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A emoção do sabor: o segredo de Chung Sook Rim

Em uma pequena garagem no Bigorrilho, o Restaurante da Senhora Chung coleciona uma clientela fiel sob o comando de uma coreana incansável

A primeira tentativa de entrevistar a Sra. Chung foi um fracasso. Era uma sexta-feira, no horário de almoço. Não havia letreiro nem nada sinalizando que, em uma minúscula garagem na Rua Bruno Filgueira, no Bigorrilho, funciona o tão falado restaurante da senhorinha coreana. Um toldo verde e meia dúzia de mesas de plástico, todas ocupadas, denunciavam que era ali. Os pratos simples exibiam porções generosas de yakissobas, ornamentados com ovos fritos de gema mole. Alguns clientes pediam porções de rolinhos primavera ou guiozas – praticamente todo o cardápio da casa.

Indo e vindo da boca do fogão, Chung Sook Rim, uma mulher de menos de um metro e sessenta de altura, beirando os 70 anos de idade, era enfática com quem chegava perguntando se daria para almoçar. “Hoje não dá, querido. Ou espera duas horas ou volta outro dia.” O sotaque carregava a fala, apesar de mais de seis décadas de Brasil – 50 anos somente em São Paulo, cidade onde “cresceu e envelheceu”, roubando suas palavras, depois de atracar com a família no litoral brasileiro em um navio vindo de Seul (Coreia do Sul).

Chung Sook Rim
Foto: Theo Marques.

Ouvi aquela mesma resposta quando perguntei se poderia entrevistá-la, mas com uma promessa de conversa para o dia seguinte. Voltei no sábado. O restaurante tinha fi la de espera na calçada e descobri que, ali, a paciência é pré-requisito para experimentar um prato chunguiano, cujos temperos são tão honestos quanto o atendimento.

Casa simples

“Casa simples, querida”, a Sra. Chung disse, recado que traduzi como uma permissão para entrar e me debruçar sobre o balcão enquanto ela assumia sozinha e freneticamente o controle de todos os processos. Sozinha porque não gosta de assistentes. “Me incomoda colocar outra pessoa. Gosto de atender rapidinho, fazer tudo direitinho. Se tiver outra pessoa, já fica diferente e eles percebem”, disse, olhando de relance para os clientes lá fora. Na cozinha, a sra. Chung tem um olho no peixe, outro no gato e dois ouvidos apurados para tirar todos os pedidos.

Chung Sook Rim
Chung Sook Rim. Foto: Theo Marques

Quando pergunto se, nestes quase 13 anos abrindo de segunda a segunda para almoço e jantar, ela fechou alguma vez, ouço dela que ficou doente em dois momentos – teve gripes –,  mas que a clientela não a deixa fechar. “Eles não me deixam ficar em casa e eu não gosto de ficar em casa: tenho saúde.” Nessa hora, um rapaz entra na cozinha com a namorada. Chung reconhece o moço, cumprimenta amavelmente e pergunta: “Mudou, querido?” “Mudei”, diz ele. “Para fora do Brasil, infelizmente; sinto falta da sua comida, dona Chung.” “Que bom, querido… mas hoje não vai dar, não.” A franqueza da coreana desperta um riso geral.

Sra. Chung
Foto: Theo Marques.

“Eu não penso em dinheiro. Penso em quem vem aqui comer, conversar.”

Durante todo o tempo em que estive lá, nenhuma mesa esteve vazia. A frigideira estalava sem parar, a Sra. Chung montava pratos, fritava bolinhos, abria cervejas e cobrava clientes com um bom humor invejável. Às vezes, usando uma calculadora velha, às vezes, acompanhando os cálculos de cabeça que cada um fazia para fechar a própria conta – tudo pago em dinheiro, porque Chung não aceita cartão.

“Eu não penso em dinheiro”, disse ela. “Penso em quem vem aqui comer, conversar. Quero que sintam como se estivessem em família. Tenho muita consideração e respeito por todos.” Em uma das poucas vezes em que pausou suas atividades incessantes, a Sra. Chung fez um simbólico gesto de gratidão com os braços cruzados sobre o peito, entregando generosamente seu segredo mais precioso: manter um restaurante sempre cheio não é só sobre gastronomia. É sobre relações.

Além de Chung Sook Rim: conheça todos os personagens da matéria “A emoção do sabor”

Matéria escrita por Fernanda Maldonado e publicada originalmente na edição 226 especial Gastronomia.

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