Yasmin Taketani: dos quadrinhos à capa de revista (e jornal!)
Ela é uma das pessoas mais encantadoras que eu conheço. E foi em um bate-papo acompanhado de ostras e gim tônica que Yasmin Taketani, minha colega há três anos na TOPVIEW, revelou que foi o pai quem sugeriu que ela fizesse Jornalismo. Mas acho que não teria como ela ser outra coisa. O que esperar de uma menina que passava as férias deitada no sofá do estoque da loja dos pais, comendo dois amores e lendo tudo o que encontrava por ali? Os pais de Yasmin – Mitie Taketani e Xico Utrabo – são donos da Itiban, a loja de quadrinhos mais famosa de Curitiba, que existe há quase 30 anos. Em nossa conversa de cerca de uma hora, foi impossível não notar como a paixão pela arte – e pelo impresso – movem essa família. Eis a evidência:
Por que você escolheu o Jornalismo?
Na verdade, foi uma ideia do meu pai. Eu não sabia o que fazer e até pensava em Letras, mas ele me aconselhou Jornalismo porque eu gostava de ler, de escrever, de notícias. Minha mãe também achou uma boa ideia, porque, na época, eu gostava bastante de moda. Ela lembrava muito da Lilian Pacce, uma referência sua. Eu entrei no curso [na Universidade Positivo] e gostei bastante, mas quando estava pra ir para o último ano, desisti da faculdade. Meu pai quis me matar e morrer (risos). Fiquei dois ou três anos afastada.
A faculdade te frustrou de alguma forma, a ponto de você tomar essa decisão?
Aprendi [com a universidade], mas acabei aprendendo mais com a prática da profissão. Chegou uma época em que eu já trabalhava, então a faculdade meio que parou de fazer sentido. Na Biblioteca Pública, como estagiária, fazia assessoria de imprensa, um pouco de produção cultural e também participei da primeira edição do Cândido, que é o jornal da instituição. A gente fez uma capa pink com o escritor Paulo Leminski, foi bem divertido. Um pouco depois, ainda na faculdade, fui para o Rascunho [jornal de literatura]. Acho que não quis terminar o curso porque, no fim das contas, eu já estava encaminhada. Não pensei em parar de ser jornalista, só parar a faculdade. Mas quando voltei para o curso, foi o melhor ano. Eu estava muito mais madura para ter um diálogo com os professores. E, no Rascunho, estava muito focada em cobrir literatura, não tinha espaço para outros tipos de reportagem. Ao voltar para a universidade, tive a possibilidade de explorar muito, escrever matérias gigantescas sobre as dificuldades no ensino superior de Direito, coisas desse tipo, que eu adorava.
Então, você sempre gostou de textão?
Sempre. Eu aprendo nesse esforço de comunicar muitas ideias ou informações. Mas, hoje, tenho gostado de trabalhar com textos curtos. Olhando alguns textos meus antigos, tem muita coisa que hoje em dia eu cortaria. Nem tudo precisa de textão.
Você é hoje a editora de impresso da TOPVIEW e seus pais são donos de uma loja de HQs. Sua família tem uma relação especial com o papel?
É impressionante: tanto na minha casa quanto na deles falta espaço para a quantidade de livro, revista. Eu sempre gostei muito. Nas minhas férias, eu ia para o trabalho com os meus mais, deitava em um sofá que tinha no estoque e ficava lendo tudo o que tinha, comendo dois amores. Os meus pais foram muito importantes na construção de uma bagagem cultural.
Outra coisa muito forte na sua família é a formação artística…
Minha mãe acabou não concluindo nada formalmente, mas ela fez teatro durante um tempo e fez dança. Meu pai é músico, minha irmã [Tami Taketani] trabalha com cinema, gosta de música, flerta com o desenho. Eu talvez seja a que menos flerta com produção artística.
Acho que justamente por causa das suas referências e até um pouco por causa da sua família, você acaba tendo fama de intelectual. Isso te incomoda? Você se vê dessa forma?
Eu não me vejo desse jeito. Tinha uma época que era uma questão, a minha mãe até falava para eu me vestir melhor, porque eu só me preocupava com essa questão cerebral. Acho que as pessoas têm essa impressão, às vezes, por eu ser mais calada, daí eu não falo tanta besteira [risos]. O óculos contribui e, às vezes, eu uso terninho, essa coisa jornalista, não sei.
E como foi cair no mundo da TOPVIEW depois te ter atuado tão fortemente com literatura e cultura? Nós falamos de gastronomia, de turismo, de pessoas…
Foi bom pela mudança, pelo contraste, mas eu tive que me esforçar para me adaptar. A TOPVIEW também me deu a chance de fazer muita coisa importante, como uma matéria sobre mobilidade urbana e o perfil do ator Luis Melo. E, agora, a revista e o jornal. Eu não imaginava assumir a posição de editora tão cedo [Yasmin tem 26 anos], estava feliz sendo repórter, fazendo os meus textões (risos). Sempre rola uma dúvida de se eu estou melhorando, se a revista está indo para o caminho certo, se está harmoniosa, se o texto está muito grande, várias questões.
