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Biba Bettega e Richard Romanini: um olhar atraente e contemporâneo para a cultura

Eles assinam alguns dos projetos expográficos mais bacanas de Curitiba. Ela acaba de assumir a direção do Museu Paranaense. Conheça Biba Bettega e Richard Romanini

Uma luz tênue e às vezes trêmula ilumina uma das salas no primeiro andar do Museu Paranaense, em Curitiba, durante a conversa com a arquiteta curitibana Gabriela Ribeiro Bettega, a Biba, 45, e seu marido, o designer italo-australiano Richard Romanini, 41.

“A rede elétrica é uma coisa que nos preocupa muito e uma das principais intervenções necessárias”, diz Richard ao comentar sobre o estado arquitetônico do espaço. Imediatamente a memória corre ao curto-circuito que, no ano passado, destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

A situação talvez não seja tão grave, mas, de qualquer forma, o terceiro museu mais antigo do país, fundado em 1867 e localizado na Rua Kellers 289, no Alto São Francisco, hoje busca nova linfa para voltar a ser protagonista no cenário cultural curitibano.

À frente da empreitada pelos próximos quatro anos está Biba Bettega, que em fevereiro foi nomeada diretora do museu. Seu companheiro e sócio, Richard, a ajuda como voluntário. Objetivo? Tirar o Museu Paranaense do esquecimento no qual caiu e transformá-lo em um espaço contemporâneo no coração da cidade.

“Temos as ideias claras de como fazer isso, só precisamos dos recursos”, afirma Biba, que no ano passado remodelou, com um projeto reconhecidamente de sucesso, o Museu Casa Alfredo Andersen. Porém, não há revolução sem dinheiro: para tirar o projeto do papel são necessários R$ 13 milhões. “É uma quantia até pequena pelo tamanho do museu”, avalia a diretora.

O acervo é gigantesco: são cerca de 500 mil peças: mobiliário, armas, indumentárias, documentos, mapas, fotos, filmes, discos, entre muitos outros, além de grande acervo arqueológico. Os itens expostos? Apenas algumas centenas. As visitas em 2018 foram 63.855, a maioria de escolas. A título de comparação, o Museu Oscar Niemeyer recebeu, em 2017, 361.630 visitantes. “Em pouco tempo, podemos triplicar o número de visitantes, assim como aconteceu no Andersen após a nossa remodelagem”, explica Biba.

Ambos são formados na Accademia di Belle Arti di Brera em Milão, na Itália, onde moraram por muitos anos. Em 2009, estabeleceram-se em Curitiba, onde fundaram o escritório multidisciplinar Ato 1 Lab, que faz trabalhos de direção de arte, cenografia, design audiovisual e produção para cinema e teatro – assinando algumas das exposições de arte mais bacanas da cidade, como a de arte asiática no MON.

Leia a seguir os principais momentos do bate-papo com Biba Bettega e Richard Romanini:

Uma das suas especializações é a expografia. O que é e qual é a importância dela em uma exposição?
Biba: A expografia é o projeto arquitetônico e cenográfico pensado para expor de forma adequada objetos de arte ou históricos em uma mostra.
Richard: É ela que cria a liga entre vários agentes: curadoria, acervo, artista (se for arte contemporânea e o artista estiver vivo ainda), iluminação e design.

“O objetivo [da nossa expografia] é criar narrativas que fazem sentido em 2019 e que sejam desafiadores para o público.” – Richard Romanini

Um dos conceitos básicos da expografia é o cubo branco. Como mudou esse conceito ao longo das décadas?
Biba: O cubo branco veio da necessidade da arte contemporânea de expor dessa forma, muitos artistas preferem nada e iluminação “lavada”. A expografia tem que sempre ser silenciosa perante as obras, mas, ao mesmo tempo, tem que ser visível, porque é ela que vai mostrar os objetos da forma que devem ser vistos.
Richard: O máximo do silêncio é o cubo branco, mas às vezes esse silêncio fica gritante, porque vira impessoal. Para nós, o ideal é o equilíbrio entre o quanto as obras têm que falar e quanto o espaço está ajudando as obras a aparecer, sem criar espaço impessoal. Não existem fórmulas. O objetivo é criar narrativas que fazem sentido em 2019 e que sejam desafiadores para o público.

