Marly Minatti: “O salão é a minha vida”
Um dos mais tradicionais de Curitiba, o Salão Marly tem uma daquelas histórias dignas de palestras motivacionais e manuais de empreendedorismo. Hoje uma franquia com 36 unidades, a empresa começou em uma pequena sala no bairro do Bacacheri, em 1971, e foi crescendo pouco a pouco, sustentada pelos esforços de uma fundadora persistente e pela eficiência do boca a boca.
O nome vem de Marly Stuhlert Minatti, que até hoje pode ser encontrada todos os dias na unidade Sete de Setembro, no Batel. O salão é uma espécie de monumento de sua trajetória de sucesso: tem 6,8 mil metros quadrados e uma média de 600 clientes por dia em plena crise. Cabeleireiros, na rede toda, são cerca de 1.500.
Aos 66 anos, Marly abandonou a bancada, mas continua zelando pelas clientes do jeito que aprendeu a fazer ainda criança. Ela é filha de cabeleireira e fez seus primeiros penteados aos 12, quando ainda morava na região de Braço do Trombudo (SC), onde nasceu. As duas vieram para Curitiba quando Marly tinha 15 anos.
Na entrevista a seguir, a empresária conta como um salão de “três metros por quatro” acabaria se tornando uma referência na cidade, relembra tendências que viu em quase 46 anos no ramo, analisa as mudanças da clientela e revela o que quer para a rede — hoje administrada por ela, pelo marido e pelas três filhas. Leia os principais trechos:
Entrevista Marly Minatti
Como você passou de dona de salão pequeno a nome de franquia?
Na realidade, a gente nunca projetou nada. Foi acontecendo. Quando eu comecei o meu salão lá no Bacacheri, em 1971, comecei com uma sala pequena — acho que de mais ou menos três metros por quatro. Fui formando minha clientela devagarinho, crescendo. Observei que ficava com um espaço físico cada vez menor, apertado. Precisava de mais espaço para poder dar um conforto melhor para as clientes. Foram passando os anos e cada vez aumentando mais.
Por que fizeram esse salão imenso aqui no Batel?
Quando eu estava com o salão do Bacacheri já há seis anos, casei. Aí já mudei para uma casa maior, em que metade era residência e metade ficou para o salão. E continuou ficando pequeno. Aí, a gente resolveu, lá no Bacacheri mesmo, comprar aquela casa. Construímos [em 1994] o salão no sobrado em que é até hoje. O salão do Bacacheri ficou grande, com 1.200 metros quadrados, e foi ficando sem espaço físico novamente. Aí resolvemos fazer um bem grande para poder acomodar bem os clientes. Foi esse aqui do Batel, em 2001. Aqui tem 6.800 metros quadrados de área.
Chegou a achar que era exagero?
Acho que a gente abriu sem pensar muito. Eu falei para o meu marido que precisava de um salão grande. Ele falou que ia procurar um terreno. Quando eu vi, achei muito grande. Falei: “Jaime, é bom, é grande. Mas vamos ter que conversar com as filhas todas. Porque eu, sozinha aqui, vai ser barra”. Fizemos uma reunião de família e elas [Michele, 39, Gisele, 37, e Isabele, 35] disseram que iriam ajudar. Já falaram que é o maior do mundo, mas não tenho certeza. Pesquisado pela L’Oréal, parece que é o maior da América Latina. Acho que ninguém faz uma coisa desse tamanho só para salão [risos].
Como virou franquia?
Depois desse salão, acho que despertou interesse nas pessoas, e um grupo nos procurou para fazer. No início eu relutei um pouco, porque tinha preocupação com o nome. Mas acabei cedendo, achando que poderia ser uma boa coisa. Montamos os salões no início com parcerias, para primeiro ver o que acontecia. Estava dando certo e resolvemos franquear.
Dá para franquear um modelo tão baseado no boca a boca e no atendimento personalizado?
Na realidade, como eu já tinha uma clientela grande, na hora em que a gente expandiu as franquias a gente ouviu as clientes comentando: “Que bom, agora tem um Salão Marly mais perto da minha casa”. E fomos fazendo. O total de franquias já é de 36 unidades. E queremos crescer mais.
Quanto?
Não tenho ideia. A gente vai fazendo conforme vão se encaixando as coisas. Franquia fora é bom, mas é mais difícil de cuidar também. A gente teve procura, mas sente uma dificuldade de controle. Então, até onde a gente vai chegar, eu não sei. Mas assim que aparece um investidor, a gente avalia. Para fora do Brasil, eu recuei. Um pessoal chegou aqui querendo montar nos Estados Unidos. Mas como é que nós vamos controlar isso? Acho melhor deixar como está, que está bom.
O que faz um Salão Marly?
