Mauricio Shogun, um romântico no ringue
Mais do que a força e a velocidade, é a determinação implacável com que avança sobre o oponente que caracteriza Shogun no octógono. O homem que entra na academia em Maringá (PR), pouco depois das 11h de uma quinta-feira, porém, não exala esse poder fatal. Mauricio “Shogun” Rua surge com um sorriso, livre de tensão, simpático.
Sétimo colocado na classe de meio-pesados do UFC, principal organização mundial de Artes Marciais Mistas (ou MMA, na sigla em inglês), o curitibano aproveita uma fase tranquila, em que o treino pesado é substituído pela preparação física – um trabalho importante pelas lesões acumuladas em 14 anos de profissão. “Elas foram o maior obstáculo que tive ao longo da carreira”, pondera o lutador, ainda que considere as lesões inevitáveis nesse esporte, três meses depois de vencer o norte-americano Corey Anderson em casa, na Arena da Baixada. “Não é como no futebol, em que o cara se machuca, fica parado e recebe o salário igual. No MMA, só ganha se lutar. E lutei várias vezes muito machucado, porque se tem uma oportunidade, você tem que abraçar.”
O espírito de lutar até o fim é uma das características que fascinam os fãs do esporte, que tem sua origem no vale-tudo e engloba desde jiu-jitsu a muay thai: a presença de Shogun gera tumulto num aeroporto na Coreia do Sul, e mesmo a foto mais ordinária no seu Instagram leva as seguidoras ao delírio.
Mas a fama desse ex-modelo cuja pinta de mau pode enganar, não se resume a esse público. Logo após o início da musculação, aparece o primeiro pedido de foto com uma colega de academia – da seção infantil, mais especificamente, poucos anos mais velha do que as filhas do próprio Shogun, Maria Eduarda, 6, e Yasmin, 2. “Quando o cara está na faixa preta numa modalidade, ele está na faixa preta ali e na vida”, filosofa o lutador, vestindo, como a fã, uma camiseta estampada com a sua marca. “Então, eu queria ser exemplar para as crianças, porque sei que muitas sonham em crescer como eu. Tenho que estar sempre me policiando para ser uma boa pessoa.”
Shogun reconhece que o MMA é um esporte violento, mas repete que no octógono estão “duas pessoas preparadas”. Sem a agressividade, o esporte possivelmente não teria tamanha popularidade, mas diminuir o estigma de violência foi importante no processo de profissionalização. “As pessoas viam a luta e ponto final”, lembra o curitibano, que considera o reality show TUF uma reviravolta. “Aí elas passaram a entender um pouco mais do cotidiano do lutador”, explica, já na BMW branca, a caminho de uma churrascaria.
No seu tom brincalhão, Shogun avisa que uma refeição ao seu lado pode ser chocante. Ele se sai particularmente bem com fígado, mas o que de fato surpreende é a trilha musical do lutador, que dirige ao som de coletâneas como Oh, What a Night – 70’s Classics, passando por Elton John, Britney Spears (ele concordou em trocar) e alguns nomes recentes, mas sempre no estilo romântico, como ele define.
Sempre no auge
Aos 34 anos, Mauricio Rua já foi campeão do Pride, no Japão, em 2005, e conquistou o cinturão do UFC em 2010. Superou um período de derrotas, começa a gravar um filme com Jean-Claude Van Damme e sustenta sua posição na elite do MMA. “É difícil um atleta se manter no auge por muito tempo”, comenta.
No seu apartamento, que poderia ser um desses de revista, não fossem as fotos da família perfeita reais e o rabisco infantil colorindo a cortina da sala, ele afirma que o ápice da carreira do lutador mudou: “Hoje, um cara mais velho consegue se manter no auge”, diz o dono de mais de 30 pares de sapatos, sobretudo tênis esportivos. “O MMA é muito amplo – ser especialista em todas as artes marciais é muito difícil. Então, quanto mais velho, mais conhecimento em várias artes marciais”, explica. Ainda assim, ele reconhece que não treina como antes e que os machucados já atrapalharam menos.
Shogun entrou na luta inspirado pelo irmão Murilo Ninja, e incentivado pela mãe. Como outros grandes nomes de Curitiba, treinou na academia Chute Boxe, fundada por seu atual empresário, Rudmar Fedrigo. O mestre de muay thai, junto ao treinador Rafael Cordeiro, é apontado por Shogun como responsável pela fama da cidade no esporte: seus ídolos Wanderlei Silva e Murilo Ninja, ao lado de nomes como Anderson Silva, Evangelista e Cris Cyborg (antes considerada a melhor na categoria feminina), são lutadores naturais ou moldados aqui. Mas se a capital paranaense foi um “grande celeiro” de atletas reconhecidos mundialmente, hoje ele não vê renovação, até pela ausência de Cordeiro e Fedrigo, radicados nos EUA. “É um esporte individual, então o treinador tem que prepará-lo não só na parte física e técnica, mas na espiritual e psicológica. O Rafael sempre blindou a gente em tudo”, defende Shogun. “Quem perde com isso são os atletas novos e a cidade.”
A última parada naquela tarde é a chácara do lutador. Seu refúgio de 11 mil metros quadrados tem uma casa ampla, cozinha espaçosa para receber amigos, piscina, casa de brinquedos e um espaço de treino particular. Na entrada, se vê uma sequência de pôsteres do lutador, pelos quais Shogun passa rapidamente para mostrar seu novo hobby: araucárias, amoreiras, os passarinhos que alimenta, seu próprio minhocário e outras plantas que cultiva, prazer que talvez substitua a adrenalina do octógono futuramente.
“Quando parar, vou sentir falta dessa adrenalina que tem na luta”, diz. Mas a construção que abriga seus troféus e o equipamento de treino lembra a glória e também os riscos da profissão. “É um esporte novo. A gente ainda não sabe dos danos cerebrais e lesões que ficam.” No closet, Shogun tem máscaras de pirata para brincar com as filhas; numa gaveta, junto aos sungões e cintos, uma Bíblia; na porta do carro, uma Glock, que ele parece admirar mais pela beleza do que pela utilidade. Em um intensivo de sete horas, ele se mostra divertido, tranquilo e profissional. “O objetivo é que as pessoas lembrem de mim como um bom lutador”, conclui, polidamente. Mas ele também é um romântico, encarando cada luta “como um sonho”.