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Os Incendiários: conheça a dupla da Furf Design Studio, capa da TOPVIEW Homens

A Furf Design Studio cria produtos que unem funcionalidade, preocupação social e poesia

No último dia 17, pouco antes do fechamento desta matéria, os designers Rodrigo Brenner e Maurício Noronha receberam a notícia de que seu primeiro Leão de Cannes, na categoria Product Design, teria companhia na sala do Furf Design Studio. Eles acabavam de ganhar mais um prêmio Cannes Lions, dois anos depois, desta vez na categoria Health & Wellness. O dia seguinte à celebração também seria importante: marcou a abertura da primeira exposição individual da Furf, em uma galeria curitibana.

Poderia ser uma semana fora da curva, mas esses momentos estão se tornando cada vez mais comuns para a dupla que criou e está à frente da Furf há quase uma década. Em janeiro deste ano, eles entraram para a Forbes Under 30, lista anual que reúne os mais relevantes realizadores e transformadores abaixo dos 30 anos.

Foto: Daniel Katz.

“Usamos o design como ferramenta de humanização. O design em si não é o propósito final, [o que importa] é o que trazemos para o mundo com ele”, resume Maurício. Eles criam produtos sustentáveis, estilosos, poéticos e, mais importante, acessíveis. Nada de coleções exclusivas ou peças caras. “Design exclusivo exclui. Nós queremos incluir — em todos os sentidos”, reitera Rodrigo.

“Design exclusivo exclui. Nós queremos incluir — em todos os sentidos.”

A ideia é produzir em massa para causar impacto na mesma proporção. Só é possível atender às sete bilhões de pessoas no mundo, explica Rodrigo, com soluções escalonáveis. “A gente tem que combater isso produzindo em escala, mas produtos muito bem pensados, do início ao início, porque um produto bem pensado não tem fim, não tem descarte. Ele se transforma”, complementa.

Foto: Daniel Katz.

A crença é um resquício da fase em que estudaram em Turim, na Itália. Vem, também, do que acreditam ser a função mais básica e essencial do design: ser o mais democrático possível para o maior número de pessoas. “Essa gourmetização é recente”, relembra Rodrigo. “No Brasil, a gente só pegou essa parte: design é uma justificativa para vender o produto mais caro.” Com muita energia e curiosidade para repensar até o que já é tido como resolvido, eles vão na contramão das tendências slow para transformar o mundo. “A gente gosta de ser rebelde com causa. A gente incendeia”, afirma Rodrigo.

Revolução do afeto

A escritora curitibana Luci Collin diz que o poema é uma entidade sonora. Os produtos da Furf mostram que a poesia é, também, uma entidade material — e pode resolver problemas sociais. “O mundo não precisa de mais objetos, mas pede por uma série de coisas intangíveis — mais poesia, amor, romantismo, autoestima e, por meio de um produto, podemos trazer essas coisas”, sintetiza Maurício.

Foto: Daniel Katz.

Os três pilares do trabalho — ambiental, social e econômico — são permeados por muita poesia. “Às vezes, só ela basta. Se nosso produto faz alguém sorrir, é tão importante quanto uma pessoa que voltou a usar bermuda porque está feliz em mostrar que é amputada”, reflete.

A Confete, único produto do mundo premiado nos três maiores prêmios de design, representa bem a essência do estúdio. Foi a primeira capa adaptável para próteses de perna produzida em massa no mundo. No Brasil, está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). A Caravela, uma intervenção que visa purificar ecossistemas de águas urbanas, é outro exemplo. O projeto foi um dos 10 vencedores — e único da América Latina — no World Eco-Design Conference em Guangzhou, na China. O evento deixou outra marca inesquecível: palestrar para a United Nations Industrial Development Organization (Unido), a divisão de desenvolvimento industrial da ONU.

Com carinho, Furf

O nome escolhido para a exposição que abriu no fim de junho, em Curitiba, Com carinho, Furf, sintetiza a gentileza e a amabilidade dos dois. Rodrigo e Maurício, sorridentes e bem humorados, receberam a TOPVIEW em seu estúdio em uma tarde ensolarada para um papo divertido que rendeu mais de três horas. Em uma das paredes do espaço no 13° andar, ficam os prêmios. Na outra, os itens simbólicos que relembram momentos importantes dos oito anos da Furf. Os produtos produzidos nesse meio tempo também decoram o ambiente. A Confete fica em uma das pernas da mesa. O banco da recém-lançado coleção Outono, feito com tecido de folhas, acomoda quem os visita. A Anjinho, primeiro produto a ser exposto na Semana de Design de Milão, em 2011, também fica por ali. “Isso aqui [aponta para o espaço] é o nosso templo”, confidencia Maurício.

Foto: Daniel Katz.

