Outras ondas
A cena se repete diariamente. A aula de yoga que começou às 7h termina pontualmente às 8h30 com um “namastê” e, depois de uma rápida ducha, um avocado toast e um café gelado, as pessoas das mais diferentes nacionalidades colocam seus AirPods nas orelhas, vestem suas birkenstocks nos pés e abrem seus MacBooks para mais um dia de trabalho em Bali.
A mística ilha, localizada entre Java e Lombok, na Indonésia, tornou-se a meca do nomadismo digital nos últimos anos. O movimento é tão forte que o governo indonésio já planeja até ter um visto específico para esse propósito.
Estou em Bali há uma semana experimentando ser parte desse processo e, pelo que acompanho por aqui, ele parece não ter mais volta nem retrocesso.
No Space Café e Coworking de Uluwatu, um ambiente com arquitetura escandinava, pisos e paredes brancas que contrastam com mesas de madeira e pranchas de surfe como decoração nos cantos, converso com russos que abandonaram seu país por conta da guerra, turcos que quiseram fugir da inflação, australianos que aproveitaram a pequena distância e italianos, franceses, brasileiros e americanos que simplesmente tiveram a vontade de viver em um lugar com mais conexão com seus propósitos de vida. Por “propósitos de vida” entenda a busca por mais equilíbrio entre o trabalho, a mente e o corpo. A palavra wellness é levada a sério por aqui e influencia diretamente na economia da ilha por meio da oferta de produtos orgânicos, academias, spas, aulas de surfe e yoga.
A maior parte das pessoas está aqui faz um ano. Vieram ao fim da pandemia, quando muitas empresas optaram por manter o modelo digital como o padrão. A grande maioria não pensa em voltar. Pergunto o porquê. A resposta é monotemática: “nunca me senti tão bem na vida.”
O argumento passa sinceridade. De fato, as pessoas que vivem aqui expressam uma leveza no sorriso, uma fluidez na alma. A combinação parece funcionar. As horas de trabalho são as mesmas, mas a compensação com atividades que fazem bem para o corpo e para a cabeça traz o senso de preenchimento que tanto buscamos.
Ao longo da última semana, experimentei coworkings e cafés em três das principais regiões da ilha para o nomadismo digital: Ubud, Canggu e Uluwatu. Em Ubud, fica a turma do yoga. Em Canggu, a turma do hype e, em Uluwatu, a turma do surfe. Em todos, a mecânica é a mesma: um café com um estúdio ao lado que pode ser locado por diária, mês ou ano. Fato curioso: dados os múltiplos fusos horários, quase todos ficam abertos 24h. Dentro dos estúdios, Wi-Fi de alta velocidade, salas privativas, fundos neutros para videoconferências e até mesmo estrutura para produção de vídeos, fotos e podcasts.
Entre os setores que descobri ao conversar com as pessoas, constavam: mercado financeiro (muita gente trabalhando com criptomoedas e com venture capital), tecnologia (principalmente startups de logística e impacto social – boa parte de origem inglesa, com foco de atuação no Sudeste Asiático) e comunicação (publicitários, designers, influenciadores e produtores de conteúdo).
Volto para casa com a nítida sensação de que essas pessoas, em sua maioria entre 25 e 40 anos, formaram por meio desse movimento e dessa comunidade, uma onda que deve ecoar ainda pelos cinco oceanos. Quem estiver atento poderá surfar junto.
*Matéria originalmente publicada na edição #269 da revista TOPVIEW.