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O que mudou no tratamento jurídico dado às crianças e adolescentes após o ECA?

Saiba como a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 influenciou o ECA

Na coluna anterior abordei o tratamento dado às crianças e adolescentes antes da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Com a criação da referida lei federal e o advento da Constituição Federal em 1988, o Brasil aderiu à Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente.

Importante dizer que os fundamentos da Doutrina da Proteção Integral têm como base normas internacionais que dizem respeito aos Direitos Humanos. Em especial a Convenção sobre os Direitos da Criança, formalizado na Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, que, de acordo com o site do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), é o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, ratificado por 196 países, entre eles o Brasil, que assinou em 24 de setembro de 1990.

O acolhimento destas normas de Direitos Humanos pelo Brasil foi inserido no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que é uma feliz síntese dos direitos humanos fundamentais de toda criança e adolescente, e regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 prevê:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Em resumo, os princípios da Doutrina da Proteção Integral são três, quais sejam:

● O princípio de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. As crianças passaram de meros objetos de providências, na concepção anterior ao ECA, para sujeitos de direito. Possuem necessidades, interesses e instrumentos de garantia diferentes dos adultos, o que é positivo para proteção e garantia de sua dignidade.

● O princípio do respeito à condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. O reconhecimento de que possuem características diferenciadas e peculiaridades do ponto de vista intelectual, emocional, espiritual e social. Muitas necessidades são iguais às de adultos, mas também são acrescidas às necessidades próprias do seu tempo e do momento em que vivem. Há a ruptura do mito da incapacidade da criança e do adolescente, superando a ideia da incapacidade e garantindo o respeito à pessoa em desenvolvimento, capacidade, autonomia e responsabilidade progressiva. Também há um respeito aos vínculos de afeto e ambiente positivo e saudável para a criança e adolescente.

● O princípio da prioridade absoluta. A garantia de prioridade de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias. Também de prioridade no atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, bem como a preferência na formulação e na execução das políticas públicas. E a garantia de destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (art. 4º do ECA).

Portanto, no Estatuto da Criança e do Adolescente é possível observar a previsão minuciosa de um sistema de proteção e garantias às crianças e adolescentes, vendo-as como sujeitos de direitos em desenvolvimento que merecem o olhar cauteloso e responsável da família, da sociedade e do Estado. Ao meu ver é uma das mais bem sucedidas leis federais em vigência no Brasil, que é elogiada mundialmente por autoridades jurídicas, mas que, infelizmente, na prática, nem sempre consegue ecoar toda a proteção e garantia propostas com celeridade e objetividade.

Sobre a colunista

Advogada inscrita na OAB/PR nº 61.717, Cristiane Goebel Salomão é especialista em Direito Processual Civil, Direito de Família e Sucessões. Membro do Grupo Permanente de Discussão sobre Direito de Família da OAB/PR, Membro do IBDFAM e Membro do Grupo Virada de Copérnico da UFPR. Se destacou desde cedo na atuação em Divórcios, Dissoluções de Uniões Estáveis, Regulamentação de Visitas, Execução de Pensão. Hoje, sua grande paixão é a área de Família, na qual consolidou a maior clientela. Em seu trabalho utiliza muito da experiência adquirida enquanto trabalhou como conciliadora no Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública em São José dos Pinhais (Paraná). Natural de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), escolheu Curitiba para fixar residência e construir sua carreira.

Cristiane Goebel Salomão

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