Reciclagem se aprende na escola
O Brasil gerou, ao longo do ano de 2018, um total de 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos, de acordo com a última edição do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Mas, embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos seja lei desde 2010, apenas uma pequena parte desse volume é efetivamente reciclada.
Ainda tomando 2018 como exemplo, um estudo encomendado pelo Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico (PICPlast) mostrou que apenas 22% do plástico descartado foi reciclado. O índice é muito baixo, principalmente quando se olha o cenário internacional. A União Europeia, no mesmo período, reciclou 75% do plástico gerado em seu território. “Esse cenário é consequência de uma cultura que não dá ao tema a devida relevância. Por isso, a escola tem papel fundamental para a construção de um futuro em que a reciclagem seja uma prática mais difundida”, afirma a assessora pedagógica da Editora Aprende Brasil, Josimeire de Lima Sobreira.
Para Alexander Turra, professor do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo, responsável pela Cátedra UNESCO para Sustentabilidade dos Oceanos, mudar essa realidade é fundamental para que se possa construir uma economia circular – uma lógica que transforma resíduos em matéria-prima e faz com que o ser humano deixe de pressionar os recursos naturais. “Isso traz mais lucidez ao processo de consumo e descarte”, explica.
Josimeire avalia que o descarte é um dos mais graves problemas ambientais da atualidade. “Em muitos municípios não há aterros sanitários, então ele é feito em lixões, sem nenhum cuidado, fato que provoca danos não só ao ambiente, mas também aos seres humanos”, alerta. Ela explica que a abordagem para que as crianças compreendam a importância da reciclagem passa, primeiro, pela compreensão da realidade vivida por elas.
Gincana de reciclagem
Algumas reflexões podem ser úteis para os professores. Por exemplo, qual é a realidade do município em que a criança vive? Como são feitas a coleta e a destinação do lixo nesse local? “Se possível, é uma boa ideia trazer para a escola alguém que possa falar sobre essa realidade”, aconselha Josimeire. Em seguida, por meio de técnicas lúdicas como jogos, brincadeiras e canções, é preciso gerar a consciência de que a separação do lixo é uma das formas mais simples de cuidar do planeta. Por fim, é fundamental fazer com que essas práticas se tornem recorrentes entre os alunos.
“Uma opção para começar o processo de conscientização é propor, no início do ano letivo, uma gincana cujo objetivo é que cada turma leve para a escola produtos derivados da reciclagem (papel, vidro, plástico, metal), que sejam pesados e, posteriormente, doados e/ou vendidos Assim, quando o ano acabar, a turma vencedora pode ser premiada”, propõe. Segundo a educadora, a ideia, além de naturalizar a relação dos alunos com a coleta seletiva, também pode ajudar a levar esse costume para dentro das casas desses alunos, transformando assim os hábitos de famílias inteiras.
Turra destaca que, além do ganho ambiental, a reciclagem traz também um ganho econômico e social, “especialmente voltado a um setor que não é muito lembrado, que é o dos catadores e cooperativas de reciclagem. Nesse sentido, há uma oportunidade de geração de emprego digno, renda e bem-estar para um contingente enorme de pessoas”, reflete.
Abordagem interdisciplinar
De acordo com Marco Aurelio Pereira Bueno, assessor pedagógico da Editora Aprende Brasil, a reciclagem é parte dos conteúdos de Ciências no 2º, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental. No entanto, para que as crianças de fato se conscientizem da relevância desse assunto, é importante tratar dele de forma interdisciplinar.
“Na Matemática, podem-se abordar as toneladas de lixo que são descartados sem nenhum tipo de separação, causando grande dano ao meio ambiente. Em História, é possível apresentar o avanço do consumismo ao longo dos séculos e o consequente aumento do lixo. Em Arte, trazer as possibilidades de produções a partir dos materiais recicláveis. Em Educação Física, criar jogos e brincadeiras a partir do lixo reciclável. Em Língua Portuguesa, propor a produção de contos, poemas e histórias que tenham como pano de fundo a reciclagem. Em Língua Inglesa, trabalhar com palavras que estejam vinculadas à temática, ampliando assim o vocabulário das crianças”, exemplifica.
Para Turra, a mudança de comportamento ocorre quando três coisas acontecem. “A primeira é o conhecimento, a informação e a ciência. A segunda é a emoção, que mexe com outros aspectos da cognição das pessoas. A terceira é a vontade de fazer algo acontecer. O jeito de se fazer isso é trazer os alunos para o protagonismo, compartilhar com eles o problema e fazê-los entender que eles são parte da solução. Tudo isso tem que fazer sentido para eles”, finaliza.