Por um mundo mais feliz!

Quando eu era adolescente, para  ir para a escola havia dois caminhos possíveis desde a minha casa. Em um deles, eu virava à esquerda e depois de chegar a uma determinada rua e caminhá-la inteirinha, chegava à escola. No segundo, à direita, eu fazia um contorno enorme para chegar ao mesmo destino. Você deve imaginar que obviamente eu escolhia o primeiro, mas não. Durante os longos anos de escola, era pelo segundo que eu seguia.

Moradora de um bairro da periferia, com seus bares repletos de bêbados e desocupados, eu preferia fazer uma caminhada de 30 minutos a ter de me aventurar àqueles olhares. Não havia nada que eu pudesse fazer para evitá-los. Se estivesse de saia, falavam das minhas pernas. Se estivesse de calça, comentavam do bumbum. Lembro-me de desejar ardentemente que eu fosse invisível.

Essa história se passou comigo, mas certamente ainda acontece nos dias atuais pelas ruas do mundo. Veja-se, a exemplo disso, o vídeo, que se tornou viral há poucos meses, de uma jovem caminhando pelas ruas de Nova York, além do documentário em andamento inspirado pela campanha “Chega de FiuFiu”, feita pelo site Think Olga (thinkolga.com).

Na linha da história particular que mencionei acima, surge a voz da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Intrigante, envolvente, cheio de energia e… de histórias que nós, mulheres, de diversos países, estamos cansadas de ouvir e presenciar, Sejamos Todos Feministas é uma espécie de livro-manifesto, que nasceu da tradução da célebre conferência feita por ela em dezembro de 2012 no TEDxEuston. Escritora de reconhecimento internacional, traduzida para mais de 30 idiomas, publicou recentemente no Brasil o seu romance Americanah (2014) também pela Companhia das Letras. Aliás, os direitos da obra foram comprados por Lupita Nyong’o que, em 2014, ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo filme Doze Anos de Escravidão.

Partindo de histórias da infância, do primeiro momento em que, ainda sem o saber que o era, recebeu a alcunha de feminista pelo amigo Okoloma, Chimamanda estabelece um percurso no livro que aponta a sua apropriação da palavra feminista como um espaço de resistência, retirando o peso de ter sido algo atribuído a ela. A partir daí, ela desconstrói outros tabus que orbitam o termo, como o de “ser uma mulher infeliz que não consegue arranjar marido”, ou o de que o “feminismo era antiafricano”. Leitura obrigatória para homens e mulheres, Sejamos Todos Feministas, até o momento da produção desta coluna, estava disponível gratuitamente em formato e-book nos sites de livrarias diversas. A versão impressa chega às livrarias em fevereiro.

“O problema da questão de gênero é que ela prescreve como devemos ser em vez de reconhecer como somos. Seríamos bem mais felizes, mais livres para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas de gênero”.

 

Cris Lira é mestre em Literatura Brasileira e estudante de doutorado na Universidade da Geórgia, nos EUA, onde dá aulas de português. Email: clira@uga.edu

 

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