Inspirando os pais
Autor, palestrante e comunicador, Marcos Piangers é conhecido por suas reflexões sobre paternidade, família e valores humanos. Ele se tornou uma figura influente nas redes sociais e no cenário da comunicação brasileira. Dito isso, nada mais justo do que tê-lo em minha coluna neste mês para um bate-papo incrível.
Para nós, educar mentes é tão importante quanto educar emoções. Qual é a sua opinião sobre o papel da escola no desenvolvimento socioemocional dos alunos?
A gente faz essa dicotomia entre mente e coração, emoção e razão. Então, quando falamos sobre educar a mente, trata-se de educar as emoções. Estamos educando a mesma coisa: o nosso cérebro, que tem uma parte de percepção mais racional e um gerenciamento de uma percepção emocional. Então, acho que as duas coisas são importantíssimas. E o que a gente precisa entender e evoluir nessa ideia toda é que precisamos sair um pouquinho da visão mais instrumental da escola e ir para uma visão mais conectada com nós mesmos. O que aconteceu nos últimos anos é uma desconexão do ser humano com ele mesmo e do ser humano com outros seres humanos. E a escola está muito bem posicionada para reconectá-los, ensinando autoconhecimento, comunicação, criatividade e colaboração.
A família também é um importante pilar e parceiro fundamental da escola na educação das crianças. Como você vê esse compartilhamento de responsabilidades?
Educamos por meio do exemplo. Repetimos isso bastante, mas a gente não consegue entender a profundidade dessa afirmação. A criança, independentemente do que aprenda na escola, vai se comportar como o pai e como a mãe se comportam. Se você quer que o seu filho seja educado, seja educado. Se você quer que o seu filho leia, você tem que ler. Se você quer que o seu filho seja honesto, você tem que ser honesto. Então, o bom comportamento vem do exemplo do reforço verbal e dos combinados que você faz com o seu filho. A escola se estende como apoio à formação dessa criança. Um apoio mais atualizado na formação dos pais, porque muitos não tiveram inteligência emocional. Muitos pais, ainda, não sabem lidar com seus gatilhos e traumas e a escola tem a capacidade de se atualizar e de educar essas crianças com o que temos de mais moderno no conhecimento da biologia e da neurociência.
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Os jovens da nova geração apresentam-se muitas vezes mais ansiosos, com dificuldade de lidar com frustrações. A que você atribui esse cenário?
Eu gosto de desenhar para alguns pais o seguinte anagrama Eu faço uma linha horizontal e uma linha vertical. A linha vertical é a quantidade de conexão que a gente tem com as crianças. Então, quando está no ponto mais baixo, a conexão mais embaixo você está nessa linha. E quanto mais alto você tem conexão e vínculo com seu filho, com a criança, com o cão, com o jovem mais alto, você está nessa linha, que é a linha vertical.
A linha horizontal seria uma espécie de expectativa, de confiança, de incentivo à realização dessa criança. Primeiro de tudo, a gente precisa ter esse vínculo bem estabelecido. Então a gente está com essa conexão bem estabelecida, a gente está lá em cima, nessa linha vertical, e depois a gente começa a entender que essa criança, ela vai ser feliz quando ela realizar, quando ela lidar com as frustrações e superar as frustrações. Aí a gente vai para essa segunda linha horizontal, essa linha horizontal, e a gente empurra então essa criança lá pro lado direito, que é onde a gente tem mais confiança nessa criança, a gente tem mais confiança nesse jovem, a gente tem mais expectativa com relação às capacidades desse jovem.
E aí, quando a gente tem um pai, um educador, um professor com alto alta conexão e alta expectativa, confiança, a gente tem esse quadrante ideal do que seria um homem, um pai, um educador, um cuidador, auto vínculo e alta expectativa, alta confiança no que ele pode fazer, no que ele pode realizar. Mas aí eu vou citar o que está nos outros três quadrantes. Se você tem alto vínculo e baixíssima confiança na criança, você se torna um pai superprotetor e você protege o seu filho de tudo e você faz tudo por ele, você leva na escola, mas você também veste o uniforme dele.
Você também dá comida na boca dele. Você também diz que ele não pode sair sozinho, que ele não pode pedir nada pros outros. Ele não pode conversar com o estranho, ele não pode lavar a própria louça, ele não consegue arrumar o próprio quarto. Ou seja, a gente está criando um ser capenga e essa sim, uma criança que foi superprotegida e, portanto, tem uma dificuldade tremenda de lidar com frustração e obviamente, vai desenvolver essa ansiedade sempre que for apresentado por um desafio. E se a gente tem pouco vínculo e a sociedade de hoje tem pouco vínculo, já que os nossos pais estão sempre correndo e quando estão com a gente, então, com o celular.
