ESTILO

Na mesa com Austrália: um guia de alta gastronomia por lá

Transposta a distância, a jornalista especializada Jussara Voss se aventurou pela gastronomia de Sydney e Melbourne que não está nos roteiros convencionais

O destino é para a maioria um pouco desconhecido. Mas, sem dúvida, deveríamos incluí-lo em nossos roteiros. Juro. É longe, dependendo da rota a viagem pode chegar a 30 horas, e caro. Ficamos meio zonzos nos primeiros momentos, resultado de um fuso de até 12 horas. O sotaque de seu povo é difícil de entender e o custo de vida é alto. Mas, com toda a certeza, imagino-me repetindo a rota. Pesquise rapidamente e verá as cidades australianas nas primeiras colocações de rankings de melhores lugares para se viver. Não é o suficiente? Pense então em uma natureza de tirar o fôlego, como a grande barreira de corais, o maior ecossistema do mundo, declarado Patrimônio Mundial e que passa de dois mil km de extensão; e na emblemática Opera House – para citar apenas duas atrações, porque é a gastronomia o que nos interessa.

Mais de 1,5 mil espécies de peixes e 3 mil de moluscos. Inúmeras vinícolas. Restaurantes com serviço primoroso. Tive a certeza de que a educada e elegante população de Sydney e Melbourne é feliz quando vi um café a cada esquina (eles levam muito a sério o preparo e a escolha dos grãos), ao lado de parques, galerias de arte e bibliotecas – e, pasme, nenhuma farmácia a cada 200 m. O transporte grátis numa área grande da cidade também conta, claro, para seu charme. Sem falar em segurança.

A floresta tropical do país lembra a Mata Atlântica, há praias lindíssimas e clima parecido com o nosso, porém, as semelhanças ficam nisso.
A água servida nos restaurantes sempre é gratuita. BYO (Bring your own ou traga sua própria bebida) é comum. O biscoito de chocolate Tim Tam, assim como o bolo de tâmaras coberto com caramelo (sticky date pudding) e os jantares ao ar livre são tão comuns como é, para nós, comer pastel na feira. A gastronomia expressa a forte identidade australiana com qualidade, simplicidade e valorizando ingredientes de produtores locais. O australiano se orgulha de sua terra e está sempre pronto para ajudar e receber bem os visitantes, para que eles reconheçam os atrativos do país, falem bem, espalhem e voltem. A mais pura verdade. Efeito bumerangue.

Comida descomplicada

Attica, Brae, Sepia e Quay são os quatro restaurantes mais cotados e famosos do país, figurando em qualquer guia turístico. Em direção contrária, desta vez deixei a chamada alta gastronomia de lado. Fui em busca de estabelecimentos que os locais frequentam, charmosos e mais baratos – enfim, comida descomplicada. Eis alguns que valem a visita.

SIDNEY

Fink Group

Talvez o leitor estranhe o destaque para uma rede. Explico: a corporação tem, entre muitas atividades, sete restaurantes. Vale escolher uma ou duas opções, pelo menos. A lista começa com o mais famoso, Quay, e inclui o Otto, que me foi muito recomendado, bem como The Bridge Room, Beach Byron Bay e o exclusivo Bennelong, indicado mais pela localização do que pela comida contemporânea, de influência asiática, pois está incrustado nas surpreendentes instalações da Opera House. Ali, a arquitetura é o que mais chama a atenção. Ir sem grandes expectativas é a dica, nem que seja para um aperitivo.
finkgroup.com.au

Firedoor

Passei pela esquina envidraçada, pela rústica e grande porta até o balcão, com vista para quatro churrasqueiras, um fogão e dois imponentes fornos, todos à lenha. Quem senta ali pode observar as madeiras especiais queimando, usadas para preparar ingredientes selecionados diariamente. O que vem depois é inesquecível. As surpresas começam com o pão e manteiga até a sobremesa. Não saia sem provar o sorvete ou a rara carne dry-aged (de 150 dias de maturação), ambos defumados, numa influência indígena. O cardápio muda diariamente. Antes de abrir o Firedoor, o chef Lennox Hastie passou por casas europeias, até fixar-se por cinco anos no País Basco. Se você conhece ou já ouviu falar no Asador Etxebarri, sexto lugar na lista dos 50 Best Restaurants, vai entender. Grave esses nomes.
firedoor.com.au

Billy Kwong

Kylie Kwong é uma celebridade no país. É o que podemos chamar de “show-woman”: chef, restauratrice, autora e apresentadora de tevê. Por isso, passar pelo enorme corredor e pela cozinha descortinada, já na entrada do restaurante, nos transporta para outro mundo. Olhamos para Kylie como se fôssemos velhas amigas. Não é comum encontrar alguém famoso e pensar “conheço essa pessoa”? Então, é isso, ambiente familiar e muito boa comida. O barulho da concha batendo na panela wok desperta nossos sentidos e abre o apetite. Estranhei apenas os cozinheiros de fone de ouvido, mas funciona, o serviço é eficiente. A maestrina comanda tudo fazendo sinais com as mãos para a orquestra afinada. E serve a autêntica comida “australiana-chinesa”. Peça picles, dumplings ou buns e pato laqueado, claro. É como se você fosse criança e estivesse em um parque de diversões. Vai sair dali feliz. billykwong.com.au

