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Kika Marder comemora 10 anos de Sel et Sucre com novo menu

Chef, que tem como marca a culinária franco-italiana envolta por assinatura própria, caminha a passos curtos e firme

“Dá licença só um minutinho?” Kika Marder se levanta mais uma vez de uma das mesinhas do Sel et Sucre, na calçada da Alameda Presidente Taunay. Miúda, andando a passos rápidos dentro do bistrô, a chef e proprietária para em uma das mesas, conversa com clientes, passa em revista pelo pequeno salão e orienta uma funcionária. Quando se prepara para voltar ao charmoso cercado no passeio onde conversava com a reportagem, é interrompida por um entregador que tentava deixar uma caixa de taças no portão de serviço. “Espera aí!”, avisa, e entra de novo para chamar alguém.

“É um negócio dinâmico”, diz, de volta pela terceira vez. Ser ao mesmo tempo chef e dona de um dos negócios mais difíceis de se conduzir significa ter de ficar de olho em tudo, conta. “É por isso que acho que a gente está aí até hoje: porque a gente cuida de todos os detalhes”, avalia.  

(Foto: Guilherme Pupo)

Já faz dez anos que é assim. Kika — único nome pelo qual Anna Carolina é realmente conhecida — abriu o negócio em 2008. A ideia original era uma “boutique gourmet”. A inspiração veio dos traiteurs que conheceu no período em que morou na França para estudar gastronomia. Lá, ela conta, as pessoas saíam do trabalho a pé, compravam algo pronto em uma dessas lojinhas e iam jantar em casa com uma baguete debaixo do braço. Ela tentou fazer o mesmo por aqui, colocando itens como terrines à venda nos balcões do pequeno estabelecimento, montado no mesmo local em que o bistrô está hoje.

Na Curitiba do fim da década passada, no entanto, o modelo não fez tanto sentido. “Há dez anos, as pessoas pediam uma pizza ou uma massa no delivery. Não tinha esse boom de gente que cozinhava”, lembra. “O conceito era muito inovador e moderno para o momento. Hoje, acho que já funcionaria melhor.”

O que deu certo foram as mesinhas totalizando 12 lugares que ela havia montado para servir clientes da boutique só pelo prazer de cozinhar todos os dias. “Fazia fila”, lembra. Kika aumentou o número de mesas e voilà — o bistrô formou um público fiel e ela se tornou uma chef querida na cidade.

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Hoje com capacidade para 30 pessoas no salão e 12 do lado de fora, o Sel et Sucre se manteve pequeno e aconchegante, com um atendimento personalizado e lógica totalmente artesanal. O bistrô se estabeleceu nessa escala servindo seu cardápio de inspiração francesa apenas no almoço — algo raro em Curitiba, na visão de Kika.

A chef insiste em manter este mesmo modelo, embora tenha começado a abrir “novas frentes”. Além de aumentar sua atuação em eventos, o Sel et Sucre passa a abrir aos domingos e às quinta-feiras à noite, a pedidos.

Kika também está reformulando o cardápio, que terá novas receitas autorais somadas aos pratos já conhecidos pelos clientes, além de uma sequência com preço especial. Entre as novidades estão uma massa com molho de cogumelos, uma massa com frutos do mar e molho de champagne e um peixe com batata-doce, molho de maracujá e farofa de castanhas. O novo cardápio estreia no dia 10 de maio.

Preocupada com o controle de qualidade e com o tempo disponível para a família — Kika tem um filho de 10 anos e uma filha de 6 —, ela se diz “conservadora” neste tipo de expansão. Por enquanto, o turno noturno é mesmo só às quintas, dia da semana em que aquela região da cidade ainda não está fervendo.

“Não [quero] dar um passo maior que a perna. Acho que a gente tem que ser exigente. Tem que pensar bem. Agora, com dez anos, eu tenho maturidade. Conheço mais o negócio, entendo meus clientes. Posso dizer com mais segurança o que vai dar certo e o que não vai, apesar de ser sempre uma surpresa”, diz.

Cozinha clássica

Kika reconhece que abriu a boutique “na louca”, sem entender exatamente o que estava fazendo e com um filho de apenas seis meses no colo — algo bem diferente dos passos ponderados de hoje. Naquele caso, ela lembra, foi uma questão de paixão. “Quem tem a cozinha na veia não pensa muito. A pessoa vai lá e faz”, conta.

Quando abriu o negócio, Kika tinha voltado há pouco tempo da França. Havia se formado no instituto Paul Bocuse, em Lyon, e feito cursos no Cordon Bleu e no Lenôtre, em Paris — tudo depois de ter decidido trocar de profissão já com algum tempo de atuação no marketing.

A clareza de que se realizaria nas panelas veio quando pediu um estágio no antigo restaurante Boulevard, de Celso Freire. “Nunca me senti tão à vontade em um ambiente como dentro de uma cozinha. Ali, tive certeza de que não poderia fazer outra coisa”, diz.

Kika começou lavando folhas no garde manger, aprendeu sobre a rotina da cozinha, escolha de ingredientes e a mise en place (organização do preparo). Só depois é que foi estudar formalmente — para ela, a ordem deveria ser sempre essa para evitar a proliferação de cozinheiros recém-saídos das fraldas que não aguentam uma semana numa cozinha de verdade.

“Quando comecei, não tinha a ambição de ser chef. Tanto que não abri um restaurante — abri uma boutique gastronômica. Virou [o bistrô] por consequência”, diz,

Sua cozinha, conta Kika, é “comida de panela” com bases clássicas — a chef diz que a gastronomia contemporânea “inventiva demais” não é sua praia. “Gosto da gastronomia com respeito”, diz. “Tem chefs que conseguem criar alguma coisa diferente com alguma explicação, um conceito. Mas tem criações que não dá”, critica.

Sua marca envolve alguma criatividade e assinatura própria, qualidade, boa execução e atendimento. “Acho que, depois de dez anos, a gente tem uma caminhada muito bonita. Tem um nome, uma história legal para contar”, resume. “Mesmo nos anos difíceis pelos quais o país está passando, a gente continua. Muitos lugares já fecharam. A gente está firme e forte.”

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