Artigo: o que podemos aprender com a China?
Quando me perguntam se é possível aplicar na educação brasileira práticas bem sucedidas em países com melhores resultados educacionais que o Brasil, costumo responder – para surpresa do interlocutor – com uma afirmação e uma negativa. É a resposta mais adequada e vejamos por que: em primeiro lugar, é preciso entender que a cultura de alguns países que lideram o ranking do Pisa – o teste de qualidade educacional mais relevante da atualidade em todo o mundo – é muito diferente da nossa. E a educação de um país é reflexo de sua cultura, sua história e, principalmente, suas expectativas quanto ao futuro. Quando avançamos um pouco mais nessa reflexão, vemos que os países asiáticos estão entre as principais nações quando se trata de bons resultados nessa área, aprofundando ainda mais a distância entre a realidade brasileira e a desses países. Apesar disso, mesmo não sendo possível copiar todo um modelo educacional, podemos sim, adaptar algumas inovações que podem ser testadas e, se bem sucedidas, implantadas de maneira mais ampla.
Eu já tive oportunidade de conhecer os sistemas de ensino de boa parte do mundo. E afirmo que, pessoalmente, a China me encantou. Por tudo o que vi, acredito que ela vai dominar o mundo. Por quê? Basicamente, porque eles conseguem ser felizes na escola. Eu visitei vários tipos de colégios na China, e vi felicidade nos estudantes. Tal felicidade é fruto de uma postura de humildade imensa. Os alunos se mostram totalmente disponíveis e abertos ao aprendizado. E querem aprender para, uma vez aprendido, fazerem melhor. E isso é algo que a China está sabendo colocar em prática muito bem: aprender com os demais para, depois, assumir a liderança. Basta olhar a indústria gráfica, por exemplo. Até bem pouco tempo atrás, as grandes impressoras, em todo o mundo, eram de origem alemã. Hoje são chinesas. Porque os chineses olharam para fora, aprenderam, e hoje estão fazendo melhor. A China não se constrange por copiar o que deu certo fora de suas fronteiras.
E para conseguirem ampliar a sua visão além do território chinês, eles já entenderam que a segunda língua deve ser aprendida na escola. As crianças chinesas começam a aprender inglês desde muito pequenas. Os chineses adultos, com 30 ou 40 anos, não dominam o inglês, mas com as novas gerações isso já será diferente. As crianças em idade escolar na China falam inglês muito bem. O governo chinês já entendeu que dominando apenas a própria língua não conseguiriam chegar muito longe. Por isso, o inglês faz parte do currículo escolar de crianças e jovens. E não basta incluir o ensino do idioma na grade curricular – é preciso criar meios e garantir que os estudantes realmente aprendam e dominem a língua.
Essa atitude de se colocar a serviço do aprendizado para, mais à frente, poder fazer melhor é algo que a China executa com excelência. Basta ver a determinação com que os jovens chineses enfrentam a maratona de estudos pré-universitários. Jovens de 15 e 16 anos, em sua grande maioria, só têm uma coisa em mente: se preparar para o temível Gao Kao, o exame que define se o estudante vai cursar uma faculdade de primeira linha, ou se terá que se contentar com as medianas ou ruins. A expectativa criada perante o exame é compartilhada por toda a família e é levada tão a sério que é muito comum ver pais e até avós trabalhando arduamente para oferecer a filhos e netos as melhores condições de estudo possíveis. Esse é considerado o momento mais importante da vida de um chinês. É o que vai selar o seu destino. Essa consciência de que é a educação que vai definir a vida de uma pessoa é que foi determinante para mudar os rumos de todo um país.
O espírito cívico na China também merece destaque. Percebe-se no povo chinês, de forma muito acentuada, uma sensação de pertencimento ao seu país, uma vontade de ajudar a mudar e melhorar a sua pátria. Vemos no resto do mundo que os estudantes e profissionais vão para outros países estudarem ou se aperfeiçoarem e acabam ficando, não voltam para casa. Os chineses vão, aprendem e voltam, porque eles têm um compromisso com a sua origem. Nós temos programas governamentais no Brasil que enviam estudantes para fora do país e esses estudantes não têm o compromisso de voltar – e muitos de fato não voltam – para aplicarem aqui o que aprendem lá fora. Na China isso não acontece, eles querem voltar para contribuir. As principais universidades americanas – como Stanford e Massachusetts Institute of Technology – estabelecem cotas para os chineses, porque se as instituições não colocarem limites, não sobram vagas para os americanos e demais povos. Os chineses vão em grande número para os EUA, mas vão apenas para aprender, não ficam. A intenção é voltar e devolver o aprendizado para o seu país. E se queremos aprender algo com a China, podemos começar por aí: desenvolver um gosto pelo Brasil que nos faça se sentir responsáveis pela melhoria do nosso povo.