Perdi minha mãe há pouco tempo, mas quando ela estava comigo ela estava comigo, ela conversava comigo, ela, ela me olhava com atenção. Hoje em dia a gente tem pais que estão sempre correndo e quando estão com seus filhos, estão no celular ou no computador, ou respondendo uma mensagem no WhatsApp ou um e-mail. Então um vínculo vai lá pra baixo. Essa criança não tem vínculo e aí você não tem um vínculo e ainda por cima não tem a expectativa, a confiança nessa criança. É um pai omisso. Essa criança fica completamente perdida e também completamente ansiosa por ter quebrado.
E aí a ansiedade também acontece no último quadrante, que eu ainda não citei, que é aquele com baixíssimo vínculo, mas com uma alta expectativa. Ou seja, você não dá segurança nenhuma do vínculo, não dá segurança, nenhuma conexão com essa criança. Mas você acha que ele tem que fazer tudo sozinho e aí se torna um pai autoritário, o pai que não cria vínculo, mas que exige muito do filho que você conta que você tem que tirar dez. Você tem que ser perfeito, você tem que ser bom no futebol de novo, gerando profunda ansiedade nessa geração. O Brasil é o país mais ansioso do mundo, o país mais deprimido da América Latina.
Quais características você acredita serem necessárias para um pai ou uma mãe serem verdadeiramente inspiradores para seus filhos?
Não precisa de muita coisa. O filho já é profundamente inspirado pelo pai e pela mãe. É uma das coisas mais bonitas da vida. Um filho confia no pai e na mãe, perdoa o pai e a mãe. Se eles erram, se estão ausentes, se explodem emocionalmente ou se não têm inteligência emocional… o filho perdoa. Então, temos que fazer um trabalho bem importante de nos transformar na melhor pessoa possível que conseguimos ser naquele dia. Amanhã a gente vai ser um pouquinho melhor, mas temos que ser a melhor pessoa possível hoje. Temos de tratar o nosso interior, olhar os nossos traumas, nossas criações, nossa cultura, nossas crenças, que, muitas vezes, determinam a forma como a gente lida com os nossos filhos.
Amor é algo que se aprende?
Acredito que sim. Acredito que a gente aprende quando tem um bom pai, uma boa mãe, um bom cuidador. A criança, no fundo, quer sobreviver com o calor do colo e com o leite materno, mas, obviamente, vai crescendo e percebendo que não é um ser colado na mãe e vai descobrindo o mundo. Assim, ela quer amor. Todo ser humano quer amor. E, assim como o ódio, a agressividade e o medo – que também são aprendidos –, o amor pode ser aprendido. Mas, em geral, está lá dentro de nós desde que nascemos. Se você entrega um bebê para uma criança de cinco anos, ela vai fazer carinho, vai beijar e vai ajudar a trocar fralda. Depois, esse menino é embrutecido. Dizem para ele que ele não precisa trocar fralda, que ele tem que se construir em oposição ao feminino. Há homens com dificuldade de relacionamentos, de cuidar dos próprios filhos, de compromissos… ou seja, ele tem que reaprender o que é o amor. Eu acho que é possível se reconectar com a criança que esse homem foi um dia para que isso aconteça.
Em “O Papai é Pop”, você traz diversas reflexões sobre a paternidade e a relação com seus filhos. Como você acredita que a afetividade, presente em muitas de suas histórias, influencia o processo educacional das crianças?
Acho que a gente pode escolher como a gente vai criar os nossos filhos, se vai ser através do carinho e da segurança ou através do medo e da agressividade. Acredito que esse primeiro caminho fortalece o vínculo e fortalece o ser que é essa criança, e o segundo caminho enfraquece essa criança. Eu sempre eu sempre digo que eu não tenho nada pra ensinar pra ninguém, eu só compartilho as minhas experiências com as minhas filhas, os nossos aprendizados, porque eu acho que olhando para uma criança e olhando para gente mesmo nesse processo da educação dos nossos filhos, a gente tem a chance de se reconstruir, de ser melhor todos os dias, de ser um pouquinho melhor do que a nossa mãe e nosso pai foram com a gente. Entender melhor nossos pais nesse processo, perdoá-los e formar indivíduos ah que sejam completos e principalmente que sejam felizes é isso que eu tento fazer comigo mesmo e com a com as minhas filhas.