É o nome, que já estava forte e bem conhecido em Curitiba. Claro, porque comecei lentamente e fui crescendo. É como sempre falo: a gente foi subindo degrau por degrau. Acho que fortaleceu o nome e a marca ficou bem forte. A maioria tem o mesmo padrão: espelhos, cadeiras azuis, a mesma tabela de preços.
Qual costuma ser o problema quando uma franquia não vai para a frente?
Mau atendimento. Ninguém vai num lugar para não ser bem atendido. Normalmente é isso. Tendo um bom atendimento, não tem como um salão não dar certo. Eu sempre fui de paparicar muito minhas clientes. Às vezes, você vê profissionais que não trocam uma palavra com a cliente. Não é por aí. Tem que agradar mesmo. A cliente quer chegar num lugar onde se sente bem atendida, se sente à vontade. E o cliente vem muito por indicação.
Você está sempre por aqui? Como é sua rotina?
Agora só supervisiono. É o dia todo bem [ocupado]. A gente tem que estar meio junto, porque é muito grande. Apesar de que tenho uma equipe muito boa, que me ajuda. É bem gostoso. Eu fico aqui no meio, na realidade, mais porque gosto mesmo. Mas já está sendo tocado mais pelas minhas filhas, pelos gerentes. Gosto de ficar conversando com as clientes, falando bobagem. Hoje em dia já não trabalho mais — fui passando a bola, como a gente fala. Porque não dá. Ou você faz uma coisa ou outra. Agora, na realidade, já estou mais light. Fico só nas conversinhas.
“Dizem que o cabeleireiro tem que ser meio psicólogo. É conversar, escutar — e não falar para ninguém.”
Esse é um dos segredos do negócio?
É. A cliente gosta de conversar, bater um papinho legal. Ter descontração é sempre bom. Eu fui cabeleireira por 25 anos. Na época em que eu fazia cabelos, era aquela coisa: a cliente sabia tudo da minha vida e eu também sabia tudo da vida delas. Quando é uma cliente fiel ao cabeleireiro por muitos anos, ela conta, conversa. A gente sabe tudo. Dizem que o cabeleireiro tem que ser meio psicólogo. É conversar, escutar — e não falar para ninguém. Era bem gostoso. A gente cria uma afinidade. Lá no Bacacheri, já atendo a quarta geração [de uma mesma família]. Estou atendendo as bisnetas. É uma clientela fiel.
Mudou muito de uma geração para a outra?
Quando iniciei, em 1971, a gente só tinha movimento aos finais de semana, na sexta e no sábado. Na época, fazíamos muito permanente, corte de cabelo. Era isso. Mas não era muito também. Depois, acho que a mulher curitibana começou a gostar de se arrumar. Depois que começa a fazer o cabelo e a maquiagem e a ver que está bonita, vicia. Quem não quer ficar bonito? E a mulher curitibana é muito vaidosa. Hoje em dia, então, é uma beleza. Acho que 99% da mulherada se arruma. Antigamente, a mulherada não trabalhava fora. Hoje em dia todo mundo tem que manter a aparência.
A vaidade aumentou?
Tem muito mais vaidade hoje. A gente vê pelas crianças — as meninas de 4, 5 anos já chegam e falam: “Quero pintar minha unha, quero lavar o meu cabelo, fazer uma escova”. Com essa idade. Antigamente não tinha isso. Talvez por causa da televisão, ou vendo a própria mãe. Estão muito vaidosas e conhecem muito as coisas.
“Tem muito mais vaidade hoje. A gente vê pelas crianças — as meninas de 4, 5 anos já chegam e falam: ‘Quero pintar minha unha, quero lavar o meu cabelo, fazer uma escova’.”
Como são as clientes mais jovens?
As novas pedem muito penteado, cabelo cacheado, solto, trabalhado. E muita trança. A juventude vem mais quando tem festa. E faz muita manicure e pedicure — aí é toda semana. E tem a ala masculina também. Tem bastantes homens que cortam o cabelo aqui.
Quando eles começaram a frequentar os salões?
Os salões começaram a trabalhar mais com o lado masculino. Antigamente, ninguém pensava assim. Tinha os barbeiros, então os homens iam para a barbearia e as mulheres para o salão. Isso mudou bastante. A “homarada” está bem vaidosa hoje. Os homens já querem fazer cabelo, unha, hidratação na pele, pintura. Agora também tem a moda da barba — tem que manter a barba bonita. Ficou muito bom. [Quando comecei], nem pensar. O homem era excluído do salão de beleza. Não era para ele. E tinha que sofrer, por exemplo, com unha encravada.
Que penteados você viu entrarem na moda nesses 46 anos?
