Criados por avós: histórias de quem recebeu amor em dobro
Uma das lembranças mais fortes que conservo da infância é meu avô me levando na garupa da bicicleta até o jardim de infância. Aliás, percebo que grande parte das minhas memórias dessa época está relacionada aos meus avós maternos. Com um pai ausente e uma mãe que trabalhava muito para tornar a minha vida e a da minha irmã mais confortável – cenário comum entre os nascidos no século 21 –, coube a meus avós a tarefa de servir o café da manhã, olhar e cuidar no contraturno e, em paralelo (ou, quem sabe, exatamente com isso), ensinar valores como responsabilidade, honestidade, educação.
Ao passear pelo meu círculo de amizades, não é difícil encontrar outros criados por avós. Seres privilegiados que se gabam por ter duas mães ou dois pais, mas que admitem, eventualmente, que se sentiram (sim) diferentes do todo. “Na escola, sempre perguntavam onde estavam minha mãe e meu pai (que eu nem cheguei a conhecer) e por que eu não morava com eles”, lembra a social media Carolinne Moraes, que nasceu na casa dos avós maternos, Juraci e Edney, e por eles foi criada como uma quinta fi lha.
Vinte anos foi o tempo que Carolinne levou para encontrar a resposta: “Entendi que só ganhei sendo criada pelos meus avós. Sei que fizeram até mais do que minha mãe poderia ter feito quando nasci”, afirma. “Sempre achei que um dia a Carol iria querer morar com a mãe”, admite dona Juraci, ainda que isso nunca tenha acontecido.
Para ela, foi mais fácil criar a neta do que os filhos, educados em outro tempo e condições. Carolinne, por exemplo, fez faculdade particular e só trabalhou depois que se formou – luxo do qual os quatro filhos de Juraci e Edney não desfrutaram. Foram os dois, inclusive, que a ajudaram a sair de casa, mesmo que tenha sido sofrido. “Edney não queria deixar de jeito nenhum, mas o convenci de que ela precisava disso, saber o preço das coisas, ter responsabilidade por um lar”, conta Juraci, que hoje vê a neta voar solo.
Com a jornalista Julia Nascimento foi um pouco diferente. Ainda que tenha sido criada pela avó a mãe esteve sempre por ali. “Sempre achei normal ter duas mães, até achava que com as outras crianças acontecia o mesmo”, recorda. Dona Dina, que cuidou de Julia até o fi m do Ensino Médio, lembra o primeiro dia de creche. “Saí sofrendo. Não aguentei e fui buscá-la. Ela também estava gritando no portão”, conta. A sensação de ter “perdido” uma parte de si se repetiu há um ano, quando Julia saiu de casa. “Até hoje subo ao quarto dela e choro. Ninguém vê.”
Foi dona Dina também quem mais a incentivou a estudar. “Ela sempre me dizia que uma mulher deve ser independente e que isso se começa estudando”, diz a jornalista, que credita as aprovações em duas universidades federais à avó. “Julia me enche de orgulho, melhor neta não há”, derrete-se dona Dina, sem perceber que, se assim aconteceu, o mérito é todo dela.
Adeus, vovô
Um conto sutil acompanhado de ilustrações encantadoras trata da ausência de um ente querido em A ilha do vovô (Editora Salamandra), livro de Benji Davies. Na história, Syd e seu avô vão para uma ilha mágica, um lugar tão especial que faz com que um deles decida ficar por lá. À venda na Livraria da Travessa, Cia dos Livros e Livraria da Folha.
“Desenhos para meus netos”
O simpático vovô Chan, de 75 anos, aprendeu a usar o Instagram para manter contato com os três netos, que moram na Coreia da Sul e em Nova York (EUA). Com frequência, ele publica desenhos acompanhados de pequenas histórias, dirigidas às crianças. Acompanhe no @drawings_for_my_grandchildren.