O que você acha que mais aprendeu nesse último ano?
O meu maior desafio foi profissional. O que eu mais aprendi foi aceitar que eu tenho medo – de não estar à altura, de não conseguir fazer, de não dar conta –, mas, mesmo assim, seguir em frente.
Em um mundo em que todo mundo só fala do digital, você não se sente deslocada fazendo o impresso?
No momento, isso não me incomoda. Eu acho que não chegou com muita força, ainda, em Curitiba. Todo mundo tem um flerte com o que é de papel.
E você sente falta de ter trabalhado com hardnews, escrevendo sobre política ou economia?
Eu sinto falta dessa experiência, que eu ainda quero ter. Uma professora me disse, na faculdade, que eu não sou feita pra isso, mas queria tentar. Na verdade, acho que não tem tanto espaço para o tipo de jornalismo que eu gosto, que é essa mega apuração, que leva bastante tempo, que explica o que está acontecendo e olha para possibilidades futuras também. Quando chega nessa hora, as pessoas já dormiram (risos).
O TOPVIEW Journal dedica um espaço muito grande a perfis de pessoas da cidade. Qual personalidade você gostaria de entrevistar?
Eu gostaria de fazer o perfil de uma pessoa pública, como o Rafael Greca, para ver o que há além daquilo que a gente conhece, da figura que a gente tem na cabeça.
E você acha que ainda é possível surpreender com o texto impresso?
Eu acho que um bom texto sempre acaba sendo uma surpresa. Esses dias eu li o perfil do Emmanuel Macron [atual presidente da França] escrito pelo Emmanuel Carrère, um escritor francês. Nossa, aquilo me surpreendeu bastante. Tinha uma certa empatia, mas também um olhar bastante crítico [por parte do autor]. Ele não deixava de se colocar, mas não era arrogante; ele se colocava como uma pessoa que tem defeitos e era essa observação que fazia do outro cara.
De alguma forma pesou/pesa para você ser filha dos seus pais, que são pessoas conhecidas, principalmente no meio cultural de Curitiba?
Tinha uma época em que eu meio que não tinha nome, eu era a filha do Xico e da Mitie, da Itiban. Realmente, as pessoas tinham uma expectativa, por ser filha deles. Mas meus pais sempre foram bem tranquilos em relação a isso. Eu ainda tenho uma relação muito próxima com eles, aprendo muito com eles. Talvez a diferença [na relação com outros pais e filhos] seja que a gente tem interesses em comum muito fortes – gostamos das mesmas bandas, a gente sai pra beber. Ao mesmo tempo, não somos de nos abrir tanto quanto a questões pessoais, é uma característica da família. A gente pode falar sobre livros e filmes por várias horas, mas pra falar de algum problema pessoal, já muda.
Agora, sobre a sua relação com o Centro da cidade: você morava no Edifício Tijucas, hoje mora na Rua São Francisco, em pontos históricos da cidade. Por que essa escolha?
Eu cresci entre no Água Verde. E eu nunca quis dirigir, então, foi uma questão lógica morar no Centro e ter tudo à minha volta. E o Centro tem história, tem vida. Acabei me tornando quase amiga de pessoas de rua.
E você tem vontade de fazer um trabalho social com essas pessoas?
Talvez. Eu acho bom ter esse contato, ter essa revolta, vivenciar um pouco o que as pessoas vivenciam. Já fui a passeatas, já aderi a greves. Mas acho que estou ficando velha e chata, de não acreditar mais na possibilidade de mudança social. Eu tenho um lado um tanto cínico, de que [atos como protestar] não servem pra nada, não vão mudar nada, que é o mesmo lado que me coloca em depressão, às vezes.
Qual foi o primeiro livro que você leu?
Nossa, não lembro. Eu não era chegada em Turma da Mônica, li bastante mangá durante um tempo. Eu gostei de Harry Potter, lia em uma sentada, mas não até o final da saga, teve uma fase que cansou. Um livro que me marcou muito na infância foi A Luneta mbar, do Philip Pullman. Era também fantasia no estilo Harry Potter, só que muito mais inteligente. Rolava uma empatia muito forte com os personagens, tanto que no segundo [volume] dessa trilogia, eu chorei muito, porque um personagem morre.
E como foi ter sido capa da TOPVIEW, edição de janeiro de 2018? Acho que a Yasmin de um ano atrás não teria topado…
Sinceramente, quando o Marcus [Yabe, publisher da TOPVIEW] me propôs, no meio de 2017, eu achei que ele fosse esquecer (risos). Mas claro que deve ter uma vontade interior minha de aparecer. Eu acho que todo mundo tem. Mas o que me ajudou a topar foi pensar que um dia – assim como uma foto de família – essa capa pode ser uma espécie de herança interessante.