Criança precisa de criança
Philippe Ariès, historiador e medievalista francês, concluiu, a partir de pesquisas, que, antes do século XVII, a criança era confundida com o adulto nas famílias da Idade Média. Na época, não havia uma ideia de infância como hoje. A partir desse período, as preocupações com as crianças começaram a ter protagonismo, considerando, então, que elas tinham – e continuam tendo – necessidades próprias. Por sua vez, Lev Vygotsky, psicólogo bielorusso pioneiro no conceito de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e das condições de vida, afirmou que a socialização é o espaço de constituição e desenvolvimento da consciência do ser humano desde que ele nasce.
Em tempos de pandemia, ocasião em que as crianças foram restringidas de interagirem umas com as outras devido à necessidade de isolamento social, o impacto da falta de socialização na vida dos pequenos fica ainda mais evidente. De acordo com a pediatra Felícia Szeles, a ansiedade é quase unânime entre esse público. “Não é apenas a agitação: a inquietação, a angústia permanente, a falta de sono e foco também podem ser sinais de ansiedade.
Se, para os adultos, já foi – e ainda é – difícil essa realidade, para as crianças, é ainda mais delicado”, explica a profissional. Já a psicóloga Alice Munguba, especialista do Núcleo Infantojuvenil da Holiste Psiquiatria, acrescenta: “Elas perdem a possibilidade de ver o exemplo de outras crianças, a vivência do faz de conta e da fantasia em conjunto, a experimentação de brincadeiras coletivas e as vivências do contato social – e, além disso, ainda perdem a possibilidade de se desenvolver com isso”.
Apesar de muitas vezes ouvirem dos adultos o que devem fazer, no fim das contas, as crianças aprendem muito com outras crianças. A psicóloga afirma que é dessa forma que se aprende a ganhar em uma brincadeira, a saber perder e dividir, a se desafiar em algo novo que outra criança já sabe fazer, a liderar, a ser liderado, a rir junto, a dar limite ao outro. “São aspectos que se aprendem convivendo e não teoricamente. Muito menos assistindo a vídeos na internet”, complementa.
Em meio à pandemia, os pequenos normalmente são assintomáticos ou têm o vírus de forma leve e ainda o transmitem, podendo oferecer risco a outras pessoas. Por isso, a pediatra Felícia Szeles sugere que os adultos mantenham os filhos em ambientes ao ar livre, com crianças que saibam que estão seguindo as normas de isolamento, sempre com máscara, utilizando álcool e evitando deixar comer junto.
Sobre o assunto
LIVRO
‘História Social da Criança e da Família’
Philippe Áries
PODCAST
Entre fraldas
Marcelo Cafiero e Rodrigo Cornélio
FILME
Capitão Fantástico
Dirigido por Matt Ross
*Matéria originalmente publicada na edição #251 da revista TOPVIEW.