10 William Street

Assim a Austrália vai se revelando para quem não se assusta com a distância e lá chega: muitos lugares pequenos e charmosos, tocados por jovens chefs, que fogem do padrão de toalha engomada, e são mais acessíveis. Profissionais talentosos, desenham com competência cardápios enxutos, preparados por equipes também pequenas, e dão preferência a produtos locais e artesanais. São despretensiosos na essência. Sabor é o que tem mais valor. O 10 William Street é assim. E ainda tem uma bem preparada carta de vinhos e boa música, em ambiente descontraído. Um lugar para ir sempre que possível. Às sextas-feiras e sábados, abre do meio-dia à meia-noite, não é perfeito? Apenas dois inconvenientes: pode-se demorar para encontrar o restaurante, que fica num beco, e dar de cara com uma fila para entrar no minúsculo espaço e conhecer a cozinha italiana/asiática apresentada com toques australianos (a exemplo de sementes, carne de canguru, lagostim de água-doce…).
10williamst.com.au

MELBOURNE

Cumulus Inc.

Saber que tenho o dia todo, nos sete dias da semana, para visitar o endereço de Andrew McConnell é um alento. Isso é comum por lá: muitos estabelecimentos funcionam em horários estendidos. É possível escolher o restaurante para café da manhã, emendar um almoço ou lanche, fazer um aperitivo ou jantar depois. Como consegue ser bom oferecendo tantas opções é a charada. O ambiente é informal e de bom gosto, com boa comida: há entradas, aperitivos, enguia defumada da Tasmânia, pastrami, dumplings… O cardápio, como em outros estabelecimentos, muda com frequência. É um sonho, faz sucesso e está no centro da cena gastronômica da cidade.
cumulusinc.com.au

Minamishima

Chego cedo e logo perguntam se aceito uma taça de champagne. O premiado sushiman Koichi Minamishima já está trabalhando. Em se tratando de restaurante japonês, sentar no balcão é fundamental, e ali me acomodo. Em segundos sou transportada ao país oriental. Nada de excessos nessa elegante casa, harmonia e respeito estão presentes e o cliente é rei. Claro, os produtos são os mais frescos possíveis. Se a proposta é “intimate japanese dining”, eles acertam em cheio. O talento do mestre Minamishima brilha há 25 anos, com destaque internacional. O “omakase” (menu degustação), preparado com produtos locais e japoneses que chegam diariamente, tem uma sequência de sushis únicos, é coroado por um moti (bolinho de arroz) e o chá encerra a grande refeição. Com a oferta de frutos do mar do país, não perderia por nada a oportunidade de uma refeição em um restaurante japonês.
minamishima.com.au

Tipo 00

Informalidade sobra na casa italiana no centro de Melbourne – aliás, parece ser uma regra na cidade. O curioso nome é referência à farinha usada no restaurante, que oferece poucos pratos, também preparados com produtos fresquíssimos. Da cozinha, aberta para o pequeno salão, é possível acompanhar o balé dos cozinheiros e sócios Andreas Papadakis, Luke Skidmore e Alberto Fava. Além da focaccia caseira e irresistível, as massas disputam a superioridade com as cantinas da Itália. E podem ganhar das receitas clássicas, parecem saídas da casa da nonna. Nem por isso a sobremesa deixa de ter um toque moderno: o “tipomisu” é um brownie coberto com uma mistura de mascarpone, creme, rum e chocolate. Fica a vontade de repetir. É muito mais do que uma casa italiana moderna.
tipo00.com.au

Geralds Bar

Mesmo que esteja um pouco distante do centro (e é comum encontrar boas casas na periferia, já que os bairros residenciais têm charme e vida própria), colocaria na lista este endereço que acumula prêmios. Só o fato de ter uma “filial” em San Sebastián já avaliza a casa: a cidade no País Basco, na Espanha, é hors concours em comida e bebida. Desde 2006, o bar e restaurante informal que serve ostras, costelinhas de porco, salmão defumado (no estilo das tapas espanholas) bem frequentado, ganhou destaque também pela seleção musical. Os discos de vinil são escolhidos pelo brasileiro Gabriel de Melo Freire, que além de toques no cardápio – escrito em um quadro-negro, com poucas e boas opções –, assina a elogiada carta de vinhos e drinques perfeitos. Imperdível para esquecer das horas e sentir-se um local.
geraldsbar.com.au

The World’s 50 Best Restaurants

Melbourne, cidade que tem restaurantes de 70 nacionalidades, uma diversidade de dar inveja, foi sede neste ano do The World’s 50 Best Restaurants, festa que anunciou os 50 melhores restaurantes do mundo. Os restaurantes australianos Attica e Brae ficaram em 33º. e 44º., respectivamente.

*Matéria originalmente publicada por Jussara Voss, de Sydney e Melbourne, na edição 203 da revista TOPVIEW.

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