Cachaça – o único destilado genuinamente brasileiro

A cachaça foi renegada pelas elites durante anos. Por ter nascido com os escravos, por volta de 1532, ganhou má fama e teve seu consumo restrito a botecos como bebida de pouca qualidade. Até hoje a cachaça recebe a culpa de tudo de ruim que outras bebidas alcoólicas provocam. Quem nunca ouviu dizer que aquele sujeito é um cachaceiro, sem que ele tenha ingerido sequer uma dose de cachaça, mas talvez outra bebida?

Esse conceito pejorativo vem diminuindo graças à melhoria na qualidade de produção, aos formadores de opinião e à fiscalização mais ostensiva, exigência do mercado consumidor. Mas a cachaça ainda carece de reconhecimento nacional. Ainda há brasileiro que prefere ostentar em sua mesa a garrafa de um péssimo uísque em vez de uma excelente cachaça.

Produzida a partir da destilação do caldo de cana-de-açúcar fermentado — da fermentação do melaço seria rum —, a cachaça verdadeira deve ser produzida apenas em território brasileiro, ter graduação alcoólica de 38% a 48% e não levar especiarias ou qualquer outro ingrediente. Caso contrário, é simplesmente aguardente.

O Brasil produz hoje cerca de 1,3 bilhão de litros de cachaça, e os estados não tão tradicionais, como o Paraná, começam a se destacar como produtores de qualidade. No maior ranking de cachaças do país, promovido pela Cúpula da Cachaça em 2014, com participação de cerca de 6 mil rótulos, duas paranaenses se destacaram: a Companheira, de Jandaia do Sul, em 7º lugar, e a Porto Morretes, em 14º. A Cacharitiba, evento que acontece anualmente no Mercado Municipal de Curitiba com vários produtores, vem valorizando a cachaça e colocando-a num lugar de destaque.

Temos a cachaça pura ou prata — que descansa em tanques de aço inoxidável — e as amadeiradas, que passam por barris de madeiras. As mais elitizadas são conhecidas como Premium e ficam na madeira de 1 a 3 anos. As Extra Premium  envelhecem por 3 ou mais anos.

Em forma de doses ou em drinques, acompanha todos os tipos de pratos, exceto massas. Cachaças sem madeira harmonizam com pratos bem condimentados, como uma moqueca. As amadeiradas vão bem com pratos simples como o churrasco. A mesma analogia serve para os drinques: com frutas aromáticas, uma cachaça pura; com frutas não aromáticas, uma cachaça amadeirada.

Cachaça pode ser bebida gelada? Sim, mas o ideal é só uma pequena pedra de gelo dentro da taça para quebrar a acidez e não perder os aromas. Tem prazo de validade? Não, se bem guardada e bem vedada. Cachaça que arranha a garganta é porque tem muito álcool? Não, o que “arranha” é a acidez e não o álcool. A cachaça boa deve dispersar-se na degustação. Cachaça do santo deve ser respeitada? Fique à vontade com sua religiosidade, mas ao meu ver se é boa, beba, não dê pro santo. Se ela é ruim…Dê pro santo, mas ela toda, não beba.

 

Manoel Agostinho Lima Novo é sommelier de cachaças. Autor de livro Viagem ao Mundo da Cachaça e fundador da Cúpula da Cachaça.

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