CULTURA LIVROS

Em busca do encontro

Cris Lira resenha Cemitérios, o recém-lançado romance de André Caramuru Aubert — escritor que já tem publicadas as obras A Vida nas Montanhas e A Cultura dos Sambaquis

Já dizia Vinicius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Estamos sempre em busca do encontro com o amor, de acertar no educar os filhos, de sucesso no trabalho, de estabilidade na família. E, com o passar dos anos, não raramente surge, também, o desejo por uma ponte que nos permita um encontro com aquilo que éramos e o que somos no presente. Mas, afinal, é possível nos encontrarmos com aquilo que fomos?

Cemitérios, o recém-lançado romance de André Caramuru Aubert — escritor que já tem publicadas as obras A Vida nas Montanhas e A Cultura dos Sambaquis —, é um exemplo deste “espaço do meio” que tenta atar diversos momentos da vida de várias pessoas, múltiplas histórias, buscando o encontro com um passado que ele só conhece por histórias que lhe foram contadas. Tudo isso através de um jogo narrativo que, apesar de exposto por uma voz anônima, convida-nos a sermos cúmplices de sua jornada.

Por meio de uma promessa feita a um tio-avô, que está intimamente relacionado a uma tia-avó do grande amor de sua vida, temos esse sujeito urbano, funcionário de um escritório, indo em busca de uma fazenda — Grotão — para que, ao encontrá-la, possa cumprir sua promessa. Ocorre que, como ressalta o narrador em determinado momento da obra, as viagens nos modificam profundamente, e o exercício da busca pela Grotão resulta em uma busca por si mesmo.

Do desconforto do estar num mundo que já não abriga o ser amado, Carlota, além da nostalgia cotidiana de um certo desajuste em estar vivo, a narração visita diversos momentos históricos, como o período da ascensão cafeeira e também o seu declínio. Mas, tudo isso em paralelo ao confinamento do narrador na sua vida de escritório das 8h às 17h e a sua solidão perene completamente perpassada pelos sentimentos de mal-estar, de se sentir inadequado.

Além da preocupação em “atar os fios” de diversas vidas e histórias, o livro também dialoga diretamente com três autores e obras da literatura brasileira que, como o autor ressalta no posfácio, “têm andado mais ou menos esquecidos”. São eles: Cornélio Penna, José Geraldo Vieira e Cyro dos Anjos. Há tanto empréstimos diretos,  como personagens, quanto o próprio desejo de recuperar uma atmosfera e um espaço presentes nessas obras. O romance também ecoa uma característica da escrita de Aubert, que é o penetrar da poesia no espaço da narração. Não se trata somente de prosa poética, mas, sim, da invasão da poesia em sua própria forma, matéria viva entre as personagens. Romance de diálogos, Cemitérios, portanto, resulta numa confluência de encontros literários, de histórias, de ruínas e, também, de sutis desencontros.

“Muita coisa se passara na propriedade dos antepassados da mulher que eu perdi, gente de quem eu ouvira tantas histórias, histórias que tinham seus bons capítulos de grandeza e fausto, de que os descendentes gostavam de se orgulhar, e outros tantos de decadência, ruína e loucura, de que preferiam se esquecer.”

Trecho do romance Cemitérios, lançado em 2013 pela Editora Descaminhos.

Cris Lira é mestre em Literatura Brasileira e estudante de doutorado na Universidade da Geórgia, nos EUA, onde dá aulas de português. clira@uga.edu

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