Coluna Elis Cabanilhas Glaser, maio de 2018
As mulheres sempre tiveram um papel peculiar no universo do vinho. Historiadores contam que, na Grécia Antiga, somente as sacerdotisas eram autorizadas a fazer uso da bebida – e apenas em cultos. Se fossem pegas bebendo em outras ocasiões, eram queimadas vivas! Em Roma, existia uma crença que atribuía ao vinho propriedades abortivas. Sem o consentimento do marido, o seu consumo era proibido para mulheres. Na cultura romana, o ato de tomar vinho poderia, ainda, equivaler ao adultério. Desse modo, os maridos beijavam suas esposas para se certificar de que não tinham sido tocadas pela bebida.
Mas a trajetória feminina no mundo dos vinhos é repleta de histórias fascinantes e vitoriosas. Barbe-Nicole Ponsardin, a famosa Veuve Clicquot, foi um dos personagens ícones. A Grande Dama de Champagne perdeu o marido aos 27 anos, quando se viu obrigada a assumir os negócios. Naquela época, somente as viúvas usufruiam de liberdade para administrar suas empresas e seu dinheiro. Empreendedorismo à parte, foi ela a inventora dos métodos remuage e dégorgement (processo de produção em que os sedimentos de levedura se acumulam no gargalo para serem expelidos posteriormente), que tornaram a bebida límpida e livre de resíduos. Esses procedimentos, imitados por produtores mundo afora, são utilizados até hoje. O vinho do Porto não conseguiria contar sua formação sem mencionar Antónia Adelaide Ferreira, a Dona Ferreirinha, do mítico Barca Velha, em Portugal.
Ela viuvou duas vezes e sempre liderou seus negócios. Bateu de frente com os ingleses, que dominavam o comércio do vinho do Porto, enfrentou pragas naturais devastadoras, herdou uma quinta, transformou seu patrimônio em mais de 30 propriedades e entregou-se de corpo e alma ao dever de ajudar os mais pobres. Quando faleceu, em 1896, deixou um império considerável, construindo umas das fortunas mais colossais de seu tempo. Em uma época mais recente, mas não menos desafiadora, uma grande dama deixou sua marca. Philippine de Rothschild era filha única e viveu sua infância durante a Segunda Guerra Mundial. Perdeu a mãe duas vezes, quando esta foi deportada para o campo de Ravensbrück e quando veio a falecer, em 1945.
Fez carreira como atriz, mas, quando seu pai, o lendário barão Philippe de Rothschild, faleceu, em 1988, largou o teatro para se dedicar à empresa. Como baronesa, assumiu com maestria o legado deixado pelo pai, que alçou o Château MoutonRothschild à categoria de Premier Cru (a mais alta da escala de Bordeaux). Foi na gestão de Philippine que a empresa cruzou o oceano e se estabeleceu nos EUA e no Chile, com dois projetos icônicos, o Opus One, em uma bem-sucedida parceria com Robert Mondavi, e o Almaviva, em conjunto com a Concha y Toro. Foi sob sua batuta também que lançou o segundo rótulo do Mouton, Le Petit Mouton, no início dos anos 1990. Se, por trás de um grande homem há uma grande mulher, por trás de um grande vinho há uma mulher melhor ainda!
Quatro vinhos com mulheres icônicas em suas histórias
*Coluna publicada originalmente na edição 211 da revista TOPVIEW