PODER POLíTICA & ECONOMIA

A cultura da Gambiarra

Como essa mania brasileira prejudica nosso desenvolvimento

Gambiarra foi o tema da abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016. Essa palavra significa “coisa improvisada e malfeita” (conotação negativa) e, também, “a capacidade de consertar alguma coisa com poucos recursos”(conotação positiva). No popular, “gambiarra” se refere à malandragem de puxar fios dos postes e obter energia sem pagar, uma fraude, que muitos fazem por necessidade.

“Gambiarra” também é um substantivo usado para qualificar obras malfeitas pelo governo. Na crise hídrica de 2001, quando sobreveio a grave falta de energia pela escassez de chuvas, a nação tomou conhecimento de que havia várias usinas hidrelétricas inacabadas, muitas em deterioração progressiva. O levantamento mostrava a mania dos governantes brasileiros, quase sem exceção, de iniciar uma obra nova sem ter terminado a anterior.

A cultura da gambiarra é uma praga a ser combatida – e não comemorada, como na abertura das Olimpíadas, quando a Vila Olímpica, no Rio de Janeiro, foi duramente criticada por conta de delegações internacionais, que se recusaram a ficar no local determinado, por problemas elétricos e de encanamentos. Na época, o prefeito Eduardo Paes fez piada, dizendo que, para reparar a gambiarra, botaria um canguru nos aposentos da delegação da Austrália. Ele recebeu a seguinte resposta: “Não queremos canguru, mas apenas encanadores.”

Em razão daquela triste e lamentável situação, o jornal The New York Times afirmou que o Brasil quer ser país de primeiro mundo, mas insiste em manter instituições de terceiro mundo. É estranho que o Brasil, seus governantes, seus líderes e seus homens de cultura vejam alguma virtude, algum valor cultural, nas piores práticas e nos piores hábitos nacionais. 

É óbvio que muito do que há de ruim no país decorre da miséria, da pobreza e do baixo nível educacional. Ora, mas são esses males que devem ser enfrentados e que o governo e a sociedade devem fazer um esforço para erradicar. Comemorar as mazelas derivadas da pobreza econômica, social e cultural é dar-lhes uma espécie de “certificado de virtude”, coisa que definitivamente não merecem, pois não há virtude nenhuma nisso.

E mais: ao se comemorar a coisa malfeita, a coisa suja, a coisa feia ou a gambiarra, esses mesmos homens “que dizem se preocupar com os problemas sociais” ficam isentos de lutar para erradicar as causas de tais mazelas. Gambiarra não é virtude. Gambiarra não deve ser comemorada. Lutemos, isso sim, para erradicar as causas dela.

*Matéria originalmente publicada na edição #254 da revista TOPVIEW.

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