Sérgio Moro fala sobre o jogo político, a perda do Coaf, o convite para o STF e o futuro da Lava Jato
“Seria algo que qualquer juiz gostaria, evidentemente. Seria o ápice da carreira como juiz.” Como não poderia deixar de ser, o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, começou a entrevista nesta segunda-feira (13), respondendo sobre a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que está certo que uma vaga no Supremo Tribunal Federal é do ex-juiz da Lava Jato.
Em mais de uma hora de conversa com o jornalista Marc Sousa na rádio Jovem Pan Curitiba e transmitida por veículos do Grupo RIC, Moro falou, ainda, sobre a perda da Coaf, o pacote anticrime, a continuidade da Lava Jato, sua inserção na política e fez uma avaliação dos primeiros meses à frente do ministério.
Leia, a seguir, os principais trechos da conversa.
Você sabe que aqui não tem “mimimi”. Ontem (12/05), o presidente Jair Bolsonaro declarou, em entrevista à Bandeirantes, que já está certo que uma vaga no Supremo Tribunal Federal é sua. É isso mesmo? O senhor já entrou no ministério pensando em assumir [uma vaga no] STF?
Eu fico honrado com o que o presidente falou, mas não tem a vaga no momento e, quando ela surgir, o presidente vai avaliar se ele vai manter o convite e eu vou avaliar se vou aceitar o convite (se for feito, evidentemente). Então, não é uma coisa que hoje se encontra na minha mente. Meu trabalho, hoje, é desempenhar minhas funções dentro do ministério e fazer um bom trabalho na área de Justiça e Segurança Pública.
Havia e há ainda muitos inimigos desses avanços anticorrupção, e eu entendi que dentro do ministério, em uma posição mais elevada de poder, eu poderia não só tentar avançar essa pauta mas também prevenir retrocessos. Como houve convergência de pautas com o presidente, ele fez o convite eu aceitei. Não houve estabelecimento de condições – “ah, eu só vou se me convidar para o STF depois”. Não houve nada disso. Até seria inapropriado.
“(…) o convite para o ministério também foi a oportunidade de fazer alguma coisa diferente. É que nem ficar fazendo a vida inteira sempre a mesma coisa, é cansativo. Então, é bom mudar.” – Sérgio Moro
Mas o senhor tem vontade de aceitar?
Seria algo que qualquer juiz gostaria, evidentemente. Seria o ápice da carreira como juiz. Mas o foco é o trabalho no ministério. Estamos trabalhando muito contra o crime violento, crime organizado e tentando fazer essa pauta anticorrupção. A Polícia Federal está trabalhando como nunca, a Polícia Rodoviária também. Antes de iniciar a entrevista, eu vi um dado de que caiu 24% a criminalidade de homicídios no país inteiro no primeiro trimestre deste ano. Acho que estamos no caminho certo. Não que isso seja mérito exclusivo do ministério – os estados também estão trabalhando firme. Mas, evidentemente, se tivesse sido o contrário, aumentado 25%, iam dizer que a culpa é do governo federal.
Como juiz, são 22 anos de carreira. Não é só a Lava jato, tem outros grandes casos que o senhor tocou. Mas o senhor está feliz como ministro ou tem saudades da magistratura? Como está o coração do Sérgio Moro?
Era uma carreira bastante interessante. Mas eu estava há 22 anos [nela] e confesso que estava um pouquinho cansado de fazer sempre aquilo. A própria Lava Jato já tinha mais de quatro anos. E em um ritmo sempre intenso. Então, o convite para o ministério também foi a oportunidade de fazer alguma coisa diferente. É que nem ficar fazendo a vida inteira sempre a mesma coisa, é cansativo. Então, é bom mudar.
“Claro que precisa de apoio muitas vezes do próprio governo, a questão do orçamento, congresso, leis, etc., mas acho que estou conseguindo fazer muita coisa.” – Sérgio Moro
É um desafio novo.
É, e ali em uma posição diferente. A postura do juiz é evidentemente passiva. Ele recebe pedidos dos advogados, promotores e da polícia e decide. Então, não tem a iniciativa propriamente dita, salvo em casos muito peculiares. Enquanto como ministro, não, eu tenho liberdade de fazer o que eu entendo. Claro que precisa de apoio muitas vezes do próprio governo, a questão do orçamento, congresso, leis, etc, mas acho que estou conseguindo fazer muita coisa.
Muito se fala agora sobre a sua posição no ministério. O senhor tinha independência como juiz e agora tem que seguir uma orientação central do governo. Isso te incomoda?
