SELF COMPORTAMENTO

ESPECIAL IA: pílula azul ou vermelha?

A sociedade talvez não esteja preparada para lidar com as novidades trazidas pela inteligência artificial, mas, afinal, a sociedade estava preparada para o que veio antes?

“SE TOMAR A pílula azul, a história acaba e você acordará na cama acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha, ¡cará no País das Maravilhas e eu te mostrarei o quão profundo vai a toca do coelho.” 

Para os apaixonados por um dos filmes mais marcantes dos anos 2000, ler a frase acima é reconhecer, na hora, que ela se trata de um dos diálogos mais importantes da história do cinema. Para quem não está familiarizado, a sentença foi extraída do filme Matrix, um longa conhecido não só por efeitos especiais que chocaram uma era, mas pelo tema abordado: a tecnologia.

E a indústria cinematográfica explora muito bem esse tema. Exemplos mais recentes disso são as séries Black Mirror — com algumas cenas perturbadoras —, Westworld e o filme Ela – que conta a história de Theodore, um escritor que desenvolve uma relação amorosa com o novo sistema operacional de seu computador, chamado Samantha. Quando lançada, há 10 anos, essa produção gerou diversas discussões sobre os limites entre a humanidade e a inteligência arti¡cial. A¡nal, é possível um homem — ou uma mulher — se apaixonar de verdade por um sistema que imita a inteligência humana, mas, na verdade, trata-se de um computador?

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A verdade é que a IA está por todos os lados. Uma pessoa contemporânea, em algum momento da vida, vai precisar ter contato com aparelhos eletrônicos e tecnológicos. Inclusive, atualmente, essa relação vem acontecendo desde muito cedo. Ou seja, a IA rodeia o dia a dia das pessoas.

Isso ocorre das maneiras mais sutis, tanto por meio de uma simples Alexa quanto por programas que são capazes de alterar vozes e rostos de pessoas reais, gerando um conteúdo totalmente novo.

Um risco?

Os perigos dos conteúdos gerados pela IA são tão grandes que Brian Hood, prefeito de uma cidade na Austrália, foi injustamente declarado culpado por um crime de suborno. As falsas alegações foram escritas pelo ChatGPT, constando que ele havia sido preso pelo crime quando, na verdade, foi ele quem revelou o escândalo.

Um outro homem, na China, usou a mesma ferramenta para criar notícias falsas e as espalhou na mídia. Ele foi preso pelo crime, sendo o primeiro
caso criminal do país relacionado ao chatbot de inteligência arti¡cial.

De acordo com o médico cirurgião e pesquisador da área de IA, Bruno Burjaili, isso mostra que a humanidade não estava pronta para lidar com mais essa nova tecnologia. Porém, o especialista aponta que, na verdade, a sociedade nunca esteve pronta para nada do que lhe foi apresentado. “Eu acho que não estamos prontos para quase nada que descobrimos recentemente. Ninguém pensou sobre as redes sociais – e isso nos mudou. Não há mais volta e ninguém pergunta se isso é ético. Não é o ideal, mas a tecnologia vai acabar marchando dessa forma”, analisa.

Outro caso recente que coloca em prática a ética citada pelo especialista é o novo comercial da Volkswagem em que a cantora Elis Regina, já falecida, aparece em um dos carros da marca cantando ao lado de sua ilha, Maria Rita.

Impressionante, o comercial chamou a atenção do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). O órgão abriu um processo ético para avaliar o caso, já que recebeu diversas queixas de consumidores que questionam se é ético ou não o uso de IA para trazer pessoas falecidas de volta à vida, assim como realizado na campanha.

Porém, o caso de Elis Regina não choca o mestre em Informática Aplicada, membro do Conselho de Inovação de Curitiba e coordenador da Escola de Tecnologia da Informação da Universidade Positivo, Kristian Capeline. Ele sugere que, dentro de alguns anos, será possível que a IA colete dados das pessoas para que, assim que elas faleçam, a família possa ter contato com uma base de dados do falecido, imitando-o na vida real.

“Creio que vamos viver em um período com a IA coletando nossos dados para entender nossos valores e sentimentos, aprendendo sobre nós, para que nossas famílias possam conversar com ‘a gente’ quando morrermos”, revela Capeline.

Avanços a favor da vida

Atualmente, há um tratamento para Parkinson feito por meio de eletrodos que é uma porta para demais tratamentos com IA no cérebro humano. A terapia de Estimulação Cerebral Profunda (ECP) utiliza um dispositivo cirurgicamente implantado no cérebro — parecido com um marca-passo cardíaco — que fornece estimulação ao órgão. Em algumas regiões, esse processo bloqueia os sinais que causam os sintomas motores incapacitantes da doença.

Tratamentos como esse abriram a oportunidade para que outras doenças possam ser curadas por meio da IA. A Nauralink, do empresário Elon Musk, tem desenvolvido um implante cerebral que promete ajudar pessoas com paralisia a andarem novamente.

Porém, na visão de Burjaili, essa evolução pode ir muito além. “Creio que, em breve, teremos produtos para implantar em outras áreas do cérebro, que não estão ligadas à região motora, mas, sim à de lembranças”, pontua o médico.

O futuro é dos robôs?

Na visão do médico, o caminho para o futuro é a coexistência. “A máquina não vai nos destruir. Quem estraga a tecnologia é a humani- dade. Por isso, é impor- tante aprendermos com os erros do passado e não ir por esse caminho”, constata.

Mas, além disso, o pesquisador indica que é preciso elevar os pontos fortes da humanidade, os aspectos que tornam as pessoas mais especiais que um computador. “O poder da escolha é o que nos de¡ne como sociedade. A ideia é que ninguém, jamais, sinta- -se diminuído por um computador”, conclui.

 

*Esta matéria faz parte de um especial sobre Inteligência Artificial na edição #277

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