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Cannabis Medicinal: a mina de ouro

Apesar das comprovações científicas, o uso da cannabis medicinal ainda é pouco difundido. No entanto, os números mostram que seu potencial médico e econômico são impressionantes

Ansiedade, alzheimer, autismo, Parkinson, epilepsia, fibromialgia, depressão e dor crônica. Essas são apenas algumas das doenças e transtornos que podem ser atenuados — e muito — com o uso da cannabis medicinal.

A planta – associada diretamente à maconha – é muito mais do que uma substância para uso recreativo. Ela faz parte do grupo das angiospermas com três variedades diferentes: Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. A maconha, como é popularmente conhecida, compõe a primeira delas.

No entanto, tanto a maconha quanto as outras derivações vão além do fator alucinógeno. Os poderes medicinais e econômicos são imensuráveis.

O mercado da cannabis está, cada vez mais, sendo explorado no mundo todo. De acordo com a 2a Edição do Relatório Global sobre a Cannabis, de 2021, produzido pela consultoria Prohibition Partners, esse mercado movimentou cerca de US$ 37 bilhões em 2021. Seu potencial é tão grande que se acredita que pode haver uma
movimentação de US$ 120 bilhões até 2026. Países como Alemanha, Austrália e Israel são destaques nesse crescimento.

Além disso, o levantamento ainda indica a transição de campos de produção em países do hemisfério norte, como Holanda e Canadá, para países como Colômbia, Jamaica, Lesoto, Uganda e Uruguai. Ainda assim, o Canadá e os Estados Unidos são destaques em relação ao consumo da cannabis medicinal.

Em território nacional, de acordo com a Lei no 11.343, de 2006, só é possível fazer a plantação “exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas”. No entanto, há muitas regulamentações a serem cumpridas, o que dificulta o acesso para pessoas que mal têm o conhecimento sobre a planta e que precisam dela para melhorar a situação de saúde de um
familiar, por exemplo.

No país, ainda é possível fazer o uso medicinal de outras formas — além de plantar para consumo próprio mediante aprovação dos órgãos regulamentadores: importar a planta in natura e comprar produtos à base de cannabis, tudo por meio de receitas médicas, apenas para uso medicinal. O uso recreativo, ou adulto — como é descrito —, não é
permitido no Brasil.

Ainda segundo o relatório da Prohibition Partners, a venda do produto para fins medicinais pode movimentar mais de R$ 2 bilhões até 2025 no Brasil. Para se ter ideia, até 2020, mais de 23 mil pacientes utilizavam os produtos, farmacêuticos ou não. O potencial de usuários ainda pode crescer mais de 11 vezes e chegar a mais de 262 mil pessoas em 2025.

O cenário brasileiro

Apesar de os primeiros registros sobre o uso da cannabis medicinal serem de 2.737 AC, com o imperador ShenNeng, da China, seu uso no país é recente. Sabendo de seu potencial, em 1981, um grupo criado pelo professor e doutor Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostrou, por meio de pesquisas, os efeitos benéficos do canabidiol (CBD) para controle de crises convulsivas.

Apesar de haver maior uso da composição para doenças e transtornos atualmente — devido às pesquisas ainda estarem concentradas nessa molécula —, também é possível usar o tetrahidrocanabinol (THC) — molécula responsável pelo efeito alucinógeno — como medicamento sem que ele cause confusões mentais.

O interessante é que, na cannabis, ainda é possível encontrar mais de 100 canabinoides que podem ser utilizados para tratamento de doenças e transtornos. O que ainda falta são estudos que abram esses caminhos para o uso dos
componentes na medicina. Por isso, os mais usados e conhecidos pelos médicos são o CBD e o THC.

Reconhecida há anos em outros países, como Estados Unidos e México, a Hemp Meds foi a primeira empresa a desenvolver produtos derivados de cannabis para o uso medicinal mediante receita médica – há oito anos, para o Brasil.

Esse consumo, porém, não é semelhante ao de medicamentos convencionais, em que a composição e o modo de utilização são praticamente os mesmos para todos. A utilização da cannabis exige particularidades de acordo com as individualidades dos pacientes. “A gente temum portfólio grande. Os produtos não são todos iguais, tanto na concentração, composto ou o que tem dentro deles”, afirma Matheus Patelli, diretor da Hemp Meds.

Ele conta que, hoje, a empresa possui 23 produtos, que variam de composição e forma de administração. Há em forma de cápsulas, líquidos, pomadas e pastas concentradas. “Não é uma medicina convencional, não há um uso padronizado. É preciso conhecimento médico e opções de uso”, descreve.