Em suas palestras e participações em eventos sobre educação, você defende a importância do amor e da empatia na educação dos filhos. Como esses aspectos podem ser integrados às práticas pedagógicas para promover o desenvolvimento integral das crianças?
Bom, eu sei que essa é uma questão polêmica porque muitos professores gostam de se colocar como educadores formais, ou seja, detentores de algum conhecimento que deve ser passado tecnicamente para as crianças a respeito da relação afetiva que esse professor e o educador tem com as crianças e com os jovens. Mas eu repito um ponto que eu já trouxe aqui, a única forma de educar verdadeiramente uma pessoa não é imaginando que eu preciso ensinar apenas a técnica e os instrumentos para aquela pessoa conseguir um trabalho, se formar. Esse ser humano depende de um aprendizado afetivo integralmente, esse ser humano depende de uma educação que seja conectada, que tenha vínculo, que não seja simplesmente um um uma apostila. O Sugata Mitra, um professor indiano que faz uma série de experimentos em favelas indianas, tem uma frase que eu acho muito forte, na primeira vez que eu ouvi, achei muito pesada e questionei essa frase, mas hoje em dia eu entendo ele, ela diz: se um professor pode ser substituído por um computador, então ele deve ser, ou seja, se o professor se enxerga apenas como um robô que vai passar conhecimento ele já está sendo substituído pelo pelo Google, pelo YouTube, pelo chat GPT. Mas quando esse professor se percebe como um ser humano, como um ser que nessa conexão com o indivíduo mais jovem do que ele vai trazer mais do que conhecimento, mas uma série de percepções, questionamentos, pensamentos críticos, uma série de nuances que são nuances humanos, aí sim essa educação é realmente transformadora.
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A tecnologia tem um papel cada vez mais central na vida dos jovens. Como você vê o equilíbrio entre a utilização de recursos tecnológicos e a preservação das habilidades humanas no processo educativo?
Eu estou aqui olhando como a pergunta foi formulada “o equilíbrio entre a utilização de recursos tecnológicos e a preservação das habilidades humanas” é bonito isso, né? Porque a gente acha também que vai perdendo essas habilidades humanas devido a nossa relação com a tecnologia, só que a gente vai perdendo essas habilidades humanas devido a nossa construção social e devido a nossa construção escolar. A gente treina as crianças a não correrem, a não darem ideia, a não levantarem a mão, a não conversarem. A gente reclama que os jovens são ótimos alunos, mas o único problema é que são muito conversadores, que estão correndo demais no pátio, ou seja, alguns ambientes escolares buscam que esses jovens se transformem na verdade em robozinhos, que simplesmente decorem e apliquem, se tornem um algoritmo, uma inteligência orgânica subjugada a um comportamento de inteligência artificial, que simplesmente verifiquem em um banco de dados, pegue a resposta certa e coloque aquilo na prova, sem demonstrar nenhuma emoção, excitação, ou motivação, porque tudo isso pode ser visto como fraqueza e eu acredito no contrário, acredito que motivação, interesse, vontade de conversar, de falar, de correr, de brincar, de rir, de fazer barulho e bagunça, não são defeitos e sim qualidades maravilhosas do ser humano, qualidades tão maravilhosas que a máquina não consegue entender e que só a gente tem. Então eu acho que a nossa busca é pela preservação da habilidade humana, pela preservação da energia humana, só potencial humano. E costumo dizer que eu sou do time humano, e que a tecnologia é só uma ferramenta que deve ser usada somente às vezes, mas o nosso foco deveria ser nas nossas relações pessoais uns com os outros e com a gente mesmo, e é claro, com a natureza, porque o ser humano é natureza e a tecnologia já nasce morta.
A educação inclusiva é um desafio para muitas escolas e educadores. Como você acredita que a paternidade consciente pode contribuir para a construção de uma educação mais inclusiva e respeitosa às diferenças?
A gente pode colocar a culpa em muitas pessoas durante esse processo de educação não inclusiva, como a gente muitas vezes vê, os pais têm uma série de preconceitos, os professores muitas vezes também tem preconceitos, além de não serem capacitados. Acho que a gente precisa entender que a diferença entre seres humanos constrói uma beleza e um mundo incrível.
