O clarinetista que transforma tudo em choro
Não sinta vergonha se você não tiver ideia do que diabo é um “clarone”, o instrumento musical escolhido pelo curitibano Sérgio Albach para gravar seu novo disco. Pouca gente conhece — e toca — esse primo maior e mais grave do clarinete, usado principalmente na música clássica. Albach é um dos poucos, e resolveu levar o instrumento para o popularíssimo choro, gênero em que é um dos bambas em Curitiba.
O resultado pode ser ouvido de perto na manhã deste domingo (3), no Conservatório de MPB. Junto com Daniel Migliavacca (bandolim), Gustavo Moro (violão), Lucas Melo (violão de 7 cordas) e Ricardo Salmazo (pandeiro e reco-reco), Albach vai apresentar, a partir das 11h30, as faixas de Clarone no Choro, que tem músicas de medalhões como Ernesto Nazareth e de compositores radicados em Curitiba como Waltel Branco.
Clarone
O instrumento em si é um bicho curioso. É como um saxofone de mais de um metro de altura, mas feito de madeira. Ao ouvir seu som, encorpado e aveludado, fica fácil de entender por que despertou a paixão de Albach há mais de 30 anos.
O músico curitibano, que hoje tem 51 anos, se tornou clarinetista um pouco por acaso. Um clarinete antigo, que havia sido de seu avô, estava dando bobeira no armário de seu irmão mais velho, encarregado de vendê-lo. Albach deu seus primeiros sopros “de ouvido”, aos 13 anos, e acabou assumindo a tarefa de estudar o instrumento a sério. Anos mais tarde, já na Escola de Música e Belas Artes, escutou um clarone em uma gravação e percebeu que, na verdade, aquele era o som que tinha na cabeça.
Choro
A escolha pelo choro, normalmente tocado com flauta transversal e clarinete, não é por acaso. Instrumentista, arranjador e compositor, Albach começou a carreira estagiando na Orquestra Sinfônica do Paraná, mas foi nas rodas que sua carreira tomou forma, nos anos 1990. Há um dedo seu na criação da Roda de Choro do conservatório, que acontece às quintas desde 2001, e do Clube do Choro, junto com o violonista João Egashira. A trajetória do clarinetista corre junto com o florescimento de uma cena mais animada para o gênero em Curitiba.
“Era muito precário quando começamos. Havia muito pouca coisa de choro em comparação com o que há hoje. Fomos criando espaços na cidade”, lembra o clarinetista, citando o maestro Roberto Gnattali, criador da orquestra do conservatório, o flautista Gabriel Schwartz e a comunidade da FAP (Faculdade de Artes do Paraná) como outros incentivadores do gênero por aqui. “Tínhamos uma postura um pouco mais empreendedora para promover as coisas”, lembra.
Por outro lado, Albach conta que só entendeu realmente o espírito do gênero ao tocar com Arlindo Sete Cordas, um chorão da velha guarda que tocou com Janguito do Rosário, líder da regional mais famosa entre as décadas de 1950 e 1970.
“O que me pegou foi essa sensação de brasilidade. O choro é o primeiro gênero genuinamente brasileiro. Não é só a música. É toda uma maneira de ser, de estar, esse encontro de músicos em que se puxa uma música após a outra”, explica o clarinetista, sentado sob uma foto de Pixinguinha e João da Baiana pendurada na parede da sala. “Quase tudo em que eu colocar a mão vai ter uma cara de choro.”
Carreira
Cargos de direção e funções mais administrativas, nem sempre associadas à carreira musical, também fazem parte da vida de Albach. Muito envolvido com o Conservatório de MPB desde os anos 1990, ele se tornou diretor artístico da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba em 2002 e continua lá até hoje. Também foi curador da Oficina de Música de Curitiba por 14 anos e coordenador da área de música popular da Fundação Cultural de Curitiba — uma sequência de missões quase heróicas, considerando-se a grana curta que costuma ser disponibilizada para projetos deste tipo.
Recentemente, Albach acabou virando presidente da Associação Brasileira de Clarinetistas sem querer, em uma espécie de golpe ao contrário perpetrado pelos seus membros. “Até reunião de condomínio aqui no prédio as pessoas querem que eu presida”, brinca. “Vários querem que eu seja síndico. Não sei por que, já que as pessoas mal me conhecem — é um condomínio supercuritibano.”
Tudo somado, Albach virou um daqueles nomes que todo mundo que é do ramo em Curitiba conhece. O clarinetista já tocou com a galera toda, dos roqueiros do Maxixe Machine e da Relespública até o compositor de música erudita contemporânea Chico Mello, passando pelo pessoal do teatro e da dança. “Você acaba conhecendo as pessoas”, explica.
Faz parte do ofício de músico pegar o trabalho que aparecer, mas o interesse em transitar por vários mundos também se reflete nas suas prateleiras, em que convivem discos de Björk, Prince e Jacob do Bandolim, livros de Balzac e Saramago e séries de quadrinhos de Watchmen e Sandman. Há ainda uma coleção de cachimbos, lembrança do período de seis anos em que Albach trabalhou com a cultura Guarani no distrito de Borda do Campo, em Quatro Barras, onde chegou a morar por alguns meses em 2008.
“Eu posso circular por todas essas áreas, desde uma coisa mais contemporânea artisticamente até a regional de choro. Eu me realizo de qualquer forma”, diz. “As coisas, para mim, vão acontecendo. Eu nem me lembro de, em algum momento da minha vida, ter decidido virar músico, de tão natural que foi — até mesmo as vertentes que foram pintando, já que nunca decidi tocar choro. As coisas sempre fluíram de uma forma orgânica.”
Serviço
Show de lançamento álbum Clarone no Choro, de Sérgio Albach
Conservatório de MPB (R. Mateus Leme, 66 – São Francisco), (41) 3321-3315. Dia 3 de junho, às 11h30. Entrada franca.