Segundo os médicos, as diferentes dosagens e formas de uso variam de paciente para paciente. Em alguns casos, é necessária a planta in natura. Nesse caso, a Produtora Uruguaya de Cannabis Medicinal (PUCMED) foi a primeira empresa uruguaia a importar legalmente a flor da cannabis para uso medicinal no Brasil.

Vendo o grande potencial medicinal da planta, os sócios Afonso Braga Neto e Alfonso Cardozo passaram a fazer a produção por meio de agricultura industrial. Por isso, a PUCMED possui um campo coberto e climatizado com uma plantação no Uruguai.

Alfonso Cardozo e Afonso Braga Neto, proprietários da PUCMED.

Para o Brasil, essa relação com o Uruguai promovida pela PUCMED só tem a acrescentar, principalmente em termos econômicos. “Isso é muito importante, porque o Brasil não precisa gastar horrores com frete, temos tudo aqui no [país] vizinho”, afirma Alfonso.

Hoje, a empresa consegue importar o produto in natura para o Brasil por meio da RDC nº 660, que contempla o uso individual da planta mediante comprovação médica. No entanto, a PUCMED é a empresa responsável por trazer o produto, quem comercializa e acolhe os pacientes e interessados pelo tratamento no Brasil é a Anna Medicina Endo-
cannabinoide.

Prometendo fazer uma revolução no universo da cannabis medicinal no Brasil, a marca lançou um marketplace para a aquisição de produtos importados com CBD e vai criar os primeiros espaços físicos sobre o tema no país na Santa
Casa de Curitiba e no Eco Medical Center. Ainda assim, é necessária a receita médica para conseguir adquirir os produtos.

Esses espaços físicos – chamados de “centro de acolhimento” – são a grande aposta para que a cannabis medicinal ganhe espaço no Brasil. Dentro desses centros médicos, a ideia é levar conhecimento para quem procura tratamento e também para o corpo clínico. “Nosso propósito não é ficar vendendo os produtos dentro desses locais. É levar conhecimento para o médico e acolhimento aos pacientes. Sem os médicos, nada acontece. Mas sabemos que eles
vão nos procurar, porque o paciente também está procurando”, revela Marcelo Velo, cofundador e COO da empresa.

Sempre com foco na inovação, o Eco Medical Center abrirá suas portas para incentivar ainda mais o uso da cannabis medicinal. “Nós sempre tivemos essa essência de inovação e, por isso, nos colocamos à disposição para ser o primeiro espaço físico de orientação para uso da planta [para os tratamentos de saúde], um lugar em que os médicos e a população possam ser orientados”, revela Patrick Gil, CEO do Eco Medical Center.

Esse centro de acolhimento ocorre em um espaço de 120 m² com uma arquitetura que não remete a um ambiente hospitalar. “A ideia é aproximar esse universo de hipóteses e conversas. É trazer o tratamento humanizado, de olho no olho, e, principalmente, é preciso ficar claro que não é uma loja física, é um local de esclarecimento e acolhimento”, finaliza Patrick.

Um mundo de possibilidades 

A cannabis ainda possibilitará diversos benefícios médicos e diversas pesquisas, no mundo todo, ampliando esse mercado cada vez mais. A médica Mariana Maciel, brasileira de Minas Gerais radicada em Vancouver, no Canadá, é responsável pelo desenvolvimento de uma tecnologia capaz de aumentar em até 10 vezes a absorção do canabinoide pelo corpo. “Na tecnologia chamada Power Nano, nós encapsulamos os ingredientes ativos em nanopartículas para que elas tenham uma permeabilidade maior e sejam facilmente absorvidas. Com isso, nós mudamos a solubilidade,
que era à base de óleo, para ser à base de água. Isso aumenta a biodisponibilidade do fármaco”, detalha ela.

Outra possibilidade é o produto que será lançado pela PUCMED, capaz de rejuvenescer as regiões íntimas femininas. “Essa é uma outra marca do grupo, voltada para linha de skincare. Esse produto não precisa de receita médica para ser adquirido e tem 70% de maior preenchimento que as três principais marcas importadas desse tipo”, garante Afonso.

As possibilidades da cannabis são, ainda, intermináveis. Para Matheus, da Hemp Meds, ainda há muito o que explorar e abrir caminhos para a planta de uso medicinal no Brasil. “Plantar a cannabis aqui seria o ideal. Nós temos um território vasto e, inclusive, a planta favorece muito o agro, já que ela limpa o solo para novas plantações. Além disso, ainda podemos utilizar as sementes e as folhas para a indústria têxtil e na suplementação alimentar. Existem
muitos potenciais inexplorados”, finaliza o diretor.

*Matéria originalmente publicada na edição #270 da revista TOPVIEW.

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