O Museu Casa Alfredo Andersen foi reformulado pela dupla. (Foto: Marcelo Almeida)
O Museu Casa Alfredo Andersen foi reformulado pela dupla. (Foto: Marcelo Almeida)

Quais exposições que vocês desenharam desafiaram esse conceito?
Biba: O projeto no Museu Alfredo Andersen é super elegante, porque respeita muito o acervo. E, ao mesmo tempo, tem salas que não têm quase nada para valorizar a casa.
Richard: Encontramos o contraponto: entramos em uma casa histórica com paredes largas, materiais foscos, obras penduradas com fio de nylon, que é uma coisa ultrapassada. Hoje, existem maneiras de trabalhar que respeitam a memória histórica da casa, mas entregam as obras e o próprio espaço de uma forma mais contemporânea. Por isso, criamos um contraponto usando materiais brilhantes, como aço e vidro, e uma cúpula suspensa que cria uma alteração dentro do percurso de visitação, trazendo leveza. Depois da nossa intervenção, você vai ver as obras de outra forma.

Biba, você cresceu em Curitiba, se formou em arquitetura na PUC-PR, depois foi para fora estudar e trabalhar por muitos anos, e por fim voltou. Como evoluiu a relação de Curitiba com a arte nos últimos anos?
Biba: A arte apareceu muito nesses últimos anos, percebi uma diferença grande até no número de galerias e muitos jovens envolvidos com a arte. Não estou dizendo que o mercado tenha crescido, mas hoje há muito mais galerias do que antigamente. Porém, a elite curitibana é muito descolada dessa juventude artística, não sabe o que está acontecendo, está olhando para um outro lado.

Richard, vamos falar de design: onde estamos, o que falta e o que o Brasil pode exportar para o mundo?
Richard: Estamos em um momento em que não existe mais um design brasileiro ou de qualquer outro país. Talvez há 20 ou 30 anos atrás isso ainda fizesse sentido: existia um design do norte da Europa, do Japão ou da Itália. Hoje, há muita contaminação e isso não é nem bom nem ruim. Mas hoje vejo que o Brasil tem uma vocação para o design relacionado a questões ecológicas. O Brasil como país pode liderar essa nova frente. O que falta aqui é um artesanato que ainda não virou arte. Isso acontece de certa forma na joalheria e na moda, mas tem um potencial muito maior.

A mostra de arte asiática de Museu Oscar Niemeyer teve expografia do Ato1Lab, de Biba Bettega e Richard Romanini. (Foto: Mariana Alves/Divulgação)
A mostra de arte asiática de Museu Oscar Niemeyer teve expografia do Ato1Lab, de Biba Bettega e Richard Romanini. (Foto: Mariana Alves/Divulgação)

Qual foi o projeto mais desafiador que já fizeram?
Biba: A mostra da Ásia no MON foi o mais desafiador para se executar, pelas contingências, pelo tempo limitado e pelo espaço ser tombado.
Richard: O projeto do Pátio Batel Fashion Walk também foi desafiador. Criamos 400 origamis automatizados em formato de pássaros que foram suspensos a 30 metros de altura sobre um público de 300 pessoas. Imagine se caísse um parafuso…

O que esperar da mostra sobre o artista chinês Ai Weiwei, no MON?
Biba: Grande visitação. Ele é um artista super espetacular. Coloca Curitiba dialogando com a arte internacional.

 

Biba Bettega, diretora do Museu Paranaense. (Foto: Kraw Penas/SEEC)
Biba Bettega, diretora do Museu Paranaense. (Foto: Kraw Penas/SEEC)

Biba, em fevereiro, você assumiu como diretora do Museu Paranaense. Quais são as mudanças que já foram implementadas?
Biba: Uma das primeiras mudanças foi mexer na parte administrativa: criei um departamento de arquitetura e design, e um setor de gestão de conteúdo. Esse último olha para o acervo de maneira geral e pensa nas narrativas transversais para criar uma mostra. Quem depois vai colocar isso no espaço é o departamento de arquitetura e design, que o transforma, de fato, em uma exposição.

