ESTILO

Design inspirado e consciente

A produção inspirada na natureza por uma profissional que faz uso consciente da madeira

Entre tantos excelentes designers brasileiros, alguns se destacam como excepcionais. A paulistana Julia Krantz é certamente um desses nomes. Arquiteta de formação, aprofundou-se na marcenaria com grandes mestres brasileiros e no exterior. Seu trabalho mais característico é composto por finas lâminas de madeira coladas em blocos, as quais são esculpidas e lixadas durante semanas, muitas vezes por meses, até que cada peça esteja concluída. Um processo artesanal em que a própria designer se envolve diretamente.

Como resultado, suas peças são sempre únicas, como indivíduos que não podem ser reproduzidos de maneira idêntica. Historicamente, poderíamos ligar a poética da artista aos períodos mais recentes do Art Nouveau, com suas formas inspiradas na natureza, e do Arts and Crafts, com a valorização da produção manual e artesanal. No entanto, é a sua visão contemporânea, condensando forma, técnica e superfície, que nos arrebata.

À medida que os blocos de madeira laminada vão sendo trabalhados, uma fantástica e surpreendente geografia se apresenta, composta por camadas de madeira de diferentes tonalidades e espessuras. As superfícies dobradas nos remetem aos relevos de uma paisagem, reforçadas pelas linhas da madeira, que, como curvas de níveis, envolvem todo o terreno, sublinhando cada movimento. As formas táteis e sinuosas reclamam, ainda, figuras biomórficas, com seus buracos e apêndices, que nos fazem pensar em órgãos e organismos. O resultado – intrigante e muito pessoal – nos entrega muito mais do que o adequado atendimento funcional a que cada peça se destina. Boa fruição!

(Foto: divulgação)

A madeira traz consigo características que lhe conferem larga vantagem sobre outros materiais. Primeiro, por sua condição de recurso absolutamente renovável, se explorada de forma sustentável. De pois, por sua variedade de espécies, cores, texturas, cheiros, densidades, sabores – um prato cheio para um criador inspirado –, além das inúmeras possibilidades a que se presta com maestria na construção de edificações, pontes, embarcações, instrumentos musicais, mobiliários, esculturas, gravuras, brinquedos, etc.

(Foto: divulgação | Julia Krantz)

E à frente de tudo, a natureza ainda nos abre, com sua generosidade, a possibilidade de resgatar valores perdidos de cooperação homem-meio ambiente, de estímulo à produção e consumo conscientes de bens duráveis, atóxicos e biodegradáveis e do trabalho do artífice que manuseia a madeira com amor e simpatia. Aprendi a respeitar a madeira e a entender sua personalidade e suas características, sempre me surpreendendo e me colocando de volta na posição humilde de aprendiz eterna.

(Foto: divulgação)

A escolha do tipo de madeira deve se adequar ao uso da peça produzida. Para cadeiras maciças, procuro usar espécies menos pesadas, como o freijó ou o cedro. Para mesas, a muiracatiara, o jatobá, o ipê ou o cumaru. E, para as minhas criações mais orgânicas, uso laminados de madeiras diversas, como cedro, teca, jatobá ou freijó, que dão tonalidades variadas e belos desenhos à composição.

(Foto: divulgação | Julia Krantz)

O projeto parte de uma ideia esboçada à mão que serve de referência para a confecção do protótipo ou para o projeto detalhado no computador. O trabalho na oficina é auxiliado por ferramentas manuais e maquinário tradicional, em um processo completamente artesanal, possível por meio do treinamento contínuo e da escolha coerente do ferramental a ser utilizado em cada etapa.

(Foto: divulgação)

Defendo a madeira por seu uso sustentável e inextinguível (se soubermos manejar conscientemente nossas florestas) e acredito que deveria ser sempre o material por excelência utilizado no mobiliário, por sua beleza e adequação. Não sei qual é o futuro do nosso mundo, mas acho que, se fizermos as coisas com consciência e atenção no presente, estaremos garantindo um porvir melhor para todos.

* Coluna originalmente escrita por Julia Krantz, convidada de Marcos Bertoldi, e publicada na edição #246 da revista TOPVIEW.

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