SELF COMPORTAMENTO

A vida no campo, da janela do meu quarto

"Lembro muito bem do impacto que 'viver no interior' causou no meu mundo adolescente"

Nasci em Cascavel, mas passei a infância em Curitiba. Aos 12 anos, embarquei com os meus pais de volta à cidade natal para uma das melhores experiências da minha vida. Lembro muito bem do impacto que “viver no interior” causou no meu mundo adolescente. Sem shopping ou cinema. Como eu viveria?

O prédio em que eu morava ficava no centro da cidade. Da janela do quarto, eu conseguia ver um horizonte interminável de verde rural. Já naquela época, Cascavel estava longe de ser uma cidade pequena de interior, — então com 300 mil habitantes, hoje com quase meio milhão — mas, na minha cabeça de adolescente, parecia viver rodeada o tempo todo por uma imensa plantação. O despertador tocava e, ao abrir a janela do quarto, era essa a minha paisagem matinal. A visão das estações do ano de acordo com a safra, a colheita e a entressafra. O ar tinha uma textura e dava para sentir o cheiro da lavoura.

Os dias se passaram. E se passaram meses e anos. A menina foi crescendo e entendendo a grandeza daquele universo rural. Lembro de começar a entender a importância do campo ainda na escola. Na minha turma, muitos colegas moravam em cidades próximas, em zonas rurais, e muitos deles viviam em fazendas. Vinham de gerações de fazendeiros que ganhavam a vida plantando, colhendo, criando e tratando. Gente que olhava para o solo e para o céu de uma maneira totalmente diferente. Às vezes, minha mãe me deixava passar um fim de semana com os amigos na fazenda. A vida passava em outra velocidade. O contato com a natureza e com os animais. Sem contar a diversão que era tirar o leite da vaca, ver o galinheiro cheio de ovos e observar a elegância dos cavalos.

Já na juventude, aprendi a enxergar ainda mais o valor do campo no balcão da loja tintas de minha mãe. Se a safra era boa, o comércio da cidade ia bem. Quando a colheita era menor que o esperado, as vendas não prosperavam. E, com isso, minha atenção à previsão do tempo também mudou. Muita chuva? Sol demais? Granizo? Geada? O sentimento de perda, que até então parecia ser só do campo, era o sentimento de uma cidade inteira.

“Só quem pisa na terra e suja a sola da bota, só quem convive e trabalha no campo, conhece de fato a realidade desse mundo (…)”

Na faculdade de jornalismo, conheci o agronegócio — com seus dados, valores e números impressionantes — e entendi que aquela paisagem que eu via todas as manhãs da janela do meu quarto era o que projetava o Brasil para o mundo. Ainda na faculdade, fiz a minha primeira cobertura jornalística para o Show Rural Coopavel. Minha missão era fazer várias entradas ao vivo para a televisão aberta e, para isso, preparei-me muito. Fiquei ainda mais admirada com toda a tecnologia e inovação que eram empregadas no campo. E, ainda assim, depois de vários anos cobrindo o Show Rural, a cada entrevista, surpreendia-me com o mundo do agronegócio.

Com 24 anos, eu voltei para Curitiba. Às vezes, sinto saudade de abrir a janela do quarto e ver aquela paisagem de infinitas plantações lá no horizonte. Durante a produção desta edição da TOPVIEW, consegui matar um pouco a vontade de pesquisar e falar sobre o agronegócio. E, ao compartilhar as minhas vivências com o time de conteúdo desta revista, chegamos à pauta da nossa reportagem especial: Uma Realidade Particular.

Só quem pisa na terra e suja a sola da bota, só quem convive e trabalha no campo, conhece de fato a realidade desse mundo, que parece distante, mas que está presente no dia a dia da vida de todo um país.

*Crônica editorial originalmente publicada na edição #233 da revista TOPVIEW.

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