Realmente é diferente. Como juiz, minhas ações ficavam sujeitas a revisão, mas eu tinha absoluta independência de decidir. Como ministro é um pouco diferente. Mas algo que foi positivo dentro desse governo [é que o] presidente, quando me chamou, deu liberdade para chamar quem eu quisesse para compor o ministério. Quando eu assumi, teve ministro que me disse: “Olha o fulano, que é secretário de não sei o quê, não fui eu quem coloquei, eu tive que aceitar essa indicação por conta das composições políticas”. E aí, se você não manda nem no ministério de que você é responsável fica muito difícil. Ao contrário, o presidente me deu carta branca para essas nomeações.
O pessoal fala daquele caso da Ilona Szabó. Eu já falei sobre isso 30 vezes: é um conselho consultivo, não é um cargo executivo. Eu convidei, acho que é uma pessoa de qualificação, houve algum estremecimento em relação aos eleitores do presidente e ele pediu para eu rever a decisão. Essa foi a única interferência que o presidente fez. É claro, nenhum ministro tem independência absoluta. Quem manda é o chefe do executivo, então, muita coisa a gente conversa. Ninguém constrói política sozinho, isso é normal. O próprio presidente conversa com o congresso, isso é natural.
“Ninguém constrói política sozinho, isso é normal. O próprio presidente conversa com o congresso, isso é natural.” – Sérgio Moro
Muito se fala sobre uma possível saída do senhor do ministério. O senhor tem pretensão de deixar o ministério?
Faz uns dois meses que toda semana vejo lá: “Pedido de demissão do ministro”. Olha, não tem isso. Claro que nada é para sempre: se chegar um momento em que eu entender que não cabe mais a minha condição no governo, eu saio, não tenho problema nenhum quanto a isso. Mas eu estou conseguindo implementar as políticas que eu quero. Claro que tem as questões junto ao congresso, às vezes algumas dificuldades do ministério e do governo, mas as políticas que eu quero implementar estão sendo feitas. O resultado está aí: um ministério forte contra o crime organizado, que dá autonomia à polícia federal para investigar o que é necessário em todos os campos, inclusive da corrupção. Enfim, eu acho que o caminho está sendo positivo, o pessoal às vezes valoriza muito as coisas pequenas.
“(…) se chegar um momento em que eu entender que não cabe mais a minha condição no governo, eu saio, não tenho problema nenhum quanto a isso.” – Sérgio Moro
Se o pacote anticrime não passar no congresso, o senhor deixa o ministério?
Eu acho que é uma peça importante. O que nós entendemos foi o seguinte: vamos organizar um projeto de lei robusto contra crime organizado, crime violento e corrupção por vários motivos: para ter instrumentos legais melhores para trabalhar com a criminalidade. Não que mudar a lei resolva o problema, mas melhorar a lei também faz parte da solução. Mas o principal é fazer aquela sinalização de que “nós estamos defendendo isso”. Eu gosto muito da expressão “what do you stand for”: o que você defende? O que o governo fez? Apresentou um projeto de lei defendendo a execução em segunda instância. O governo anterior é contra, trabalhou para derrubar isso no STF e esse governo, não. Ele chega e diz: “nós não queremos esse processos sem fim. Chega de impunidade, chega da grande corrupção”. É uma postura totalmente diferente, com o objetivo de resgatar a credibilidade do governo, porque todos os escândalos de corrupção no passado, além dos prejuízos aos cofres públicos, acabaram minando a credibilidade das instituições. A gente quer liderar um processo de mudança junto com o congresso: “vamos ser parceiros nisso aqui, vamos resgatar a fé das pessoas no executivo e no congresso”. Claro que a gente está conversando com muitos parlamentares, dialogando bastante, com os presidentes das duas casas. Tem uma razoável expectativa de ele ser aprovado. Mas agora vamos ver. Política é um jogo difícil às vezes.
“A gente quer liderar um processo de mudança junto com o congresso.” – Sérgio Moro
Desculpe insistir na pergunta, mas esse questionamento paira sobre o Brasil. Então o senhor pensa realmente em deixar o ministério caso o pacote anticrime não seja aprovado?
Eu não tenho essa visão específica, de tudo ou nada. Eu não coloco o pacote como a minha razão de ser dentro do ministério. A razão de ser é uma mudança política e que tem como necessário um enfrentamento com o devido processo. Enquanto eu puder fazer esse trabalho, eu continuo. Me parece que essa é vontade do presidente, então, não vejo grandes dificuldades nesse ponto em continuar no ministério na eventualidade de não ser aprovado o projeto. Eu acredito e espero que ele seja aprovado, acho que os parlamentares vão ter a sensibilidade necessária para perceber que essa não é uma pauta do governo, essa é uma pauta da sociedade.
