É possível ter mais de uma mãe e um pai no Brasil?
No último meio século, a sociedade brasileira sofreu mudanças significativas na forma de estabelecer seus relacionamentos conjugais e parentais. A sociedade e as pessoas optaram por estabelecer um vínculo familiar que possuem peculiaridades próprias, que são muito diferentes daquele modelo familiar clássico que tínhamos anteriormente, no qual somente o matrimônio constituía família.
O conceito de família anteriormente engessado, pautado no matrimônio e na legitimidade dos filhos, hoje permite uma gama de conceitos, cuja característica comum é a formação por vínculos consanguíneos e afetivos. Assim, a transição de uma família clássica para uma família contemporânea, trouxe como principal fundamento a “afetividade”.
O afeto é a demonstração de emoção ou sentimento por algo ou alguém, mas ao ser inserido no Direito de Família, passa a ser um elemento do mundo jurídico. O primeiro doutrinador que tratou sobre a afetividade no Brasil foi o Professor João Baptista Villela, no texto sobre a “Desbiologização da Paternidade”. O professor foi o primeiro a dizer que a paternidade reside muito mais no serviço e no amor, do que na procriação, ou seja, pai é quem cria.
Em 21 setembro de 2016, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a Repercussão Geral nº 622, foi resultado do julgamento RE 898.060, provocado para dizer o que prevalecia a verdade afetiva ou biológica, o STF disse que nem uma nem outra, dando ensejo à multiparentalidade: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.
Tendo em vista ser uma criação da sociedade e da jurisprudência, que não possui regulamentação na legislação brasileira, não há nenhum artigo no Código Civil que trata da filiação afetiva, foi regulamentado o Provimento nº 83 do Conselho Nacional de Justiça, que alterou o Provimento nº 63, no que se refere a possibilidade da parentalidade socioafetiva ser realizada diretamente no cartório de registro civil de pessoas naturais.
A partir desse momento verificamos o afeto no mundo jurídico e principalmente a força que a jurisprudência tem na prática do Direito de Família, diante da ausência de lei que discipline a matéria. Na verdade, as demandas da sociedade batem às portas dos advogados e do Judiciário e temos que oferecer respostas e diante desse questionamento, hoje é, sim, possível ter dois pais e duas mães na certidão de nascimento do filho.
Sobre a colunista
Advogada inscrita na OAB/PR nº 61.717, Cristiane Goebel Salomão proprietária do escritório Goebel Salomão Advocacia. Pós graduada em Direito Processual Civil. Pós Graduada em Direito da Família e das Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo Permanente de Estudo de Direito de Família da OAB/PR. Membro do Grupo Permanente de Estudo de Direito das Sucessões da OAB/PR. Pesquisadora do Grupo Virada de Copérnico da UFPR, eixo Direito de Família. Está presente nas seguintes redes sociais: Facebook e LinkedIn e Instagram.