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Meu filho vai ficar de recuperação – e agora?

Baixo rendimento e chance de repetência costumam causar tensão entre estudantes e familiares, mas podem ser uma oportunidade real de aprendizado

Falta de comprometimento e dedicação com os estudos, dificuldades no aprendizado, déficit de habilidades sociais e emocionais são alguns dos motivos que levam estudantes a ter que refazer o ano letivo. Mesmo com inúmeras justificativas, quando um aluno reprova, acaba por impulsionar a família toda – e a escola – a um processo de reflexão sobre possíveis falhas.

Quanto mais avançado o nível de ensino, maior o índice de reprovação escolar no Brasil, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Em 2016, em todo o país, 12% dos estudantes do Ensino Médio reprovaram – a maioria (17,3%) no 1º ano. Mesmo ao considerar apenas as escolas particulares, a estatística permanece alta (7,8%).

Os números, porém, não aliviam a pressão de quem está vivendo o drama na prática. Em algumas famílias, o assunto é tratado de forma velada, quase que proibido. Além do investimento financeiro realizado ao longo do ano, entram em xeque outras questões, como capacidade intelectual, condições de aprendizado oferecidas e até mesmo o status da família.

A psicóloga Thais – que pediu para que seu sobrenome não fosse divulgado – está vivenciando esse drama ao perceber que a filha de 15 anos, que estuda em um grande grupo escolar de Curitiba, está com o rendimento muito abaixo do necessário para passar de ano. “Foi a primeira vez que eu vi o fantasma da reprovação bater na minha porta”, comenta a psicóloga, que tem outro filho adolescente.

Thais, que costumava usar ameaças do tipo “se reprovar de ano, vai para uma escola mais fraca”, percebeu que estava reproduzindo o mesmo discurso que ouvia de sua mãe. “Neste ano, minha filha estava com a cabeça em muitos outros lugares, além da escola. A festa de 15 anos, o baile de debutantes, a primeira paixão. Tudo isso fez com que descuidasse dos estudos. Se ela reprovar, vai ser na mesma escola em que está, onde vai permanecer para perceber que tem condições de superar tudo isso em um colégio com alto padrão de ensino”, afirma.

Manuela Bosco, 19 anos, que hoje está no 2º período do curso de Direito, lembra bem de todos os conflitos que envolvem a questão. Antes de superar a concorrência do vestibular, precisou se autodesafiar e transformar Matemática e Química em aliadas, em vez de apenas “conseguir a média da prova”. Sua mãe, a empresária Alessandra Gnoatto Azevedo, lembra que as matérias que exigiam raciocínio lógico sempre foram um problema na vida escolar da filha. Aluna de um tradicional colégio particular de Curitiba, Manuela se sentiu um lixo” quando, ao final do 1º ano do Ensino Médio, percebeu que tudo o que tinha aprendido até ali não era suficiente para avançar para a etapa seguinte.

A mãe monitorou tudo de perto e, mesmo pressentindo a reprovação, considerou que o resultado era necessário, não só para que a filha recuperasse o conteúdo que não aprendeu, mas, principalmente, para o seu amadurecimento pessoal. “Fiz questão de mantê-la na escola até o final do Ensino Médio. Era necessário corrigir os aspectos em que ela estava falhando até aquele momento”, comenta.

Para Manuela, encarar a reprovação foi bastante difícil e a família redobrou a atenção para evitar que ela desanimasse. A estudante lembra que, além de ter que rever as mesmas matérias, virou motivo de bullying entre os antigos colegas de classe. Mas o ano seguinte foi o mais produtivo, principalmente em matérias que até então a assombravam. “Optei por consertar o erro que eu tinha cometido até ali. Decidi que seria uma vitória minha”, ressalta.

A pedagoga Rosana Becker, coach especialista em crianças, adolescentes, pais e professores, afirma que o processo deve envolver toda a família, para que seja possível descobrir qual é o problema. “Às vezes, não é só falta de dedicação aos estudos”, analisa. “Pode ser algo mais amplo, como falta de maturidade ou de preparo da própria escola em trabalhar com aquele estudante.”

Contrária às medidas punitivas ou que, em vez de estimular, pressionam os estudantes a apresentar resultados satisfatórios, Rosana destaca o papel da família para ajudar a superar esses desafios e para trabalhar a autoestima da criança ou do adolescente, a fim de que esse processo não acarrete em complicações futuras.

Orientações para toda a família

A psicopedagoga e consultora educacional Isabel Parolin dá algumas dicas de como a família pode orientar o estudante que apresenta baixo rendimento escolar e corre risco de reprovação.

1: Aprendizagem de qualidade: Isabel salienta que a principal preocupação deve ser com a qualidade, se a criança absorveu o conteúdo. “Os pais não devem se preocupar só com a nota ou se o estudante vai passar de ano. Uma nota boa não quer dizer, necessariamente, que o aluno aprendeu e tem desenvoltura com a disciplina.”

2: Envolvimento com o conteúdo: se o estudante não se envolve com o conteúdo, não há aprendizado. “Há alunos que aprendem os procedimentos para passar na prova. Mas, se ele não aprendeu, vai ter problemas novamente”, pondera.

3: Método e rotina: o aluno precisa de uma rotina e de um método de estudo. É necessário descobrir qual a melhor forma de desenvolver o aprendizado, individual e coletivamente.

4: Aproveitar a recuperação: é um movimento para que os alunos descubram um novo estilo de aprendizado para assimilar o conteúdo, destaca Isabel. A recuperação também exige que o professor repense a forma como está transmitindo seu conhecimento.

5: Viver as consequências: a família deve permitir que a criança ou o adolescente vivencie as consequências de seus atos e trabalhe com isso. Reprovar de ano, muitas vezes, é resultado de um processo de falta de dedicação aos estudos. 

Estudantes multicanais

A diretora pedagógica da Editora Positivo, Acedriana Vicente Sandi, classifica a atual geração de estudantes como “multicanal”. Graças à tecnologia e às novas formas de aprendizado, os alunos exigem que o professor os “conquiste” em sala de aula para transmitir o conteúdo. “É uma geração que exige interação e isso faz com que a escola precise diversificar as estratégias e os recursos para ensinar”, explica. Acedriana salienta que, quando essa interação entre professor e aluno não acontece, há grandes chances de reprovação. “Mas reprovação pode ter um caráter positivo. Conquistas sem esforço podem dar um sabor de vitórias fáceis no futuro”, analisa.

Sugestões de leitura

Crianças Dinamarquesas: O que as Pessoas Mais Felizes do Mundo Sabem Sobre Criar Filhos Confiantes e Capazes, de Jessica Joelle Alexander e Iben Dissing Sandahl. Companhia das Letras.

Eleita a população mais feliz do mundo pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD) e por outros organismos internacionais, a Dinamarca virou objeto de estudo. As autoras concluíram que essa felicidade vem da forma como os dinamarqueses são criados: crianças felizes, emocionalmente seguras e resilientes, que se tornam adultos felizes, emocionalmente seguros e resilientes e que reproduzem esse estilo de criação quando têm seus próprios filhos.

A Aprendizagem Entre a Família e a Escola, de Isabel Parolin. Pulso Editorial.

A autora mostra que, em meio à reformulação dos papéis formadores da família e da escola, no contexto da nova sociedade, o entendimento do processo de aprender e de ensinar exige uma escola que atenda ao perfil social vigente. E sem perder o compromisso de preparar cidadãos instrumentalizados para viver e conviver de forma competente e feliz.

 *Matéria publicada originalmente por Danielle Blaskievicz na edição 205 da revista TOPVIEW.

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