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Próximo embarque: voluntariado

O fotógrafo Henrique Schmeil conta suas experiências com intercâmbio voluntário mundo afora

Enquanto o turismo contribui com milhões de euros para a economia global — foram registrados €7,8 mil milhões, em 2019, pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, World Travel & Tourism Council) — o trabalho voluntário acaba sendo o destino de viajantes que, para além de turistar e viver uma cultura diferente, têm o propósito de ajudar a quem precisa. Henrique Schmeil, meu convidado para a coluna desta edição, vive o voluntariado desde cedo e conta, a seguir, suas experiências com projetos sociais:

Henrique Schmeil (Foto: divulgação)

Minha alma prospera em chamar atenção para questões globais e problemas sociais que geralmente são ignorados pela mídia. Eu sempre gostei de passar muitas horas dissecando os problemas da sociedade e pensando em suas soluções viáveis. Desde que eu me lembro, meus objetivos de vida sempre foram perfeitamente claros – não importa o setor, campo ou área de especialização, eu queria seguir uma carreira onde eu podia beneficiar aqueles que estavam sofrendo de alguma forma.

Aos 18 de anos de idade fiz o meu primeiro serviço voluntário de 2 anos no Japão. Aprendi a falar japonês, cozinhar, e usar o construtivo final do egocentrismo: ajudar os outros a prosperar. Quando realmente nos amamos e nos respeitamos, nos tornamos uma influência poderosa sobre os outros. Eu nunca fui movido por reconhecimento ou elogio, minha missão final sempre foi de servir aos outros como uma influência positiva em suas vidas. Durante grande parte da minha infância e adolescência, eu sentia impulsos como uma coceira implacável de ajudar as pessoas que pareciam infelizes. Eu desprezava a sensação de que não poderia salvar alguém do sofrimento – aproveitando a oportunidade de dar dinheiro a mendigos ou de fazer amizade com aqueles que lutavam para encontrar amigos (mesmo que eu não tivesse nada em comum com eles).

Conforme cresci, meus desejos evoluíram para a necessidade de participar de causas humanitárias e falar sobre acontecimentos políticos. Meus pensamentos oscilam entre duas visões extremas do mundo: o consumido pelos milhões que sofrem —e se sentem impotentes para acabar com isso, e a profunda apreciação pela beleza da vida. Quando retornei do Japão, aos 20 anos de idade, comecei a viajar pelo mundo. Larguei a faculdade, a rotina, e a realidade. Lancei-me como fotógrafo e fui aprender com as pessoas da terra a viver minha própria realidade. Para mim, o sucesso e a realização devem vir de dentro (alcançados por minha própria iniciativa e desfrutados com ou sem validação do mundo externo).

(Foto: Henrique Schmeil)

Meu coração sempre foi Africano e quando conheci o Quênia, em meu primeiro serviço voluntário na África, me apaixonei pelo continente. Não tinha como não me apaixonar pelas pessoas, pela alegria do povo e pelo amor que recebia todos os dias. Eu não me sentia digno de tanto amor. Minha alma transpirava alegria de ter a oportunidade de aprender tanto. Nós não falávamos a mesma língua, mas sempre nos entendíamos.

Minhas primeiras viagens voluntárias eu fiz através de ONG ‘s locais nas quais eu apoiava a causa. Fui até a Índia, Bangladesh, Nepal, Vietnam e Tailândia para ouvir as histórias das meninas vítimas do tráfico sexual. Viajei até a Tanzânia, Etiópia, Angola, Marrocos, Quênia e Namíbia para lutar contra mutilação genital feminina. No decorrer do tempo me aborreci com a burocracia de certas organizações e decidi seguir carreira solo e fazer da minha vida um serviço voluntário. Criei projetos sociais e trabalhei como fotógrafo para tirá-los do papel. Gastei todo centavo que a fotografia me deu em viagens voluntárias.

Os projetos eram diversos e eu viajava para onde achava que minha presença era necessária. O auge da loucura foi quando eu vi no Facebook um post sobre um ciclone que havia recém acontecido em Moçambique, deixando milhões de pessoas desabrigadas, e o meu instinto natural foi de procurar o próximo voo para Moçambique. Depois de dois dias, no meio de aviões de guerra, caminhões da ONU, e acampamentos para refugiados, eu cheguei sozinho à Beira, sem saber onde sequer era Beira. Uma formiga que queria ajudar e não sabia como. 

(Foto: Henrique Schmeil)

Eu precisava estar lá e ouvir das pessoas suas necessidades, suas histórias, e conhecer suas famílias. No decorrer dos dias também descobri que sorrir não matava a fome. Uma formiga sozinha não consegue carregar um pedaço de pão até o formigueiro. Ativei minhas formigas nas redes sociais e conseguimos arrecadar o suficiente para cobrir as casas de quase 2.000 famílias.

Moçambique conquistou meu coração e decidi retornar três vezes seguidas para iniciar meu próprio projeto social, A Tucandeira. Os quatro pilares do formigueiro são simples: saneamento básico, educação, moradia digna, e renda mensal familiar. A pandemia e o universo me trouxeram até a Amazônia, onde estou morando atualmente. Lutei muito pelas minhas causas na África, mas devido a Covid-19 e o abandono do governo às comunidades indígenas e ribeirinhas, sacrifico minha vida hoje na luta de direitos humanos básicos para todos os cidadãos brasileiros.

Hoje, quase 8 anos depois de embarcar na minha primeira jornada voluntária, olho para trás e vejo todos os sorrisos que a vida me deu. Quando eu morrer, eu realmente espero que eu esteja com as minhas roupas sujas. Que minhas roupas estejam sujas dos pés das crianças que pisarem em mim. Espero ter terra debaixo das unhas por ter ajudado alguém na plantação. Eu quero estar com os sapatos rasgados de tanto andar e meu carro sujo de lama por talvez ter ido um pouco fora da rota. Eu quero estar grudento de tanto brincar com as crianças e com marcas de maquiagem no ombro de tanto abraçar alguém. Eu quero estar com olheiras por passar noites em claro com quem eu amo. Quero estar com o nariz vermelho de tanto trabalhar e espero que saibam que eu realmente estive aqui e vivi.

A tucandeira é uma formiga da Amazônia, ela é apenas uma formiga, mas é uma das maiores e mais perigosas do mundo. Sua picada é letal, e eu só entendi seu verdadeiro poder após levar uma de suas mordidas. Eu viajei o mundo inteiro e aprendi que a beleza da terra não esta nas montanhas, e sim, nas pessoas que vivem em sua sombra. Hoje, eu continuo sendo uma formiga, mas pelo menos agora eu sei que sou uma tucandeira.

Se você busca participar de um projeto voluntário, primeiramente busque sua causa. Não entre se não for pra lutar. Essa viagem vai mudar sua vida se você estiver lá pelos motivos certos, a missão é amar.

A Amazônia é a África do nosso Brasil e ela precisa de ajuda. Milhões de nossos irmãos brasileiros vivem sem acesso a água potável e saneamento básico. Milhões de nossas meninas são abusadas sexualmente diariamente. Milhões de nossas mães  pedem ajuda pelo alimento de seus filhos e milhões de crianças também querem  estudar. Se você se sente pronto para ser uma tucandeira, a Amazônia, é seu habitat.

(Foto: Henrique Schmeil)

*Coluna originalmente publicada na edição #250 da revista TOPVIEW. 

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