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Por que o Coronavírus pode ter matado as escolas?

É imprescindível ensinarmos como devemos nos relacionar com fatos e acontecimentos incontroláveis como uma pandemia

Antes de iniciar meu ponto principal quero colocar algumas coisas: 

  1. Não sou especialista em educação, sou especialista na minha filha;
  2. Não estou me referindo a escola nenhuma em específico;
  3. Não estou me referindo a nenhum(a) professor(a) em específico;
  4. Sei dos meus privilégios, sei que vivo numa bolha; 
  5. Sei que não educamos crianças para o mercado de trabalho.

Vamos ao meu ponto
Em 2009 quando comecei a trabalhar com recrutamento e seleção, vinha de anos de trabalho em uma multinacional britânica e entrei em outra de mesma origem. Como toda empresa que nasce sob os olhos da Rainha, sua cultura tem regras e hierarquia muito bem definidas. Desde o código de vestimenta até a maneira como se deve falar com seus subordinados e superiores. Quase militarista, como é o caso da Disney, empresa na qual também tive o prazer de estagiar por menos de 1 ano.

Confesso que usar terno e gravata todos os dias têm seu glamour, mas além disso, impõe respeito. Os símbolos de poder são claros para quem vê um homem uniformizado com a sobriedade de um terno e gravata e sapatos pretos brilhantes.

Viajo para 2017, quando visitei um amigo que trabalha na sede brasileira do Facebook em São Paulo. Entramos no elevador do prédio junto com 2 executivos, ambos vestidos de bermuda, camiseta de alguma banda e tênis. Dois andares abaixo, entraram 4 ou 5 executivos de um banco de investimento, todos de terno e gravata. Meu amigo fez a piada ao sairmos do elevador: “Sabe quem ganha mais? Os caras de bermuda.”

Viajo para a escola. Não educamos crianças com o objetivo de ganhar mais, nem de serem competitivas no mercado de trabalho. Alguns acham que sim e procuram isso, outros acreditam na escola sem partido, tem a escola finlandesa, a escola francesa, montessoriana, Waldorf e por aí vai. 

(Foto: Unsplash).

Viajo para 2020. Cá estamos em casa, tentando fazer as crianças se engajarem em aulas online. Algumas se adaptam, a minha filha parece gostar, mas sente muita saudade da professora, da escola e dos colegas. Sejamos humildes: ninguém estava preparado para nada que essa pandemia causou, nem a escola. Minha esposa trouxe um questionamento que escutou num programa de rádio: será culpa da pandemia ou das escolas que não investiram em tele-aula/ensino a distância proativamente? Caso há 6 meses a diretora da escola me dissesse que 1 dia por semana teríamos aulas online, eu acharia um absurdo. Não matriculei minha filha numa escola para ter aulas numa tela. Logo eu, defensor do mundo digital e do trabalho remoto, caio aqui em contradição e provo para mim mesmo: que sociedade complexa temos para desvendar agora!

Volto para o mercado de trabalho e para a Economia. Desde 2008 vemos uma escalada das empresas usando metodologias ágeis na sua gestão. Resumindo de maneira muito simples do que se trata: nenhum grupo é gerido por estruturas de poder e controle, mas por sistemas de colaboração com o objetivo claro de atender as demandas de um projeto, produto ou serviço.

Ou seja, não temos mais chefes e subordinados, mas grupos formados por pessoas com competências complementares. Trazendo isso para o chamado da quarentena de “compre do local”, é exatamente a mesma coisa. Voltamos a tratar nossos pequenos comércios como essenciais para nosso objetivo de sermos um grupo social organizado e economicamente viável.

Como escrevi antes não educamos as crianças para serem funcionárias ou para o mercado de trabalho, mas para saberem se relacionar com o mundo que vão encontrar quando forem adultas. Até porque prever o mercado de trabalho de 20 anos no futuro já se provou totalmente ineficiente.

Volto para a escola. Então minha pergunta para mim mesmo é: o que queremos ensinar para nossos filhos e nossas crianças nessas escolas? Somos seres da Natureza e aprendemos saindo das cavernas que para sobrevivermos as suas inúmeras ameaças deveríamos domina-la. Ter controle e poder sobre tudo que pudermos. Nossa sociedade foi construída sobre essa crença de poder. E assim educamos nossas crianças faz tempo.

Quando dizemos: “conhecimento é poder”, dizemos que não sendo ignorante sobre um tema, teremos poder sobre ele e conseguiremos dominá-lo. Quando a professora nos diz: “parem de se mexer, a professora vai falar”, cultuamos o poder dessa pessoa tão importante na nossa sociedade por ter o poder consigo: o conhecimento que nos trará também poder.

A ecologia vem para nos questionar a relação com a Natureza e como esse poder sobre ela está na verdade acabando com a vida humana na Terra. A tal “era do conhecimento” prova o clichê de que “dados valem mais que petróleo”, os grandes conglomerados econômicos hoje vivem de coletar e vender seus dados em prol da produção e do consumo. Porque saber nos possibilita controlar e controlando temos poder.

É isso enfim que ensinamos as nossas crianças, nossos exemplos são esses, nossas escolas funcionam assim, nossos professores ensinam essa relação há séculos. Porém as coisas mudaram radicalmente nos últimos 10-15 anos, por isso as escolas consideradas visionárias como o sistema de educação finlandês, hoje lidam exatamente com esse tema: a relação com a Natureza, com o meio, com o Mundo e não a reação para ganhar poder e controle.

Daniel Pennac falou em 2019 em uma entrevista que “a criança de hoje confunde desejo com necessidade”, por ser ensinada desde pequena que é consumidora. E para consumir, necessita de dinheiro, para ter dinheiro necessita trabalhar, para trabalhar necessita de conhecimento e para ganhar mais dinheiro, necessita de mais conhecimento e poder.

Com a fluidez das novas organizações sociais e da Economia digital, é imprescindível ensinarmos como devemos nos relacionar com fatos e acontecimentos incontroláveis como uma pandemia.

(Foto: Unsplash).

Ninguém coloca uma criança num quintal para se sujar, se coloca uma criança num quintal para aprender a lidar com a lama. Isso faz com que o cérebro desenvolva habilidades cognitivas para resolver problemas complexos e desconhecidos. É uma espécie de “machine learning” que já vem embarcado no nosso “HD”.

Exemplo disso: assisti de forma incrédula em Curitiba, o sistema de educação pública da Prefeitura reorganizar seu calendário de aulas de maneira remota antes de qualquer escola particular. Logo eles, tão criticados.

Minha sugestão é: traga essa discussão à tona na sua escola, no seu grupo de pais, na sua casa. É urgente que a educação seja repensada, pois como ela é hoje não serve para muito além de ensinar as crianças como se comportar bem.

“Bom menino. Nota 10.”

Sobre o colunista

Diego Godoy é headhunter e sócio da Easy2Recruit – RecrutamentoFacil.com. Trabalhou em empresas multinacionais do segmento de serviços profissionais como PwC, Michael Page e Walt Disney Company. Também é fundador do Projeto Um Por Cento, reconhecido como iniciativa oficial pelo ACNUR e que trabalha na recolocação de refugiados no mercado de trabalho do Brasil.

O headhunter Diego Godoy. (Foto: acervo pessoal).

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