ESTILO

Manu, atraindo a atenção do Brasil

Chocolate com atum, farofa azeda de mandioca, coração de pato, fígado de galinha, brotos de beterraba, folhas de capuchinha, língua… Viajar pelo menu sensorial do Manu requer um tiquinho de espírito aventureiro para se deixar levar pela experiência. E como vale a pena libertar o paladar dos preconceitos. Num único micro snack encontra-se crocância e untuosidade, doçura e acidez, surpresa e prazer em perfeito equilíbrio, sobre louças e artefatos desenhados sob encomenda, cujas formas estão no limite entre arte e design. Na delicada sinfonia de texturas e sabores, tudo está afinado.

No jantar daquela sexta-feira de junho, o jazz embalava sua cozinha autoral e o serviço impecável, em meio à decoração contemporânea. Pela estreita abertura por onde se vê o movimento da cozinha desde o salão, apenas as mãos e os braços da chef ficam visíveis. Manu não se revela facilmente. O melhor jeito de desvendá-la, de fato, é provando sua comida. O cardápio, renovado a cada sete ou dez dias, é criado sempre de acordo com a sazonalidade dos produtos que ela encontra de seus fiéis fornecedores. “O que eu tento passar com a minha comida é a minha história, as coisas que eu vi e vivi”, conta a chef de 31 anos.

O restaurante na Alameda Dom Pedro II, com capacidade para 29 pessoas, é frequentado em sua grande maioria por turistas. Gente que passeia ou faz negócios na cidade ou que vem a Curitiba só para jantar ali, como o chef-celebridade Claude Troisgros, que escolheu o lugar para comemorar seu aniversário de casamento.

Leva-se quase quatro horas para provar o Manu, seu menu degustação mais completo, de 17 etapas (ao preço de R$ 240 + R$ 154 de harmonização). Ela é uma contestadora nessas terras de refeições fartas. O Manu é, desde sua inauguração, em 2011, um dos poucos restaurantes do Brasil a trabalhar exclusivamente com menu degustação, sem os generosos pratos à la carte – nesse seleto grupo estão o DOM, de Alex Atala, Lasai, do Rafael Costa, e o da Roberta Sudbrack, que leva o mesmo nome. “No começo as pessoas falavam que não ia dar certo. É difícil o curitibano aceitar um restaurante com essa proposta, pois está acostumado a comer em grande quantidade, daí o sucesso do Madalosso, um ícone na cidade”, diz Manu.

Bastidores

“Está bom, mas tente frito”, orienta a chef ao provar o nori (um tipo de alga) desidratado que sua sub-chef, Debora Teixeira, levou para ela experimentar horas antes do jantar. Manu é detalhista, exigente, pragmática, séria. Ela gosta de pôr a mão em tudo e dar um ok no final. “Não terceirizo nada. Escolho dos ingredientes e fornecedores aos vinhos e toalhas de mesa.” A cozinha do restaurante é silenciosa. Todos trabalham concentrados. Mas ela se transforma quando está com os pequenos produtores parceiros, que são tratados como se fossem da família. “Como vai Dona Sueli, melhorou da coluna?”, pergunta a chef enquanto caminha de manhãzinha pela plantação de hortaliças da chácara de orgânicos Silva, na divisa de Colombo com Pinhais, onde faz compras para o restaurante todas as terças e sábados. “Pra mim é a melhor parte do dia. É quando eu relaxo e jogo conversa fora”, diz Manu, escolhendo a dedo (e colhendo à mão) alfaces, cenouras, brócolis e … as ponteiras floridas das ervilhas. “Seu Zé não gosta que eu arranque, porque é de onde surgem as vagens.” O ingrediente inédito para muitos paladares surpreende o comensal, embora tenha um gosto familiar de ervilhas. “E como você descobriu isso Manu?”, pergunto. “Ah, eu vou colocando na boca e testando.” Uma vez aprovados, os ingredientes vão para um diário que ela abastece no restaurante, uma espécie de calendário de produtos da época. E lá estava: “Época das ponteiras do Seu Zé.”