Eu tenho um amigo que me disse uma vez uma frase que eu fiquei muito impactado, no primeiro momento eu questionei, mas hoje em dia eu entendo, ele disse: eu tenho pena de quem não tem um filho autista. Essa frase é forte, mas hoje eu entendo a quantidade de aprendizado, ensinamentos, profundidade, e a quantidade de força que esse pai percebe que tem ao perceber que o filho também tem muita força, muita potência. Então eu acho que a gente às vezes se priva, e seria tão mais bonito se a gente abrisse a porta da escola para o diferente e pra comunidade, porque na comunidade ao redor das escolas a gente tem muito o que aprender com as famílias e com as pessoas, porque as escolas muitas vezes se protegem com grades e com muros. Eu gosto de citar algumas pesquisas, e uma pesquisa com 1500 adolescentes, em 2017, perguntou como que eles queriam aprender, como seria um processo educativo pedagógico interessante pra eles, a resposta foi um lugar onde eles aprendam botando a mão na massa, um lugar onde eles aprendam com visitas, com passeios, com interação no meio.
A prática da empatia e o amor incondicional têm ganhado espaço na educação como ferramentas para melhorar o bem-estar e a atenção dos alunos. Qual a sua opinião sobre a incorporação dessas práticas no ambiente escolar e familiar e qual impacto elas podem ter no desenvolvimento socioemocional das crianças?
Quanto mais a gente estuda neurociência, mais a gente vê o impacto positivo que existe no carinho, no afeto, no cuidado e na atenção. As crianças e jovens que recebem atenção têm essa capacidade de superar seus desafios cognitivos e emocionais porque tem ali no adulto uma espécie de córtex pré-frontal externo ao seu próprio cérebro que está em formação até os vinte e cinco. Então é óbvio que a gente tem que colocar a emoção, a empatia, a conversa, a atenção, os pontos de contato humanos, e a gente deveria estar liberando professores de preencher relatórios e de ter uma uma vida profissional tão solitária porque ele tem que estar corrigindo prova e preparando aula e corrigindo o trabalho ou seja aquele professor ele está solitário mal encontra outros colegas quando encontra rapidinho na sala dos professores e não tem a chance de trocar boas práticas de descobrir as formas de se conectar aos alunos de uma forma mais eficaz e eficiente.
Então acho que quanto mais a gente conseguir discutir essa formação integral e essa capacitação de professores de novo é melhor. O professor é a tecnologia mais importante dentro de uma sala de aula. Todas as pesquisas que a gente faz apresentando óculos de realidade virtual, iPads, telas touchscreen, laboratórios de informática e perguntam qual o ponto mais importante para seu aprendizado, em primeiro lugar sempre fica o professor. Os alunos, os jovens, as crianças dizem, o professor é o instrumento mais importante para o meu aprendizado, para abrir a minha curiosidade para que eu desperte a vontade de aprender. Ou seja, a gente deveria estar investindo muito dinheiro no professor, na capacitação desse professor, na formação desse professor, no preparo desse professor, no conhecimento a respeito de aprendizado, de cognição, de inteligência emocional, tudo isso esse processo ele deveria estar capacitado, ele deveria saber pra dar uma aula extraordinária, fantástica, mas que principalmente incentivam esses jovens a buscarem o conhecimento que hoje está amplamente distribuído. É amplamente disponível no bolso deles, né? E nos computadores e assim por diante. Então acho que esse é o nosso grande desafio. Largar um pouquinho a ideia de que as escolas têm que investir em tecnologia e redescobrir ao reforçar a ideia de que a gente tem que investir na melhor tecnologia que já inventaram a inteligência orgânica e a inteligência humana. Valorização e capacitação de professores esse seria o nosso grande salto na educação brasileira.
Nessa troca emocionante e reflexiva com Marcos Piangers, somos transportados para o coração da paternidade e da educação, um espaço em que o amor incondicional e o respeito mútuo convergem para moldar o caráter e o futuro de nossas crianças. Piangers, com sua sabedoria e experiência, convida-nos a abraçar nosso papel como guias na jornada de crescimento das novas gerações – seja como pais, educadores ou membros da comunidade. Ele nos
lembra que, ao infundir amor e empatia em nossas práticas educativas, podemos cultivar um ambiente de afetividade e respeito. Essa conversa é um apelo ao nosso senso de responsabilidade e uma inspiração para buscarmos uma educação e paternidade mais significativas e transformadoras para um futuro mais promissor.
*Matéria originalmente publicada na edição #275 da revista TOPVIEW.