvimento disso no Brasil, oferecendo o suporte necessário – que vai desde a liberação de recursos até uma regulamentação apropriada. 

No mundo, já temos várias recomendações, princípios e orientações para a utilização da IA provenientes de organismos internacionais como a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] ou, de forma independente, em países específicos. Recentemente, a União Europeia aprovou sua lei sobre Inteligência Artificial, a primeira do gênero. A previsão é que até o final deste ano ela esteja confirmada pelos países membros do bloco. No Brasil, temos alguns projetos de lei em tramitação e, no ano passado, o Senado Federal criou uma comissão de juristas especializados na temática para auxiliar na finalização do texto da lei. O grupo tem promovido algumas audiências públicas bastante profícuas. Acredito que o Brasil tem a possibilidade de aprovar uma lei sobre a aplicação da IA que seja referência internacional. Resta, agora, acompanharmos os próximos passos e ficarmos atentos e vigilantes ao texto final da lei.

Como essa tecnologia deve impactar o dia a dia das pessoas?

Nosso dia a dia já está diferente, já incorporamos essa tecnologia. O importante é ter consciência disso e não se deixar guiar por ela, o que não é uma tarefa fácil. Precisamos parar alguns momentos e refletir se essa ou aquela decisão é minha ou está sendo influenciada pela internet, por exemplo. Na minha opinião esse é um dos grandes desafios futuros da humanidade.

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A sociedade está preparada para lidar com as rápidas mudanças que a IA traz?

Como toda mudança, leva-se um tempo para se adaptar. A questão aqui é que essa mudança trazida pela Quarta Revolução Industrial tem sido muita rápida e não estamos tendo esse tempo necessário de adaptação. É como se estivéssemos sendo atropelados pelas inovações.

A IA é tecnicamente capaz de assumir alguns cargos ocupados por humanos?

No atual desenvolvimento, podemos dizer que funções repetitivas e burocráticas têm grande chance de serem substituídas pelas máquinas, que conseguem entregar serviços mais eficientes em menor tempo. Então, sim, algumas funções podem e, efetivamente, já estão sendo substituídas.

“Como toda mudança, leva-se um tempo para se adaptar. A questão aqui é que essa mudança trazida pela Quarta Revolução Industrial tem sido muita rápida e não estamos tendo esse tempo necessário de adaptação. É como se estivéssemos sendo atropelados pelas inovações.” — Patricia Eliane da Rosa Sardeto

Quais os maiores benefícios para a humanidade?

Vejo muitas oportunidades interessantes: na saúde, o diagnóstico precoce de doenças e a eficiência na análise de exames; na agricultura, a automação do maquinário agrícola aliado à análise em tempo real de plantios, verificação do solo, do clima, conferindo maior produtividade e qualidade; na comunicação, com as infinitas possibilidades de compartilhamento de informações e de “presença virtual”… apenas para citar alguns benefícios.

E quais os maiores malefícios?

Uma potencialização de vieses como racismo, homofobia, xenofobia, entre outros. São comportamentos que experimentamos no mundo “real” e que se transportam para o mundo virtual. Outro ponto a ser considerado é o risco de aumento da desigualdade social, em função da exclusão digital, não apenas considerando a falta de acesso às ferramentas tecnológicas, mas principalmente a falta de habilidade e de competência digital para operar nesse novo mundo.

Nós ainda temos muito o que avançar nessa área?

Ainda vamos experimentar muitos avanços, pois muitas das aplicações ainda são recentes e têm muito potencial de desenvolvimento e aplicação. Está havendo, também, um resgate da questão ética, pois muitos comportamentos “ensinados” à máquina, no fundo, contém questões éticas envolvidas e que precisam de uma orientação clara e segura, com princípios a serem seguidos no desenvolvimento e aplicação da IA. O Vaticano, por meio da Fundação RenAIssance, da qual faço parte, propõe a observância de seis princípios: transparência, inclusão, responsabilidade, imparcialidade, confiança e segurança/privacidade. 

Qual é o seu palpite sobre o futuro da relação entre a humanidade e a IA?

Estamos vivendo uma fase de deslumbramento das inovações tecnológicas em geral e, em especial, da inteligência artificial. Creio que aos poucos vamos compreendendo melhor qual o nosso papel, o que desempenhamos bem e não queremos abrir mão, qual o modelo de sociedade que queremos e como as máquinas se encaixam nesse modelo. É um processo de descoberta e autoconhecimento. Vamos precisar nos conhecer melhor para saber o que realmente é importante e moldarmos o futuro seguindo essas premissas.

 

*Esta matéria faz parte de um especial sobre Inteligência Artificial na edição #277

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