ESTILO

O cuidado da produção artesanal

Confira a coluna de Marcos Bertoldi na edição #242 da revista

Fernando Mendes é arquiteto, designer e marceneiro. Foi premiado diversas vezes, nacional e internacionalmente, como no prêmio Museu da Casa Brasileira e no IF Design, por exemplo, entre outros. Desenvolve um trabalho ancorado no fazer manual, com qualidades e características únicas e artesanais e uma produção limitada à capacidade do seu pequeno atelier. Em um momento em que muitos produtos são idealizados na prancheta e feitos industrialmente, o trabalho de Fernando é gestado e produzido com a sua participação direta, na marcenaria. Sua extrema habilidade e seu olhar preciso e cuidadoso nos capturam e surpreendem, com soluções nas quais o saber e a técnica no trato da madeira se impõem e condicionam o resultado final, que se revela elegante e natural, sem concessões estilísticas ou maneirismos de linguagem. A madeira, de origem florestal documentada, é o seu material natural, que o vincula às gerações anteriores de criadores brasileiros, renovando uma tradição modernista de tantos mestres nacionais. – Marcos Bertoldi. 

O trabalho de Fernando Mendes se caracteriza mais pela qualidade do que pela quantidade, pois é resultado de uma produção artesanal. Revela um autor preocupado em estabelecer um diálogo entre a tradição e a modernidade, entre o respeito às velhas técnicas construtivas, que ele domina, e o arrojo da concepção, que ele pratica como opção. “Meu trabalho sempre teve uma ligação estreita com o fazer da marcenaria”, explica. O uso do encaixe e a excelência do acabamento são mostras disso, sem falar no trabalho de lixar todas as peças à mão.

Autodefinindo-se como designer-marceneiro, ou artífice, Fernando Mendes confessa: “o próprio fazer da marcenaria me inspira.” De fato, a madeira não é apenas a matéria-prima com que ele cria beleza e funcionalidade: ela é, também, sua musa inspiradora, antecipando-se às vezes ao desenho, que, em geral, vem antes. O amor por um material que está na origem do país ao qual deu nome se manifesta pelo respeito com que o trata, adotando a transparência como estética e as imperfeições, os “defeitos”, como atributos. Aqui, não se procura escamotear os nós, os veios, as estrias, a textura irregular. Ao contrário, eles são expostos. Chama a atenção também nas cadeiras, poltronas e mesas de Fernando o fato de não terem quinas, pontas e arestas.

Os ângulos retos são suavizados pelos contornos e pelo arredondado das formas. É como se ele quisesse citar Oscar Niemeyer, que dizia: “não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta, dura, inflexível. O que me atrai é a curva livre e sensual.” Ainda, a sua ideia de não ser o “criador absoluto” e, sim, de incorporar o acaso e os erros ao processo de elaboração faz lembrar a “contribuição milionária de todos os erros”, de Oswald de Andrade.

Não por acaso, a peça de que ele mais gosta é a bela “Cadeira Santos Dumont”, com a qual quis “homenagear o inventor do avião e nosso primeiro designer”. Fernando avança sem deixar de olhar para trás. – Zuenir Ventura

1. Poltrona Sapão 2013

(Foto: Tomás Rangel)

Poltrona criada a partir da experiência do Fernando com a yoga. A prática chegou a influenciar até seus desenhos. A Poltrona Sapão ganhou esse nome porque se parece com o animal e também é o apelido da Renata, esposa do arquiteto – outra praticante das posturas indianas. Depois que a poltrona ficou pronta, ele notou que os pés dela lembravam uma das posturas mais importantes da yoga, a Adho Mukha, na qual o praticante apoia as mãos e os pés no chão fazendo a figura de um “V” invertido.

Dimensões: largura 75 cm x altura 60 cm x profundidade 72 cm.
Materiais: freijó, compensado moldado e couro natural.

2. Cadeira Santos Dumont 2006

(Foto: Tomás Rangel)

Em 2006, faria 100 anos do primeiro voo mecânico da história. Pensando em Santos Dumont, Fernando utilizou a palhinha nesta peça, uma referência às cestas de vime que o inventor usava em seus dirigíveis e também no 14 Bis. Os braços se assemelham ao perfil das asas do Demoiselle, obra-prima do inventor.

3. Banco Antonio 2009

(Foto: Tomás Rangel)

Banco simples e leve construído somente com peças torneadas: assento, três pés e duas travessas. Com altura de 43 cm – a mesma altura do assento de cadeira para mesa – é uma peça coringa, podendo ser usada para mais um lugar à mesa, como apoio para o jornal ou a revista ao lado da poltrona ou para apoiar os pés. O furo no centro do assento funciona como a alça para carregar o banco. O nome “Antonio” foi escolhido em homenagem ao torneiro português que, por mais de 10 anos, fez todo o serviço de tornearia das peças do Fernando.

Dimensões: altura 43 cm x diâmetro 35 cm.

4. Poltrona Dina

(Foto: Tomás Rangel)

Poltrona de porte pequeno para sentar-se com conforto. A intenção de desenvolver uma peça que remetesse ao aconchego e ao conforto de uma bergère, porém, com uma linguagem contemporânea, direcionou o projeto a soluções de assento e encosto estofados e estrutura de madeira em que evidenciam-se os encaixes. Produção que mescla o processo racionalizado da fabricação seriada, mas ainda valorizando a artesania em certos detalhes construtivos em que alguns encaixes são telhados à mão.

5. Bengala Erlanger 2009

(Foto: Tomás Rangel)

Criada para atender à solicitação de um colecionador de bengalas, foi o projeto mais rápido criado pelo Fernando. O desenho da pega da peça é em forma de grão de arroz. A haste no “grão” foi espetada e foram feitos testes de inclinação até que fosse encontrada a posição adequada. Quando a bengala ficou pronta, o designer Sergio Rodrigues foi presenteado com a de número 3. Ele gostou tanto que nunca mais utilizou outra bengala.

Prêmios: iF Design Award – 2009, Alemanha, e Designpreis Deutschland – 2010, Alemanha

*Matéria escrita por Fernando Mendes, convidado de Marcos Bertoldi, e publicada na edição #242 da revista TOPVIEW.

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