A energia agradável do estúdio bem iluminado, com vista para as ruas do Batel, guarda o que mais gostam em Curitiba: a leveza. É com essa mentalidade, também, que encaram todo o restante. O que criam está tão alinhado ao que querem ver no mundo que nem percebem as tantas horas dedicadas ao ofício como trabalho.

“O design em si não é o propósito final, [o que importa] é o que trazemos para o mundo com ele.”

Mas fazem muitas atividades além do design. Praticam esportes, meditação, yoga, gostam de cozinhar e tocam instrumentos. “Somos quase uma two-man band (risos)”, brinca Maurício, que toca piano e bateria. Rodrigo acompanha no violão e violino. A paixão pela música não os fez questionar as escolhas e, para Rodrigo, nem a quase carreira profissional no tênis. “A gente gosta de experimentar a vida e cria coisas em suas mais diferentes manifestações. É abraçar o mundo.”

Foto: Daniel Katz.

Também não negam uma comemoração. Vão de festas no rooftop do Itamaraty e pós-prêmio do Oscar do design na Alemanha a baile funk carioca (onde, aliás, já nasceu uma amizade que se tornou projeto). Maurício explica que, para eles, o equilíbrio “não é ficar no meio da balança, é dosar os extremos. Não é estar no cinza, mas sim estar 100% no branco e 100% no preto”.

O método Furf

Em um bar secreto do Centro da cidade, reúnem-se amigos de vários estados e áreas para comemorar a exposição — e as outras conquistas da semana. Quase todos na mesa têm projetos com a Furf. Não são clientes, são parceiros, Rodrigo faz questão de reforçar. “Estamos fazendo, juntos, algo a serviço da sociedade, querendo ajudar a humanidade a evoluir de alguma forma”, ressalta. O flerte só começa quando os objetivos estão alinhados. Por isso, não exitam em negar projetos que não combinam com a essência do estúdio.

“A gente gosta de ser rebelde com causa. A gente incendeia”

Kazuo Ishiguro, um dos escritores preferidos de Rodrigo, diz que “se você tem a impressão de que já se aperfeiçoou, nunca chegará às alturas daquilo de que certamente é capaz”. Essa pode ser uma das razões que potencializa o sucesso da dupla, que é “especialista em não ser especialista”. Já fizeram vasos, mobiliário, joias, soluções para poluição e capas de prótese. “Esse é o ano em que estamos nos sentindo mais impotentes, porque sabemos o que pode ser feito, mas ainda não fizemos. Nossa percepção do mundo aumentou depois de tudo isso”, comenta Rodrigo. Todo o conhecimento é repassado para estudantes do Centro Europeu, onde criaram e coordenam a Especialização em Design – Soluções de Impacto para o Futuro, curso que conta com apoio da Mares Limpos, da ONU Meio Ambiente.

Foto: Daniel Katz.

Here to serve

Nada de planilhas, plano de negócios ou Canvas. Foi a partir da indicação de um professor, no segundo período da faculdade, que Rodrigo e Maurício se aproximaram. Um ano depois abriram a empresa oficialmente. Mal sabiam que aquele primeiro trabalho juntos resultaria em outros tantos projetos. Logo no início perceberam a sintonia que os une, e compartilham de uma mesma premissa: estão nessa jornada para servir.

O que não mudou, do início até aqui, é a empolgação para recomeçar a caminhada rumo ao topo das próximas conquistas. Querem mostrar que o impacto do design é abrangente e pode chegar a várias outras áreas. Rodrigo almeja um Nobel, quem sabe. “Já chegamos no topo de algumas montanhas, mas sempre que estamos lá em cima vemos que tem uma cordilheira muito maior para conquistar (risos)”, brinca Maurício. A do próximo ano é a abertura de escritórios em outros países — mas garantem que a Furf Curitiba será sempre a sede do negócio.

Poesia + sustentabilidade + design =

Apaixonado (2013)
“Era uma vez um vaso que, assim como um coração apaixonado, derreteu-se quando recebeu flores.”

Caravela (2018)
O projeto, que une poesia e ciência para purificar ecossistemas de águas urbanas, contribui com 11 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Anjinho (2011)
“Para as mães e pais que acreditam que seus filhos são uns anjinhos.” O primeiro produto de Maurício e Rodrigo exposto na Semana de Design de Milão, um ano após o início da empresa.

Confete (2016)
O produto mais premiado da Furf, uma capa para prótese de perna, cumpre a função de devolver o volume da perna e, especialmente, de incentivar a reabilitação e autoestima do amputado.

Saudade (2013)
“Saudade é sentir o calor do abraço ausente.”

Outono (2019)
Outono, a produção mais recente, é a primeira coleção de produtos do mundo criados com biotecido de folha.

* Matéria publicada originalmente na edição 225 especial Homens

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