Quando as coisas dão certo
Alguns técnicos de futebol são geniais. Thomas Tuchel levou o Chelsea à vitória da Champions League (principal torneio de clubes de futebol do mundo) este ano, após já ter conduzido o Paris Saint-Germain (PSG) de Neymar à final no ano passado. E o que falar de Pep Guardiola? Como técnico do Manchester City, onde jogam Ederson, Gabriel Jesus e Fernandinho, conquistou a Premier League (o campeonato nacional inglês) três vezes, e guiou seu time à final da Champions pela primeira vez na história. Com isso, poucos ainda lembram que os citizens também conquistaram a English Football League Cup (a copa da liga inglesa), em abril, vencendo um corajoso e lutador Tottenham, de Londres. Mas, alguém sabe quem é o técnico do clube da capital inglesa?
A pergunta não é de toda absurda, visto que os spurs têm trocado várias vezes de treinador ultimamente. Antes era o badalado argentino Mauricio Pochettino, que atualmente treina o PSG. Depois, o ranzinza e teimoso português José Mourinho, dispensado exatamente antes da final contra o City. Então, assumiu o jovem, de apenas 30 anos, Ryan Mason, que estava treinando as categorias de base do clube. Mas, como? Não é muito novo? É possível alguém com essa idade chegar para treinar um dos maiores times da Europa? E depois de Pochettino e Mourinho? Bom, essa história não é simples.
Mason iniciou sua carreira como jogador no próprio Tottenham, em 2008. E acredito que a sua vontade era de ainda estar lá no campo, ao lado do coreano Son, de Harry Kane e do ex- são paulino Lucas Moura. Mas, sua carreira como jogador terminou quando defendia o Hull City, em um jogo contra o Chelsea na Premier League em janeiro de 2017.
Aos 13 minutos desse jogo houve um escanteio. Na área, tanto Mason quanto o zagueiro Gary Cahill do Chelsea saltaram para alcançar a bola, e houve um choque entre as cabeças. Restaram os dois estendidos no gramado. Mason descreveu a sensação como “uma força enorme esmagando a minha cabeça. Foi uma dor impossível de imaginar. (…) Lembro de o médico vir correndo (…), de fazerem aquelas verificações após uma lesão na cabeça. (…)
A dor era insuportável, era como se tivesse uma bomba explodindo na cabeça, na têmpora direita”. O médico do clube, Mark Waller, viu a gravidade do quadro, e o acompanhou para o hospital mais bem preparado para uma neurocirurgia de urgência para traumatismo craniano. Em 61 minutos, a contar do início da avaliação no campo, o jogador estava sendo operado. Mason sempre agradece ao Dr. Waller pelas várias escolhas certas durante o atendimento, que assim puderam deixá-lo em condições para viver quase normalmente.
Choque entre cabeças em esportes de contato como o futebol não são incomuns. A preocupação nos Estados Unidos é enorme, e ligas como a NFL (de futebol americano), a NBA (de basquete) e a MLS (de futebol) têm regras muito rígidas para a concussão cerebral, quando uma batida da cabeça leva a alterações cerebrais. Os ingleses são exemplo, e têm se tornado referência mundial em protocolos para concussão cerebral no futebol. No Reino Unido, como em outros países sérios, um jogador que bate a cabeça e tem alteração de consciência não volta ao campo, simples assim. Há inclusive a possibilidade de uma substituição de jogador, além das regulamentares, nesses casos.
Na final da Champions deste ano isso ocorreu novamente, com o melhor jogador do City, Kevin de Bruyne. Ele sofreu uma concussão, e foi imediatamente retirado do campo. A FIFA também já tem testado essa regra em algumas competições.
Algumas pistas podem ajudar o médico do clube e o árbitro da partida a identificar uma concussão após uma batida na cabeça de um jogador:
(a) jogador fica imóvel no gramado;
(b) lentidão para levantar-se;
(c) confusão mental;
(d) olhar vazio;
(e) desequilíbrio, tropeço, dificuldade para andar;
(f) ferimentos na face ou na cabeça.
De Bruyne, inclusive, apresentou todos esses sinais, e depois foi filmado com hematomas na face. Infelizmente, ainda observamos jogadores com essas características voltando ao jogo, em várias partes do mundo. Alguns são retirados desmaiados alguns minutos depois. E atenção! Essas pistas também valem para o futebol do final de semana e para o treino na escola. Bater a cabeça durante um jogo não é brincadeira! As complicações agudas e crônicas da concussão cerebral são sérias e, principalmente, evitáveis.
Mason quis voltar a jogar, mas foi advertido de que outros traumas na cabeça poderiam ocasionar complicações como epilepsia ou demência. As consequências de traumatismos cranianos em jogadores são abordadas no filme “Um homem entre gigantes” (Concussion, Sony Pictures, 2015), no qual um destemido médico neuropatologista interpretado por Will Smith denuncia a ocorrência de encefalopatia traumática crônica em jogadores de futebol americano, é imperdível. Deste mal também sofreu um ídolo brasileiro, o zagueiro e capitão que levantou a taça na nossa primeira conquista de copa do mundo, Hideraldo Bellini. Ele faleceu aos 83 anos com demência, decorrente do quadro de múltiplas concussões cerebrais.
A Academia Brasileira de Neurologia elogiou em artigo específico a atitude da FIFA em divulgar a importância de se tratar com seriedade a concussão cerebral e instituir a substituição extra nesses casos. Observamos uma onda positiva em favor da conscientização e da instituição de protocolos de atendimentos aos atletas que sofrem concussão cerebral durante os jogos. Que aqui no Brasil, também façamos nossa parte. Que as coisas possam dar certo pela nossa competência, e não por sorte.