“Eu não tenho essa visão específica, de tudo ou nada. Eu não coloco o pacote como a minha razão de ser dentro do ministério.” – Sérgio Moro sobre a vinculação da aprovação do pacote anticrime e sua permanência no ministério
Percebo o senhor muito à vontade nessa questão política. Muita gente criticava o senhor dizendo “ele não entende de política e não vai saber ‘tocar a máquina’”. Hoje o senhor disse até conversar com deputados. O congresso reclama sobre isso, que o governo não dialoga com eles. Tem uma política do Ministério da Justiça e o senhor percebe no plano do governo como um todo de conversar mais? O congresso cobra articulação, mas uns dizem que é pejorativo, outros valorizam pela conversa. Como isso está sendo feito?
Articulação política não é bem a função do Ministério da Justiça, mas nós temos dialogado com os parlamentares. É possível um diálogo republicano em cima das pautas do ministério. Se ela vai ser confirmada na aprovação ou não do projeto é uma questão aberta, porque no fundo é um novo governo, é um governo que fez algo diferente do que foi feito no passado, em relação, por exemplo, ao preenchimento dos cargos executivos: houve o preenchimento mais técnico e não tão sujeito a influências políticas.
Está em voga o Coaf. Ninguém sabia o que era no Brasil. De repente, virou uma referência nacional. O senhor considera uma derrota no congresso o que aconteceu?
Eu nunca pedi que o Coaf fosse para o nosso ministério. Quando eu fui conversar com o presidente e apresentei aquela pauta de crime organizado, corrupção e crime violento, o presidente e o deputado Onyx me disseram: “Inclusive, vai o Coaf”. Eles ofereceram, eu conversei com o Paulo Guedes, o ministro não fazia questão, porque a pauta dele é mais direcionada à questão econômica e o Coaf é mais centrado na questão da lavagem de dinheiro, e eu aceitei. E o que a gente foi diagnosticar? O Coaf foi criado em 1998, junto ao Ministério da Fazenda, e ele funciona bem até, mas o que nós vimos é que em 2018 estavam lá 37 servidores em um órgão com uma enorme responsabilidade de realizar prevenção à lavagem de dinheiro e de inteligência financeira no país, estava abandonado. Não é nem uma crítica ao ministro anterior, o Henrique Meirelles, mas é que na Economia ou na Fazenda ele acaba sendo negligenciado. Enquanto que, no Ministério da Justiça, é estratégico. Agora, uma derrota pessoal? Não sei, talvez algumas pessoas interpretem nesse sentido. O que nós fizemos foi aceitar a vinda dele para melhorar o órgão, não é uma questão de vaidade pessoal. São essenciais essas informações para o combate à lavagem de dinheiro e para combater o crime organizado e a corrupção. Não é uma questão pessoal.
“O que nós fizemos foi aceitar a vinda dele [Coaf] para melhorar o órgão, não é uma questão de vaidade pessoal.” – Sérgio Moro
Até que fase a Lava Jato pode chegar? Existem mais operações em curso?
Veja, o que eu falei para a Polícia Federal quando assumi é o seguinte: “Vocês têm mão livre para investigar e fazer seu trabalho”. O ministro, na verdade, não é um super tira, então, eu não fico me envolvendo nos casos concretos. Meu trabalho é da estrutura e de ditar políticas gerais. O que eu gostaria da polícia é que ela focasse em corrupção e crime organizado, dando um pouco mais de atenção para o crime organizado, porque embora ela já fizesse um trabalho relevante, eu acho que ela pode fazer mais nessa área.
Muitas vezes a Lava Jato se apoiou no conhecimento produzido pela operação Mãos Limpas, mas lá o sistema se reorganizou para combater a operação. Nós vemos no Brasil esse mesmo nível e entendemos como um ‘troco’ do sistema a questão dos auditores da receita não poderem mais avisar o MP diretamente. O próprio pacote anticrime enfrenta dificuldades no congresso pela ampliação do trabalho contra a corrupção. O senhor sente que estamos nesse estágio do sistema, se reorganizando e tentando vetar as investigações, por exemplo, tirando a competência da justiça federal e colocando na justiça eleitoral?
Essas questões são bastante discutíveis e o que é importante é nós mirarmos na direção certa. Nós temos que consolidar os avanços e tentar ir para frente, e não para trás. Às vezes, nem todas as políticas são exatamente consistentes com essa linha de pensamento e a minha avaliação é que um dos meus papéis mais relevantes no ministério é preservar esse legado e buscar avanços. Mas não só isso, também tem a parte de crime organizado e crimes violentos. Temos índices péssimos ainda em relação a essa matéria. Tivemos o recorde, em 2016, de mais de 60 mil homicídios. Houve uma queda desses números desde então, pequena, mas neste ano está sendo maior. Mas certamente preservar o legado da Lava Jato é um dos meus papéis principais.
