ESTILO

Eles foram em busca de experiências transformadoras

Conheça as histórias de cinco pessoas que driblaram convenções sociais, a tão alegada falta de tempo e outras desculpas

Dar a volta ao mundo, viver em um veleiro, disputar a maratona mais difícil, conhecer lugares inóspitos, levar seus filhos para explorar diferentes vivências e culturas… São muitos os sonhos que acalentamos na vida, mas apenas alguns têm a coragem de segui-los.

Nas próximas páginas você vai conhecer o Ike, a Fernanda, o Marcelo, o Guilherme e a Fabiane. Cinco pessoas que dedicam seu tempo – esse senhor tão severo, mas também tão injustiçado – a fazer o que realmente desejam. Sem desculpas, sem deixar que a rotina se imponha.

E não, eles não são jovens mal saídos da puberdade sem responsabilidades. Todos têm família, filhos, carreira, contas para pagar. Mas se permitiram viver experiências de acordo com seus próprios sonhos. Como disse o Marcelo, é preciso que o desejo seja autêntico: “As pessoas estão se perdendo, querendo fazer algo que seja legal para a ‘’galera’”.

Então respire fundo, olhe para dentro e se pergunte: o que eu realmente quero? Mas antes, saiba um pouco mais sobre essas pessoas comuns, mas inspiradoras. E preste atenção nos versos inspiradores da cantora Cássia Eller: “Faça o que quiser fazer/É só você querer”.

De mochila pelo mundo

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Uma carreira sólida como executivo, dois empregos, recém-casado e com um imenso desejo que vinha “desde sempre”: fazer uma viagem de longo prazo, em que pudesse se aprofundar na cultura e estilo de vida dos locais visitados. Parecia impossível, mas o jornalista Ike Weber, 49 anos, decidiu criar o momento.

Não sem antes planejar. “Eu não podia fazer isso num ímpeto de irresponsabilidade. Precisava de organização pessoal e financeira”, conta. Enquanto trabalhava no mercado formal, ia fazendo sua reserva para o sonho. Em 2007 negociou com a empresa um período de três meses e foi para os Estados Unidos e Canadá. Mas queria mais.

Na volta, o pensamento era: “Se eu permanecer aqui, vou ficar nessa toada, o tempo vai passando e sempre vai ter um motivo para não ir”. Mas ainda não havia encontrado o momento. Em 2010 casou-se pela segunda vez, não sem antes acordar o sonho com a futura esposa, a designer gráfica Juliana Scheller, 38. Dois anos depois, aconteceu o que ele chama de “estalo”. Ike partia rumo ao sul do Peru, onde começou a viagem de 11 meses pelas três Américas.

Foram 13 países visitados, sozinho, de mochila, sempre se deslocando por terra ou água. A alma de jornalista, no entanto, não o abandonou. “Foi uma viagem cultural, pela vivência, jornalística, porque documentei tudo, e de aventura, pela característica.”

Ike também juntou o empreendimento ao trabalho. Durante a jornada, tinha três tarefas profissionais. A primeira eram oficinas de aprendizagem com alunos do ensino médio do Sesi. Os estudentes formavam equipes, escolhiam temas e debatiam pelo Skype e mídias sociais. Os outros trabalhos eram posts em seu blog três vezes por semana e uma entrada ao vivo na rádio CBN quinzenalmente. O projeto chamou-se De Mochila pelas Américas. Na volta, nasceram três produtos da expedição: palestras, exposição de fotos e o livro De Mochila pelas Américas – Histórias, Reflexões e Experiências.

“Depois da primeira expedição, passou a fazer parte da minha vida”, alegra-se. Dois anos depois, ele partiu para a segunda. Dessa vez, foram sete meses de mochila pela Ásia.

Quando saiu pela primeira vez, Ike tinha 46 anos, o que chama de “filé-mignon” da idade: nem tão guri para fazer algo irresponsável, nem tão velho para enfrentar situações como um acidente que sofreu de moto na Tailândia.  “O melhor do nosso tempo de vida geralmente é dedicado a trabalho e dinheiro. Quando você se liberta disso, que condição, disposição e saúde terá para aproveitar?”, questiona.