“Poucas pessoas conhecem o Museu Paranaense hoje. Queremos trazer um olhar atraente e contemporâneo.” – Biba Bettega

Quais são seus planos como diretora do museu?
Biba: Pretendemos trazer uma remodelação total do espaço museal nos moldes do que fizemos no Andersen, com características diferentes para trazer um público contemporâneo. Poucas pessoas conhecem o Museu Paranaense hoje. Queremos trazer um olhar atraente e contemporâneo.

Quais são os motivos para visitar o Museu Paranaense?
Biba: A qualidade do acervo, seja pela diversidade e pelo potencial narrativo. Hoje, o museu não está atrativo e essa é a nossa missão: criar uma narrativa, uma nova identidade e comunicar isso para o público.
Richard: Devemos pensar como o museu se coloca em relação à cidade, dentro do contexto social e cultural, para dialogar com o maior número de pessoas possíveis.

Como pretendem fazer isso?
Biba: O museu carece de recursos e a reformulação vai ser implementada por fases. Nessa primeira fase, estamos trabalhando para procurar recursos. Para isso, inclusive, precisamos aproximar o museu da indústria.
Richard: No segundo semestre queremos fazer uma mostra para lançar a nova identidade.

“O Brasil tem tantos problemas e a cultura sempre fica em segundo plano. Não adianta, precisa de investimentos.” – Biba Bettega

Qual é o motivo de os brasileiros não frequentarem tanto os museus?
Richard: É uma questão de educação em termos gerais e de democratizar o acesso à cultura.
Biba: Os museus são obsoletos e não atraem público. O Brasil tem tantos problemas e a cultura sempre fica em segundo plano. Não adianta, precisa de investimentos.
Richard: Estudos apontam que a cada real investido em cultura, a economia gerada é de R$ 2,50. A cultura faz bem para a economia.

Exposição no Museu Oscar Niemeyer com projeto expográfico por Richard Romanini e Biba Bettega. (Foto: Mariana Alves)
Exposição no Museu Oscar Niemeyer com projeto expográfico por Richard Romanini e Biba Bettega. (Foto: Mariana Alves)

Em contrapartida, o MON é um sucesso de público: é a obra de Oscar Niemeyer que atrai visitantes ou são as exposições em si?
Richard: Quando foi feita a reforma, a introdução do olho tornou o museu o cartão-postal da cidade. Claro que vale visitá-lo só pela arquitetura, mas o MON tem competências voltadas para o acervo. A qualidade das mostras subiu muito nos últimos anos.
Biba: É uma junção de fatores: arquitetura, expografia, curadoria.
Richard: Além disso, é um espaço de lazer e convívio: tem café, as pessoas se reúnem ali.

Biba, em 1997 você trabalhou num projeto de urbanização das favelas no Rio. Qual é situação mais de 20 anos depois?
Biba: Participei do projeto favela-bairro, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nas comunidades de Parada de Lucas e Vigário Geral, assentamentos que ficam em um terreno plano na periferia. Naquela época, se faziam projetos nas favelas: rede, sistema de esgoto, coleta de lixo. Hoje esse programa não existe mais, e acredito que tenha criado alguma dificuldade, mas não tenho dados sobre isso.

Em Curitiba houve uma tentativa de resgate urbanístico do centro alguns anos atrás, especialmente na Rua São Francisco, mas fracassou. O que deu errado e o que poderia ter sido feito?
Biba: Houve um projeto da Prefeitura de revitalização da rua, mas a ocupação dos imóveis foi espontânea e não incentivada pelo poder público de maneira que trouxessem uma convivência pacífica na rua.
Richard: Faltou um plano regulador para que a rua funcionasse de dia e de noite, e não virasse só um lugar que reunisse as pessoas para beber. E o Estado tem que estar presente colocando polícia para proteger o cidadão, não apavorando-o.

Recentemente o Abaporu, obra de Tarsila do Amaral, voltou ao Brasil em exposição no MASP, em São Paulo: há quem diga que é uma honra que a obra brasileira mais valiosa e célebre pertença a um museu estrangeiro (o Malba, em Buenos Aires); outros defendem que o quadro deveria voltar aos museus brasileiros. Qual é a opinião de vocês a respeito?
Biba: Acho uma besteira no mundo de hoje discutir isso. Senão, precisamos ir lá no Louvre pegar de volta tudo que é da Itália ou do Egito. Acho que faz parte da história e do percurso da obra estar onde está.
Richard: É mais uma questão política em que tudo vira torcida.

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