Enquanto estava na ativa, estava sempre nos cursos para aprender as novas modas e era uma das primeiras a fazer. Quando comecei lá no Bacacheri, nos anos 1970, a mulherada usava muito bóbi no cabelo. Enrolava, secava e penteava — outras, às vezes, até iam para casa com o cabelo enrolado. Era um vício na época. Hoje em dia, bóbi é muito raro. É mais escova, que é mais prática. Na minha época [a moda] eram mais os penteados. Apesar de que os penteados da época em que comecei continuam ainda hoje, porque um cabelo bem penteado, um clássico bem feito, não sai de moda.
E os que saíram?
Usava-se muito cabelão armado. Num desses dias eu estava olhando umas fotos de umas misses que arrumei. Arrumei muitas misses — miss Brasil, miss Paraná —, acho que em meados [da década] de 1980. Eram uns cabelões armados, crespos, grandes, desfiadões. Eram bem trabalhados mesmo, para chamar a atenção. Hoje em dia é raro ver esses cabelos alvoroçados. Agora está mais na moda o liso. Mas parece que está para voltar o crespo. É difícil.
“Dizem que a Marly não muda o topete dela. Falo que é a minha onda. Sempre usei. É uma marca registrada.”
Qual você adotou?
É o tradicional topete. Dizem que a Marly não muda o topete dela. Falo que é a minha onda. Sempre usei. É uma marca registrada [risos]. Tinha uma época em que tinha muito. Agora a gente chama de “onda”. Era isso aqui [aponta para o penteado]. Curitiba ficou famosa por causa dos topetes. Era cada um que era bonito de ver.
Sua rotina começa pelo cabelo?
Todo dia lavo o cabelo, passo a escova, faço minha leve maquiagem e estou pronta. Chego, já lavo o cabelo, sento na cadeira, pergunto quem está desocupado, trago a minha escova, e pronto — estou livre. Todo mundo aqui já sabe qual é o meu estilo. Não preciso falar nada. Estou sempre com tudo em dia — cabelo, mãos, depilação. Tenho que estar, porque a própria cliente te observa. Se a dona do salão está toda descabelada, o que a cliente vai pensar?
O que é preciso para ser dono de salão? Quais são os desafios?
Tem que ter disposição para trabalhar — não chegar e se acomodar. Tem que realmente estar em cima de tudo. Na realidade, se um salão tem uma equipe de profissionais bons, não tem muito problema. O problema é quando o profissional não dá conta de fazer o serviço que a cliente pede. Por isso ele tem que ser bom mesmo. Se [o corte] dá errado, aí vem o problema. Tem que resolver, de uma maneira ou de outra. Mas é muito raro.
Sempre tem solução quando o resultado não sai como a cliente quer?
Falo sempre que só não tem solução para a morte. Já houve vezes [em que não ficou como a cliente queria] — poucas, mas já houve. Aí a gente vai resolver o problema: corta mais, faz o conserto, faz o que precisa. Mas, graças a Deus, todos os problemas que tivemos foram muito poucos pelo movimento que a gente tem.
As clientes estão mais exigentes também?
Muito. Porque a internet também ensina muito. Elas acham uma coisarada no Facebook, nos Instagrams da vida. Às vezes, até mostram o passo a passo, como fazer. Quando a cliente chega no salão, ela está bem ciente. Se é um produto novo, ela já leu tanto sobre aquilo que vem sabendo. E conversa com o profissional para ver se ele também está sabendo. E o profissional tem que saber mais. Tem que estar acompanhando tudo, senão fica para trás.
Os anos de crise afetaram o movimento?
Sim, deu uma baixada de mais ou menos uns 30% nos últimos dois anos. Teve muita empresa que fechou, muitos problemas. Porque o salão, na realidade, é supérfluo. A pessoa só vai mesmo [quando está bem]. Mas neste ano eu acho que já começou a reagir mais o comércio, já está melhorando. Estamos trabalhando em cima de promoções para puxar a mulherada de novo. Na realidade, nunca me preocupei muito com a crise. O Salão Marly tem uma clientela muito grande. Quando uma cliente está com problemas, eles já passaram para a outra. E assim a gente vai, conforme a maré.
“Se você me põe num fogão, saio correndo. Mas com cabelo, nunca tive problemas. Acertava sempre o que a cliente queria. Acho que já é da gente. É uma arte, com certeza.”
Você faz questão de continuar vindo todos os dias?
Só vou parar mesmo na hora em que morrer [risos]. Enquanto tiver disposição [vou continuar]. O salão é a minha vida. Só fiz isso a vida toda — abri meu salão quando tinha 20 anos. E é gostoso. É um ramo bom, uma coisa gostosa. Tem que gostar do que faz, em qualquer profissão. Se você me põe num fogão, saio correndo. Mas com cabelo, nunca tive problemas. Acertava sempre o que a cliente queria. Acho que já é da gente. É uma arte, com certeza.
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