Contos em Tom Maior

Você já pensou em como seria a sua vida se você pudesse criar uma trilha sonora para ela? Ou, ainda melhor, se em cada momento uma música tocasse por si mesma durante as ações do cotidiano? Nos filmes, as canções dão a textura da cena, enriquecem o drama, compõem a perfeição do quadro. Ao ler Vou te Contar: 20 Histórias ao Som de Tom Jobim, lançado em dezembro pela Editora Rocco, senti-me mergulhada no universo de Jobim em todos os sentidos. De repente, não era o meu apartamento, era o Rio com as suas praias e gente bonita. Já não era o canto isolado da cama apropriado para a leitura, mas a varanda de um hotel em Copacabana. E a trilha sonora de Wave a Águas de Março.

20 histórias para celebrar os 20 anos desde a partida de um dos mais importantes nomes da música brasileira, Tom Jobim (1927-1994), Vou te Contar vai muito além de uma compilação de histórias inspiradas nas canções do parceiro e grande amigo de Vinicius de Moraes. Trata-se de uma obra que resgata a ideia do quanto há músicas que de fato norteiam os diversos momentos da vida. Organizado pela poeta e tradutora premiada Celina Portocarrero, as narrativas são assinadas tanto por autores veteranos como Silviano Santiago com o conto “Cai a Tarde”, que discorre sobre um rompimento e a relação existente entre amor e culpa, quanto por autores estreantes, como é o caso de Sandra Luz com o conto “Esquecendo Você” que, tanto quanto a canção, descreve o processo de ter que passar a vida esquecendo um grande amor.

Entre amores que vêm e vão, a intertextualidade anunciada nos títulos dos contos que remetem a canções surge também no diálogo com outras obras da literatura universal. No provocativamente colorido e sonoro “Querida” que anuncia em sua abertura, “Para mim é sempre noite”, temos o diálogo com a saga de Ulysses e Penélope da Odisseia. Já em “Na Solidão da Noite”, de Claudia Nina, ressoam os ecos do poema de Edgar Allan Poe O Corvo. Além disso, há as referências às figuras femininas presentes em diversas composições musicais de Tom Jobim. Uma delas é Gabriela do conto homônimo de Henrique Rodrigues que narra o universo feito de cotidiano e palavras da personagem com o mesmo nome e a educação da/pela leitura/literatura. Uma outra é a Luiza construída de memória e referências a experimentação do amor no belo conto de Lúcia Bettencourt.

Permeada pelas águas e geografia carioca, a obra inicia com a chegada de um amor trazido pelas ondas do mar, uma daquelas que a gente pula no ritual de ano novo em busca de renovação, “minha mão na sua mão”. O encerramento, por sua vez, dá-se com a poesia de um “beijo assustado” ao ritmado som das águas que fecham o verão e trazem uma promessa de vida ao coração.

“Finalmente, alguém tinha reconhecido a fantasia da moça, que não era nem bailarina, nem parafuso e muito menos um pião. Era, sim, uma colombina criada à sua moda e que agora havia encontrado não só quem dissesse o seu verdadeiro figurino, como também a acolhesse na condição de par; não estava mais só na escuridão.”

 

Cris Lira é mestre em Literatura Brasileira e estudante de doutorado na Universidade da Geórgia, nos EUA, onde dá aulas de português. Email: clira@uga.edu

 

2 comentários em “Contos em Tom Maior”

  1. Eu sempre pensei sobre como a vida seria mais interessante se tivessémos mesmo música ambiente no dia a dia de acordo com cada uma das ações do cotidiano. Música do Tom, na minha vida, é certeira! E agora também com literatura. Obrigada pela rica dica, Cris Lira. E parabéns, Top View, pela coluna livros que é a parte da minha dose cultural.

Deixe um comentário