“Acho que qualquer política pública e projeto de lei é passível de críticas, mas vamos fazer críticas honestas, vamos ler, vamos entender, vamos compreender e vamos debater e não partir de posições preconcebidas.” – Sérgio Moro
Uma das medidas mais polêmicas do pacote anticrime é a excludente licitude. As forças de segurança reclamam que têm medo de ser processados depois. Como está isso?
Esse é um dos pontos que têm gerado controvérsia. Alguns falam em licença para matar, não existe nada disso. O que se tem apenas é a legítima defesa no código penal, então, alguém que sofre uma agressão injusta e reage, age em legítima defesa. Essa pessoa, pela nossa lei, não é tratada como criminoso. Nossa lei diz que, se a pessoa, na reação, se exceder, ela responde pelo excesso. O que nós apenas colocamos como proposta é: “Olha, as pessoas não são robôs e, às vezes, essa reação em excesso pode ser produto de circunstâncias extremas que a pessoa vivenciou ao revidar aquela agressão”. Então, em um processo, um juiz independente, avaliando as circunstâncias e as provas, possa relevar aquele excesso quando ele for produto dessas circunstâncias extremas e, assim, reduzir a pena ou deixar de aplicá-la. Falam muito que isso seria uma inovação. Não, nós trouxemos o código penal da Alemanha, tem um dispositivo exatamente igual. A redação é quase literalmente a mesa e ninguém fala que a Alemanha tem licença para matar. Às vezes, as pessoas fazem distorções para desnaturar o próprio projeto e eu vi algumas falando sobre aumentar feminicídio. Mas como? Porque, na verdade, o feminicídio é um crime que ocorre em violência doméstica e a mulher é agredida, jamais essa agressão poderia ser justificada em termos de legítima defesa. Na verdade, o que eventualmente poderia ocorrer é a mulher agredida reagir em excesso e eventualmente ser beneficiada por esse novo dispositivo. Acho que qualquer política pública e projeto de lei é passível de críticas, mas vamos fazer críticas honestas, vamos ler, vamos entender, vamos compreender e vamos debater e não partir de posições preconcebidas.
“Se eu for lá, vou estar interferindo de uma forma inapropriada nas investigações e também não posso avocar o caso para mim.” – Sérgio Moro sobre o acompanhamento do caso Queiroz
O pessoal lá da esquerda está pedindo [nos comentários]: pergunta do Queiroz. O sr. está acompanhando esse processo?
O Ministro da Justiça não é um super tira, meu trabalho é dar autonomia e estrutura aos órgãos para realizar essas investigações. Esse caso em particular não se encontra nem na Polícia Federal, está no Ministério Público do RJ, que tem toda a liberdade e autonomia para fazer seu trabalho. Se eu for lá, vou estar interferindo de uma forma inapropriada nas investigações e também não posso avocar o caso para mim.
O senhor se sente desconfortável por trabalhar para o Bolsonaro e ter um dos filhos do presidente investigado?
Os órgãos responsáveis pela investigação têm que trabalhar com toda autonomia. Eu me sentiria desconfortável se eu tivesse que realizar qualquer espécie de interferência. Isso não ocorreu, nem ninguém teria me pedido algo dessa espécie, não é o feitio do presidente.
Maioridade penal. Algum projeto tramitando?
O meu foco no momento é o pacote anticrime. Então, após o pacote ser votado, o ministério vai se sentir mais à vontade para discutir outras pautas.
“Eu tenho conseguido fazer o que me propus.” – Sérgio Moro
O senhor, então, não está arrependido de ter trocado 22 anos de magistratura por esse cargo?
Eu tenho conseguido fazer o que me propus. Montei uma boa equipe, as pessoas estão fazendo um bom trabalho, estamos fortalecendo a integração. Tivemos vários desafios: a crise no Ceará, isolamos as lideranças do PCC em SP, estamos ampliando a PF, reforçando as equipes de investigação. A PRF tem trabalhado como nunca, caíram os números de acidentes e mortes nas rodovias federais. Os números de apreensões de drogas e armas têm sido recordes, a criminalidade tem caído. A gente não tem soltado rojão, porque eu acho que ele tem que ser disparado apenas quando nós constatarmos que essa é uma tendência permanente. O trabalho tem sido bem sucedido. O mérito não é exclusivo nosso, os governadores têm atuado incisivamente na área da segurança pública e existem outros fatores envolvidos que têm levado a essa redução, mas eu acho que os números têm sido positivos e que muita coisa que estamos fazendo vai gerar frutos ainda mais significativos adiante. Essas coisas demoram a gerar consequências. Mas a estrutura que estamos criando, por exemplo, esse centro de inteligência integrada em Curitiba, é algo perene. E, na segurança pública, integração, inteligência, um trabalho duro é o que faz a diferença.