Facundo Guerra: pai de Pina e rei da noite paulistana
Numa pesquisa sobre Facundo Guerra, o complemento sugerido pelo Google é “solteiro”. Acrescente a alcunha de “rei” ou “dono” da noite paulistana (e nossos pré-julgamentos) e aí estão os ingredientes para que a faceta “pai” no empresário seja considerada uma surpresa. Nascido na Argentina e criado no Brasil, Guerra, tido como um dos responsáveis pela revitalização do Baixo Augusta, na região central de São Paulo (SP), é dono de empreendimentos como as casas noturnas Vegas e Cine Joia e o bar Riviera, este com o chef Alex Atala.
Sua prioridade, porém, é a filha: Pina. Na conversa a seguir, por telefone, Facundo Guerra fala sobre sua relação com a filha e sua educação como feminista, numa casa sem religião e frequentando eventos culturais “para adultos”.
TOPVIEW: Pina é uma pequena celebridade…
Facundo Guerra: Ah, não fale isso (risos).
TV: No melhor sentido… E é referência de estilo. Mas como você era na infância?
FG: Era uma criança absolutamente normal. Não tinha tanto acesso às coisas como a Pina tem. Minha família era classe média/baixa, então não tive tantas opções. A Pina tem duas casas, muita gente que a ama… Eu me preocupo pelo fato de ela ter um excesso de coisas: casa, amor, atenção – pai e mãe que são empreendedores e conseguem dar bastante atenção pela agenda flexível. Um pouco de austeridade fortalece o caráter. O que ela ganha em um ano de brinquedo tem gente que ganha numa vida inteira.
TV: Tem algum aspecto da sua vida que gostaria que não se repetisse na dela?
FG: São gerações completamente diferentes… Tédio é algo que uma criança dessa geração não tem. A Pina acessa a tela o dia inteiro. Ela tem um tablet com joguinhos, câmera… A gente foi na SP-Arte, ela me viu tirando foto e quis também.
TV: Que tipo de passeios vocês fazem? Há fotos dos dois depois de um concerto na Sala São Paulo…
FG: Vamos à Sala São Paulo aos domingos, quando tem concerto infantil… Não tem essa de programa de adulto ou criança, a gente já viu Bachianas [de Villa-Lobos], Grupo Corpo, Mulher Maravilha. Acho que o filme passa uma boa mensagem sobre empoderamento feminino. Não vou deixar de levá-la porque tem três [cenas de] lutas. Fui com ela à exposição do Steve Jobs e falei: “O papi fica tanto tempo no compu-tador e celular, agora quero te mostrar a história do homem que os inventou”.
TV: Como define sua relação com Pina?
FG: Eu não a subestimo. Não existe fadinha dos dentes…
TV: Você já disse ser “alérgico a qualquer coisa tipo ‘um deus maior governa o mundo’”. Como suas crenças se aplicam na educação de Pina?
FG: Cada um cria o filho como pode, com sua ética, moral, seus valores. A Pina foi criada numa casa onde não tem Deus – ou Páscoa e Natal. Por que reforçar a ideia de que tem que ser bonzinho só no Natal? Por que fazer isso só durante o Natal? Não deixo de dar presentes a ela, mas dou o presente do papai. E ela tem as suas próprias fantasias, brincadeiras.
TV: Você é um pai muito diferente daquele que seu pai foi contigo?
FG: Muito. Eles estavam muito preocupados em ganhar a vida, e não em serem pais. E tinham três filhos. A minha geração não obrigatoriamente vai ser pai ou mãe, é uma escolha. Ninguém está preocupado com uma pressão social, e vira pai muito mais velho e maduro. Eu tenho uma preocupação em formar o humano que o meu pai não teve. E com a Pina é de construir uma pessoa, que não tenha os preconceitos que tenho dentro de mim.
TV: Que preconceitos são esses?
FG: Fui criado dentro de um ambiente de racismo, machista, homofóbico…
TV: Como trabalha os preconceitos com Pina?
FG: Apresento um travesti, uma transexual. Não tratamos nem como homem nem mulher, a gente chama de “menino”. Com corpo de mulher ou de homem.
TV: Como faz para dar um bom exemplo, tendo sido criado nesse ambiente preconceituoso?
FG: Não expresso meu preconceito. Ele existe dentro de mim. Não sou homofóbico como na adolescência. Porque o humano é formado, é construído. O que era preconceito, hoje não tem nada a ver, essas manifestações eu consegui suprimir. [Pina entra na conversa e diz que gosta de roubar a goiaba do pai (especialmente se ele já deu uma mordida), ir ao teatro de bonecos e que Facundo lhe dá doces e amor.]
TV: Você já afirmou que “filho se cria na rua”. É possível, mesmo em São Paulo?
FG: A vida comunal é muito importante. A minha geração é muito medrosa em relação aos filhos. A gente cerca as crianças de muito cuidado. Esse medo excessivo é transmitido para elas. Quero que seja uma feminista, ela tem que ir à marcha [do Dia da Mulher], no meu colo, eu quieto e ela entoando os cantos de luta.
TV: Você e a mãe de Pina [a maquiadora Vanessa Rozan] compartilham essas visões? Como fazem, estando separados?
FG: Não temos [a mesma visão de mundo]. A Pina recebe essas duas visões e depois vai escolher o caminho dela. Divergência sempre vai existir, mesmo quando a gente estava junto tinha que encontrar um lugar em comum.
TV: Como lidam com a exposição de Pina?
FG: É difícil, a mãe é muito conhecida, mais do que eu. E a Pina faz parte da nossa vida, então a gente compartilha fotos com ela… Não sei se hoje em dia faz sentido falar em exposição…
TV: Seu currículo indica a variedade de assuntos que te interessam [é engenheiro de alimentos, jornalista, fez mestrado em política]. É difícil equilibrá-los com programas infantis e com a atenção que a paternidade exige?
FG: Meus gostos são muito parecidos com os da Pina. Amo teatro infantil, desenho de animação, gosto de ir a parque de diversões… A gente sempre se diverte. A minha prioridade hoje é a Pina. Ela não tem babá. Tem a cuidadora da casa, que me
ajuda a fazer o jantar dela, por exemplo. Às vezes eu fico trabalhando e ela do meu lado, vendo tevê, em casa. Hoje trabalho em café, restaurante – onde estiver. Quando ela está no balé, estou respondendo meus e-mails no celular, no computador. Meu
trabalho ainda acontece em qualquer lugar, então a minha paternidade também se expressa em qualquer hora.
TV: E o celular dá descanso?
FG: O mesmo problema que tenho para dar atenção aos amigos no bar é o que tenho para dar à minha filha.
No dia 17, Facundo Guerra vem a Curitiba para uma palestra sobre sua trajetória na área de entretenimento, no Festival Subtropikal.