SELF COMPORTAMENTO

‘Virgin River’ sob a ótica do Direito de Família brasileiro

Série do Netflix 'Virgin River' permite identificar vários institutos jurídicos do Direito de Família brasileiro

Como me pediram, desta vez, trago minhas considerações jurídicas a respeito da série da Netflix ‘Virgin River’. Melinda Monroe, a protagonista da série, determinada a começar do zero, muda-se para Virgin River, onde trabalha como parteira e enfermeira, auxiliando Doc, único médico da cidade, em seu consultório. Logo no primeiro episódio da série podemos observar que Jack se interessa por Mel, o que dá início a um longo e dramático romance ioiô que perdura por todas as temporadas até o momento.

O romance do casal é tumultuado pela gravidez de risco da cabeleireira Charmaine, que terá filhos gêmeos com Jack, e a insistência dela em convencê-lo a formar uma família juntos. Mas o dono do bar na pequena cidade só tem olhos para Mel. Então, na segunda temporada, Charmaine aparece noiva e logo depois avisando Jack que está casada (um relacionamento a jato, com anel no dedo em apenas três semanas). Jack não gosta da situação e é constantemente ameaçado de que ficará sem conviver com os filhos, que ainda não nasceram.

No final da terceira temporada, Charmaine avisa que o marido Todd quer mudar de cidade com ela e os filhos, mas ela demonstra descontentamento. Também temos a grande interrogação da temporada: quem é o pai do filho de Mel? Enquanto foi a Los Angeles, Mel fez uma inseminação artificial com o embrião do ex-marido falecido. Assim, a terceira temporada termina com a dúvida da personagem. A contextualização é importante para analisarmos as questões polêmicas dos gêmeos, se o caso fosse no Brasil:

1 – Multiparentalidade: No Brasil, o contexto nos permitiria dizer que Jack é o pai biológico dos gêmeos de Charmaine, enquanto Todd, atual marido dela, será o pai socioafetivo dos bebês que estão a caminho.

2 – Provimento nº 63 do CNJ: Em alguns momentos da série Charmaine demonstra querer afastar os filhos de Jack e que não permitirá que ele tenha espaço na vida dos gêmeos. Felizmente, a lei brasileira não permite que a mãe exclua o pai biológico da vida dos filhos, então, neste caso, as crianças teriam dois pais, Jack e Todd, ambos com direitos e responsabilidades em relação aos gêmeos. Inclusive, ambos poderiam vir a constar como pais na certidão de nascimento dos filhos, conforme autoriza, o Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça, a inclusão diretamente em cartório de Registro Civil.

3 – Guarda e Convivência: Em relação às ameaças de afastamento e mudança de cidade, Jack poderia pedir na Justiça brasileira a regulamentação da guarda compartilhada e da convivência com as crianças, mesmo se houvesse a mudança de cidade. A guarda compartilhada lhe permitiria a divisão de direitos e obrigações em relação à vida dos filhos. As crianças teriam uma residência fixa com a mãe e o pai socioafetivo, mas com a convivência fixada com Jack, pai biológico. São exemplos de decisões conjuntas que os pais terão que tomar, se fixada a guarda compartilhada: a escola que irão estudar, tratamento médico, autorização de cirurgia, religião, viagens, atividades extracurriculares, etc.

A contextualização também foi importante para analisarmos a questão da gravidez da Mel, se o caso fosse no Brasil:

1 – Exame de DNA: Como a Mel não sabe se a gravidez é decorrente do relacionamento com Jack, pois houve uma ruptura do relacionamento do casal brevemente na terceira temporada, ou da inseminação artificial que ela fez quando foi a Los Angeles, quando estava separada de Jack, o casal terá que decidir se quer realizar exame de DNA ou não. A lei brasileira não obriga ninguém a fazer o exame de DNA, mas se quiserem a confirmação da paternidade do bebê, será essencial o exame.

2 – Pai biológico falecido: Ainda não temos essa informação, mas caso o filho não seja de Jack e ele queira assumir a criança, no Brasil, ele seria o pai socioafetivo, enquanto o pai biológico seria o Mark, ex-marido falecido de Mel. O Código Civil, no artigo 1.597, estabelece que presume concebido na constância do casamento o filho havido por inseminação artificial, mesmo que falecido o marido. Portanto, nesse caso também seria possível a dupla paternidade, mesmo Mark estando morto, ambos poderiam constar na certidão de nascimento da criança (Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça). Após essa análise da série ‘Virgin River’ concluo que a 4ª temporada será crucial para sabermos se toda essa multiparentalidade ocorrerá, vejam que Jack já é pai biológico de gêmeos com Charmaine e ainda pode ser pai biológico ou socioafetivo do filho de Mel.

O que você acha de tudo isso?


Sobre a colunista

Advogada inscrita na OAB/PR nº 61.717, Cristiane Goebel Salomão proprietária do escritório Goebel Salomão Advocacia. Pós graduada em Direito Processual Civil. Pós Graduada em Direito da Família e das Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo Permanente de Estudo de Direito de Família da OAB/PR. Membro do Grupo Permanente de Estudo de Direito das Sucessões da OAB/PR. Pesquisadora do Grupo Virada de Copérnico da UFPR, eixo Direito de Família. Está presente nas seguintes redes sociais: Facebook e LinkedIn e Instagram. 

(Foto: acervo pessoal)

Deixe um comentário