Para ele, o mais transformador foi o conjunto da obra. “Foi a ousadia de ter dado o primeiro passo para mudar de vida. Me transformei de executivo em empreendedor, ainda que de uma forma diferente. Há quatro anos consigo sobreviver do meu sonho. É mais sacrificado financeiramente, porém consigo realizar muito mais coisas. Lancei livros, fiz palestras”, empolga-se.

Para saber mais De Mochila pelas Américas – Histórias, Reflexões e Experiências, editado pela Literal Link.

Viajar e ganhar a vida

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Logo que se formou na faculdade de jornalismo, Fernanda Ávila, 41 anos, foi estudar cinema. Em Nova York. “Achei que era o que eu queria, mas descobri que o que queria mesmo era ir para Nova York”, ri. “Eu já tinha viajado sozinha antes, mas foi nessa ocasião que acendeu uma luzinha: gosto de viajar.”

E nada melhor para garantir o sonho do que transformá-lo em profissão: hoje a jornalista é sócia de uma editora que, além de criar conteúdo customizado, publica guias de viagem, ou seja, ela ainda ajuda os outros a viverem experiências interessantes – e a partir das próprias. Ela mesma é autora do guia Nova  York Com Crianças, lançado em 2015, e escreve para o blog Viajo com Filhos.

A Pulp Edições foi criada com os amigos do ensino fundamental Patricia Papp e Vicente Frare, que compartilham das mesmas paixões: informação, tendências, textos, fotos e, claro, viagens, no topo da lista.

Em 2010, eles perceberam que o brasileiro estava viajando mais e queria informações recheadas de experiência pessoal: cenário perfeito para transformar tudo o que gostavam em um meio de ganhar a vida. Por isso, Fernanda está sempre “na estrada” com as filhas Marina, 13, e Olivia, 7, e com o marido Fhabyo Matesick, 43, publicitário e jornalista. “Viajar com crianças é completamente diferente, o ritmo é outro.

É preciso negociar muito, abrir exceções, ouvir o que elas querem. Mas é muito rico: você vê o mundo pelos olhos dos seus filhos, volta a ter um olhar lúdico”, garante.

Em 2015, Fernanda e a família tiveram a experiência “mais incrível do mundo”, como ela diz. Locaram um motorhome e passaram 18 dias viajando pela Califórnia. Sem rota muito definida, sem necessidade de procurar hotel ou estar no local determinado pela reserva, podendo parar e seguir quando quisessem e vivendo a “aventura” de dormir na rua. “Foi a viagem mais espetacular do mundo!”

Passar por experiências diferentes, interagir com outras culturas, decifrar o mundo, sair da zona de conforto, entender os imprevistos… são inúmeras as chances de aprendizado proporcionadas. “Em uma viagem temos mais tempo e mais calma para perceber a oportunidade de educar.”

Mas a jornalista também precisa trabalhar nesses momentos. “No fim do ano passado fomos para a Praia do Rosa e lá estabeleci até horários de trabalho. As meninas acham chato, às vezes reclamam. Aí eu lembro que é o trabalho que proporciona as viagens. Prefiro que ele tome um tempo da viagem do que não viajar”, diz.

Para saber mais 
pulpedicoes.com e viajocomfilhos.com.br

Vontade extrema

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Desde criança, o empresário Marcelo Alves, 43 anos, sonhava em conhecer não Paris ou Nova York, mas a Antártida. O menino cresceu, construiu carreira, casou-se com a consultora de imagem Julienne Bini, 40, tornou-se pai da Sophia, 10, mas sabe como é sonho de infância: fica ali, guardadinho, pronto para voltar a qualquer momento.

A vida seguia e Marcelo, que sempre gostou de praticar esportes, andava meio parado pelas contingências que ela impõe. Até que decidiu que era hora de começar a correr. Pegou gosto pela coisa e descobriu que existia uma maratona lá, no lugar que tanto fantasiou, a Ice Marathon. Por que não unir sua vontade de testar e entender os próprios limites ao sonho de infância?

“Corridas extremas” é o nome que se dá a essas maratonas, disputadas em locais inóspitos, com condições das mais desfavoráveis. Marcelo passou dois anos treinando e se preparando física, financeira e emocionalmente para o gelado desafio. A princípio, amigos e até mesmo a família não acreditavam quando ele contava sobre o projeto. “Essa coisa do seu sonho só faz sentido para você. É natural que os outros não levem a sério”, diz.