Ela sabe que não há prato perfeito sem ingrediente perfeito. Voltando da chácara para Curitiba, Manu liga para seu açougueiro de confiança para encomendar as carnes de seu novo menu. “O que está melhor hoje, o assado de tira, a fraldinha? Separa bem limpinho, bem bonito, ok? Escolha com respeito!”, reforça. Todo esse cuidado chega até ser passional. “Sou ciumenta com as carnes e peixes. Não deixo ninguém pôr a mão. Só eu corto e fileto.”

Sonho de muitos chefs, ela abriu seu próprio restaurante com apenas 27 anos. Agora, quatro anos depois, o Manu foi eleito Restaurante do Ano pelo prêmio Melhores do Ano Prazeres da Mesa/Cacau Show. O momento-chave para sua projeção nacional aconteceu em 2012, quando ela ganhou o prêmio de Chef Revelação do Ano pelo Guia Quatro Rodas. Logo depois a revista especializada Prazeres da Mesa publicou uma matéria de capa sobre ela, o que alavancou sua carreira em nível nacional. Não demorou para cair nas graças do chef Alex Atala, que ficou impressionadíssimo quando foi ao restaurante dela: “Ela me assustou. Essa menina é embaixadora não de Curitiba, não do Paraná, é do Brasil!” Na esteira do sucesso, veio o convite para participar do Programa Estrelas da Rede Globo, e do The Taste Brasil, do GNT, cozinhou no Dalva e Dito de Alex Atala, e a quatro mãos no próprio restaurante com Thomas Troisgros, filho do Claude, e Roberta Sudbrack (ambos de casas estreladas pelo Guia Michelin no Rio de Janeiro).

Manu sempre teve como diferencial as inovações e, claro, os produtos regionais. “Quase ninguém trabalhava com ingrediente daqui naquela época. Na alta gastronomia em Curitiba, valorizava-se ingredientes franceses, italianos…”, lembra Eduardo Betinardi, que foi seu assessor de imprensa por cinco anos. “A Manu é um caso raro. Nos primeiros contatos você percebe que ela está onde está pela paixão. Estudiosa, maluca, inventora, a vida dela gira em torno da gastronomia”, diz.

Sua assessoria de imprensa agora é de São Paulo e tem uma pessoa aqui só para cuidar da sua agenda, que nos últimos dois anos ficou repleta de viagens, palestras e eventos pelo país. “Foi tudo muito rápido. Nunca imaginei que teria que lidar com tudo isso”, reconhece a chef. Mas Manu quer mais. “Trabalho para que o Manu conquiste seu espaço na gastronomia nacional. Quero mostrar quem eu sou, de onde vim e divulgar a gastronomia do meu Estado”, diz, reconhecendo que o Paraná, apesar de ser o grande celeiro do país, perdeu-se na gastronomia. “A gente tem muito peixe no litoral, tem o camarão nativo, ostra, mel nativo, só falta descobrir e dar valor.”

Disposição para isso não falta a Manu. Incansável, ela trabalhou durante toda a gravidez de Helena, sua primeira filha, que nasceu em 29 de janeiro deste ano. Com sete meses de gestação estava comandando um banquete para cem comensais na vinícola Villaggio Grando – na edição Santa Catarina do Gastronômade – restaurante itinerante sem paredes. No momento desta entrevista, realizada na tarde de 12 de junho, dia dos namorados, uma das datas mais agitadas do ano para os restaurantes, Manu se recuperava de uma cirurgia de emergência. Teve que interromper uma perigosa gravidez nas trompas e tivera alta dois dias antes. Contrariando as recomendações médicas, ali estava coordenando todo o trabalho do jantar que seria realizado em dois turnos naquela noite, já com as reservas esgotadas. “Não consigo ficar parada. Me sinto mal de não poder vir trabalhar enquanto meus funcionários estão aqui.”

Nem o nascimento recente da Helena fez Manu desacelerar. Ela diz que a bebê não mudou sua rotina de trabalho. “A Helena veio agregar, fiquei mais sensível na maneira de pensar e cozinhar, vi de forma diferente os ingredientes, a forma da vida.”