Mas ele levou. E muito. “Essa história toda tomou uma proporção muito grande na minha vida”, afirma. Marcelo encaixou os treinamentos no dia a dia de trabalho e família e não parou na Antártida: de lá para cá, participou de nada menos do que 13 desafios extremos. O último foi no deserto do Atacama, no Chile (Vulcano Marathon), o mais árido do mundo. O mais difícil foi na Amazônia (Jungle Marathon), cujo calor úmido maltrata muito os corredores.

E o mais inacreditável foi o World Marathon Challenge. São sete maratonas, em sete dias consecutivos ­­– descansando apenas no avião –, nos sete continentes. Antártida, Chile (América do Sul), Miami (América do Norte), Madri (Europa), Dubai (Ásia), Marrocos (África) e Sydney (Oceania). Foram apenas dez atletas. Marcelo foi o único brasileiro e primeiro sul-americano a completar todas. Lembrando que uma maratona tem 42,195 km. Vezes sete, são longos 295,365 km – quase a distância de Curitiba a Florianópolis.

Em seu livro Extremos, onde relata as experiências da Antártida e do Polo Norte, o atleta refuta o rótulo de herói, facilmente imputado aos que se aventuram por grandes realizações. “Cria-se uma mística do super-homem e não sei bem o quanto esta idealização encoraja ou desencoraja alguém a fazer algo que foge muito aos padrões médios”, escreve.

Após os feitos, Marcelo passou a ministrar palestras customizadas para empresas. Preparou-se para isso também, participando inclusive de um curso de palhaços. Hoje foca no próximo desafio, uma escalada. “Não sou um corredor, sou um aventureiro”, define. O Aconcágua, na Argentina, é a empreitada.

Para saber mais 
marceloalves.esp.br e o livro Extremos, da Banquinho Publicações.

Espírito de viajante

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O engenheiro florestal Guilherme Canever, 39 anos, já conheceu a Transnístria, Karakalpak e Nagorno-Karabakh, países dos quais a maioria de nós nunca sequer ouviu falar. Guilherme é um viajante apaixonado e pode afirmar que o dom de explorador está em seu DNA. Literalmente.

Ele é neto de um dos maiores cientistas do Paraná – e do Brasil –, o geólogo João José Bigarella, ou simplesmente professor Bigarella. Ele costumava reunir a família para mostrar slides e contar histórias de suas expedições – seja pelo escaldante deserto do Saara ou pelo gelado Ártico. “Talvez daí tenha surgido meu interesse por terras distantes e minha paixão pela África”, associa.

O avô plantou a semente da aventura na família toda. Guilherme conta que começou a viajar com os pais muito cedo. “Com poucos anos de vida já tinha ido de carro para Argentina e Uruguai. Não demorou muito para ir até o Chile e viajar bastante pelo Brasil, muitas vezes acampando”, conta. Aos 16 anos enfrentou sua primeira grande viagem sozinho, um intercâmbio nos Estados Unidos.

Daí para frente foi ganhar o mundo. Inicialmente nas férias. Nessas viagens, conheceu muitos jovens europeus e australianos que viajavam por longos períodos. “Foi uma surpresa ver que era possível, que durante vários meses eles gastavam pouco mais do que eu em um mês, já que tinham gastos menores com passagens aéreas.”

Em 2005, quando visitou Nepal e Tibete, tomou a decisão de fazer uma volta ao mundo. Convidou a então namorada – hoje esposa –, Bianca, que topou a aventura. Em 2009 eles partiram para ficar um ano fora. Voltaram quase três anos depois, graças também ao estilo de viagem econômico e ao trabalho como autônomos (ela é psicóloga).

Guilherme acha que para um viajante as experiências podem ser mais importantes do que as atrações turísticas do lugar. “Não me canso de dizer que o melhor das viagens não pode ser planejado, e acontece no caminho entre as principais atrações de um país.”