De jornalista a chef

“Sempre me imaginei usando terninho, pasta, sendo uma executiva. Meu projeto de vida era fazer televisão”, diverte-se ao lembrar de suas antigas ambições no Jornalismo. Mas a vida lhe reservou uma reviravolta. Trancou a faculdade e aos 18 anos viajou aos Estados Unidos para aprender inglês. Lá, trabalhou em hotéis como garçonete, mas se metia muito na cozinha porque dependia das gorjetas. “Sempre dava pitacos no trabalho do chef. Dizia: ‘Põe mais frutinha aí na panqueca’.” Até que um dia faltou uma menina da cozinha e o chef perguntou se Manu topava substituí-la. “Tive que desossar caixas de frango e não sabia como fazer, estraguei tudo, mas fui aprendendo.” Já fora do programa de estudo, decidiu pescar no Alasca para levantar dinheiro. “No navio, limpava peixe, tinha que dormir no saco de dormir por dias. Um horror!”

De volta a Curitiba, acabou convencida pela mãe a fazer hotelaria no Centro Europeu. Mas logo percebeu que o negócio dela era mesmo cozinhar. Cursou o Italian Culinary Institute for Foreigners (ICIF), no Piemonte. Ao retornar a Curitiba, começou a dar consultoria no Hotel Rayon (atual Deville Business Curitiba), e logo recebeu oferta para comandar a cozinha do empreendimento. “Eu só tinha 24 anos, nunca tinha trabalhado com isso na vida e tinha que liderar mais de 30 funcionários.” Foi ali sua grande escola, onde aprendeu a lidar com gente, a comprar e negociar produtos. “Antes as pessoas tinham medo de mim, mas depois fui aprendendo que o importante de um líder é fazer as pessoas te respeitarem pelo que você é, pelo seu conhecimento.”

Naquele ano, o Noma, de Copenhague, na Dinamarca, a aceitou para um estágio de três meses (quatro anos depois o restaurante seria eleito o melhor do mundo pela revista Restaurant). “Vi como o René [Redzepi] trabalhava com os produtos frescos e locais e aí me apaixonei. ‘É isso que eu quero!’, pensei.”

Ano passado a chef abriu o segundo restaurante, a poucos metros do Manu, o MB Brasserie em sociedade com a sommelière Tháys Ferrão. “Mas nosso santo não bateu…” Sociedade desfeita, Manu sentiu dificuldades em tocar o negócio sozinha. Em fevereiro deste ano entraram três sócios: o chef Rodrigo Martins, Elis Ribas e Dudu, irmão de Manu, como sócio-investidor. A casa mudou o nome para MB Mercearia Brasileira, reformulou o cardápio (agora com uma pegada mais assumidamente tupiniquim, como tutu de feijão e picadinho), passaram a vender produtos orgânicos de pequenos produtores do Estado e baixaram os preços do almoço de R$ 29 para R$ 23, com entrada, prato principal e acompanhamentos. O resultado? Os clientes triplicaram. “Nesses tempos de crise na economia, ou a gente fecha ou se adapta”, diz a chef.

O futuro

Natural de Maringá, Manu é apegada à sua terra e seus frutos, e tem orgulho de onde veio. Desencanada, sem frescuras, é daquelas que fica muito mais feliz em pegar uma canoa para visitar um fornecedor do que viajar de primeira classe. Por essa razão, não pensa em abrir um restaurante numa grande cidade. “Em São Paulo não conseguiria visitar todo dia os produtores por causa do trânsito. Só sairia de Curitiba se fosse para morar numa chácara aqui perto.” Mas seu projeto futuro, na realidade, é bem mais simples. Não quer expandir o Manu e sim estruturar uma grande cozinha de produção (para o pré-preparo dos alimentos). “Temos fila grande para estágio hoje e não conseguimos atender a todos.”

Para contrabalancear a rotina puxada do restaurante, nos fins de semana o que ela quer é ficar com a família em casa, lendo um livro, assistindo filmes e cozinhando para o marido. “Mas dessa vez sem pressão, sem cobranças”, diz. E sempre com muito amor e alma.

2 comentários em “Manu, atraindo a atenção do Brasil”

  1. Que linda essa reportagem. Dá vontade de largar tudo e investir no próprio sonho (na própria vocação). Realmente, quando a pessoa faz seu trabalho com amor e dedicação o resultado não pode ser outro que não seja o sucesso.
    Que a Manu continue voando alto e levando o nome do nosso país e estado pelo mundo afora. Eu particularmente só provei as delicias dessa renomada chef em feiras gastronômicas, mas ir ao restaurante dela faz parte da minha “bucket list”, uma hora dá certo!!

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