Tantas experiências renderam um blog e três livros. No mais recente, Uma Viagem pelos Países que Não Existem, Guilherme relata suas passagens por nações que são independentes, mas têm reconhecimento internacional limitado (como as citadas no começo do texto). A ideia surgiu ao visitar a Somalilândia. “Ela me marcou muito, parecia que eu estava viajando por um universo paralelo, um limbo diplomático. Sem eu saber a semente do livro estava plantada”, conta.

A repercussão do livro surpreendeu. “Não imaginava que as pessoas se interessariam tanto pelo assunto. Fico feliz em ajudar a divulgar a história de lugares esquecidos como Abecásia, Transnístria e Nagorno-Karabakh.”

Há quase um ano, Guilherme e Bianca ganharam um novo companheiro de viagem, o Gabriel. Que já conhece a Letônia, a Estônia e a Finlândia. O professor Bigarella certamente está orgulhoso do bisneto.

Para saber mais 
saiporai.com e livros De Cape Town a Muscat: Uma Aventura pela África, De Istambul a Nova Délhi: 
Uma Aventura pela Rota da Seda e Uma Viagem pelos Países que Não Existem, da Pulp Edições.

Ao sabor do vento

Otto tem apenas 7 anos, mas já viu baleias, nadou em águas com milhares de metros de profundidade, conheceu vulcões e testemunhou tubarões seguindo o barco em que navegava. Experiências tão intensas e tamanho aprendizado são possíveis porque o menino é filho do casal Fabiane Isis Czerveny, 35, turismóloga, e Vagner Jacob, 52, engenheiro civil, que desde 2013 trocou a estável vida na terra pela aventura de morar a bordo de um veleiro. “É uma felicidade mostrar lugares tão lindos para ele e poder oferecer essa experiência”, diz a mãe.

A princípio, o sonho era de Vagner, que passou 16 anos construindo o barco. “Eu abracei a ideia, pois sempre gostei do mar e do estilo de vida dos velejadores – que dão valor às coisas simples, ao tempo e à essência das pessoas. Eles vão atrás de lugares com que sonham, estão acompanhados de quem eles querem e curtem cada coisa que os faz felizes naquele momento. Coisas que podem parecer simples, mas para nós têm muito valor, como uma bebida gelada num dia quente, uma comida fresca, um banho demorado e fazer as refeições em família”, enumera.

Antes da mudança, ela estava se adaptando para morar a bordo: passava 15 dias em casa e 15 no barco. “Precisava sentir que estava pronta.” O momento da decisão teve um empurrãozinho daquelas situações que nos aborrecem e parecem implorar por uma atitude mais “drástica”: um aumento abusivo do condomínio sem aviso prévio.

O irmão precisando de mobília para a casa nova era mais um motivo. “Falei para ele buscar tudo, que estávamos indo morar no barco. Deletamos imediatamente a história do condomínio da nossa cabeça, ajudei meu irmão e fiz o que o Vagner esperava há um tempão. Foi um alívio e uma sensação maravilhosa”, relembra.

Não que tenha sido fácil. “Precisamos nos desapegar de muita coisa, deixar para trás os amigos e a família.” Para completar, ela enjoa em alto-mar. Mas nenhum incômodo é maior do que o prazer de levar a vida exatamente como e onde eles querem, e ainda passar esses valores para o filho.

“A melhor parte de ter uma vida tão diferente com uma criança é que somos pais 100% presentes e sabemos o motivo de cada expressão feliz ou triste do Otto. Ele sabe que o mundo não fala só português, e que podemos ter amigos em qualquer lugar, desde que você seja gentil e tenha um sorriso no rosto.”

As experiências desses pouco mais de três anos vêm sendo transformadoras para a família. O desapego, dar valor a coisas como água potável e energia; fazer amigos por onde passam, mas precisar se despedir; enfrentar o desconhecido, como uma tempestade no mar; e adaptar-se às diferenças de cada lugar são algumas delas. “Qualquer coisa que te tire da zona de conforto é transformadora, isso é um fato”, garante.

Perguntada sobre o futuro, Fabiane diz não ter a menor ideia. “Não adianta fazer um monte de planos que depois a vida vem e te surpreende de alguma forma. Continuamos vivendo intensamente e desfrutando a companhia de quem realmente importa.”

 

 

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